Justiça

Há cinco anos, inquérito das fake news persegue quem ousa se opor ao STF

 

No início da sessão de julgamentos de 14 de março de 2019, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, anunciou no plenário uma medida inusitada: a abertura, de ofício, de uma investigação sigilosa, delegada por ele mesmo ao ministro Alexandre de Moraes, para apurar “notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”.

Estava instaurado, oficialmente, o “inquérito das fake news”, que desde então já alvejou agentes públicos, formadores de opinião, jornalistas, parlamentares, empresários e cidadãos comuns que ousaram criticar, questionar e insultar os ministros da Corte. Expressões populares de repúdio ao STF, nas ruas e nas redes, passaram a ser categorizadas como “ataques” à instituição, que supostamente ameaçariam a integridade física e a independência dos magistrados para julgar processos. Como a indignação contra o STF se estende no tempo e se multiplica na sociedade e no meio político, o inquérito não tem data para acabar.

Nesses cinco anos, a condução do inquérito por Moraes fez crescer o poder do STF, e atos heterodoxos, que sempre foram repudiados na jurisprudência da própria Corte por violar o devido processo legal ou afrontar o direito de defesa, tornaram-se comuns. Casos distintos e sem uma ligação clara passaram a ser investigados pelo ministro, quase sempre de forma sigilosa e por delegados da Polícia Federal que se reportam diretamente a ele, escanteando muitas vezes a Procuradoria-Geral da República (PGR), destinatária final das investigações, enquanto órgão apto a analisar fatos, provas e suspeitas para formular denúncias criminais perante a Corte.

O inquérito das fake news se ramificou em várias investigações, autuadas no STF sob a forma de novos inquéritos – como o dos “atos antidemocráticos”, o das “milícias digitais” e mais recentemente os relacionados ao 8 de janeiro de 2023 – ou de diversas e incontáveis “petições”, pedidos de investigação autônomos que chegam ao gabinete de Moraes, em geral, por parte de parlamentares ou da PF, para apurar casos mais específicos e que acabam sendo conduzidos pelo ministro sob a justificativa de também representarem “ameaças” ao tribunal.

Já foram investigados por Moraes procuradores da Lava Jato que apontaram o desmonte da operação no STF; auditores fiscais que levantaram o patrimônio de ministros e parentes; jornalistas, comentaristas políticos e veículos de comunicação que publicaram reportagens embaraçosas ou críticas aos ministros; parlamentares e assessores que contestaram, debocharam ou se revoltaram contra suas decisões; um partido de esquerda radical que também apontou excessos na investigação; e até empresários aborrecidos com a atuação da Corte, que desabafavam num grupo privado de WhatsApp, acusados de incitar um “golpe”.

Desde 2021, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) passou a ser investigado e deu diversas declarações sobre a perseguição à direita, a principal justificativa para a continuidade do inquérito tem sido a “defesa da democracia”, especialmente após os atos contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que resultaram na invasão e depredação do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF em 8 de janeiro de 2023 – os manifestantes foram acusados de tentar derrubar o petista da Presidência da República, de agir com a intenção de abolir o Estado Democrático de Direito, e também foram responsabilizados pelos danos ao patrimônio público.

Na breve cronologia abaixo, relembre os principais fatos, alvos e casos do inquérito ano a ano.

2019: Lava Jato na mira, revista censurada e auditores afastados

Em 13 de março de 2019, véspera do dia em que Toffoli abriu o inquérito das fake news, o advogado Ricardo Pieri Nunes, defensor do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, então investigado na Lava Jato, subiu à tribuna do STF e apontou um “ataque” que a força-tarefa de Curitiba estaria promovendo contra o Judiciário. Ele criticava a publicação de um artigo, do procurador Diogo Castor de Matos, no site O Antagonista, no qual ele escreveu que os ministros ensaiavam um “golpe” contra a operação. O texto criticava a possibilidade de o STF retirar da Justiça Federal e passar para a Justiça Eleitoral dezenas de casos de corrupção ligados a doações ilegais de campanha.

O Ministério Público Federal se opunha à transferência por entender que, na jurisdição eleitoral, os juízes não teriam capacidade, estrutura e expertise para supervisionar grandes investigações envolvendo lavagem de dinheiro e delitos complexos, e que se concentravam há vários anos em varas especializadas da Justiça Federal, como era o caso da 13ª Vara de Curitiba, onde o ex-juiz Sergio Moro conduzia centenas de processos do petrolão.

“Um procurador da República, e não uma criança inocente de tenra idade, às vésperas de um julgamento no plenário do STF, vai à imprensa para se pronunciar sobre o julgamento e dizer que ministros da Corte estariam articulando um golpe! E Sua Excelência diz isso sem pudor, sem constrangimento, como se fosse a ordem natural das coisas, na expectativa de que Vossas Excelências se sujeitarão a esse tipo de ofensa e atenderão ao desejo da Operação Lava Jato, alçada ao status de instituição nacional, com vida própria e ai de quem ouse discordar”, disse Nunes.

Os ministros ouviam compenetrados o advogado Ricardo Pieri Nunes que, naquele mesmo dia, convenceu a maioria deles a transferir os casos para a Justiça Eleitoral – nos anos seguintes, várias investigações morreriam nesse ramo do Judiciário. Na época, Sergio Moro, então ministro da Justiça, já havia proposto em seu pacote anticrime que os processos permanecessem na Justiça Federal para sobreviverem. Toffoli, na sessão, disse que todos os ministros do STF integram o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

“Atacar a cada um de nós já é um ataque a todos. Atacar o Poder Judiciário Eleitoral é atacar a essa Suprema Corte também”, afirmou, anunciando que pediria ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para apurar os “ataques” do procurador Diogo Castor. “Não é admissível esse tipo de ilação. Críticas no debate jurídico é necessário e faz parte. Agora, a calúnia, a difamação, a injúria não serão admitidos”, afirmou o então presidente do STF.

No dia seguinte, ele instauraria o Inquérito 4781, com base em dispositivos do regimento interno que dão ao presidente do STF a atribuição de “zelar pela intangibilidade das prerrogativas da Corte e de seus membros” e o poder de abrir investigação “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal” e “se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”, podendo delegar a condução a outro ministro. “Designo para a condução do feito o ministro Alexandre de Moraes, que poderá requerer à presidência da Corte a estrutura material e de pessoal que entender necessária”, disse Toffoli. “Presidente, aceito a designação e iniciarei imediatamente os trabalhos”, respondeu Moraes. “Vossa Excelência terá toda a liberdade na condução desse inquérito e todo apoio dessa presidência”, disse Toffoli.

Antes, ao anunciar o inquérito, o presidente do STF afirmou que não existe democracia “sem Judiciário independente e imprensa livre”. Um mês depois, em abril, Moraes mandaria a revista Crusoé e o site O Antagonista retirar do ar, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, uma reportagem que revelava que o empresário Marcelo Odebrecht, em sua delação premiada, se referia a Toffoli como “o amigo do amigo do meu pai”. Marcelo narrava tratativas sobre obras de hidrelétricas no Rio Madeira no segundo mandato de Lula, quando Toffoli era advogado-geral da União. Não havia qualquer afirmação de atos ilícitos por parte do ministro.

Após a publicação da reportagem, Toffoli mandou mensagem a Moraes pedindo providências em razão de “mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras”, referindo-se à informação do site O Antagonista de que o caso já teria chegado à PGR, o que o órgão negou em nota. Moraes entendeu que era o caso de “intervenção do Poder Judiciário”. “A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não constitui cláusula de isenção de eventual responsabilidade por publicações injuriosas e difamatórias”, escreveu na ordem de retirada da reportagem do ar.

Três dias depois, após uma repercussão negativa em toda a imprensa, no meio jurídico e de uma nota crítica do então decano do STF, Celso de Mello, Moraes recuou e revogou a censura. “Comprovou-se que o documento sigiloso citado na matéria realmente existe, apesar de não corresponder à verdade o fato que teria sido enviado anteriormente à PGR para investigação”, justificou Moraes. Ao jornal Valor Econômico, Toffoli disse que “se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim”. A reportagem não apontava pagamentos ilegais ou conduta ilícita do ministro.

Alguns meses depois, em agosto, dentro do inquérito das fake news, Moraes suspendeu uma fiscalização que a Receita fazia sobre 133 contribuintes, entre os quais Gilmar Mendes e a advogada Roberta Rangel, mulher de Toffoli. “São claros os indícios de desvio de finalidade na apuração da Receita Federal, que, sem critérios objetivos de seleção, pretendeu, de forma oblíqua e ilegal investigar diversos agentes públicos, inclusive autoridades do Poder Judiciário, incluídos Ministros do Supremo Tribunal Federal, sem que houvesse, repita-se, qualquer indicio de irregularidade por parte desses contribuintes”, escreveu Moraes na decisão.

Na ocasião, ele afastou do cargo dois auditores suspeitos de vazarem os dados, mas a PGR recorreu. Em novembro daquele ano, Moraes autorizou que eles retornassem às suas funções. A fiscalização, que levantava suspeitas em relação a movimentações financeiras, seguiu paralisada. Ao STF, o órgão disse que a fiscalização era técnica e que não havia “ação dirigida contra qualquer cidadão específico”. “Imperativo que as autoridades tributárias tenham condições de desempenhar seu trabalho com autonomia, e o façam com responsabilidade. Assim se atua na Receita Federal”, afirmou em ofício à Corte a auditora Ilka Pugsley.

O inquérito das fake news também mexeu com o Congresso, que instalou uma CPMI sobre o assunto. Dominada pela oposição e ex-aliados que romperam com Bolsonaro, tornou-se mais um palco de ofensas, ilações e factóides entre os próprios parlamentares. Ainda assim, parte das investigações chegaram a Moraes, sobretudo a história de que haveria um “gabinete do ódio”, composto por assessores de Bolsonaro no Palácio do Planalto, que espalhavam memes e mentiras contra seus desafetos nas redes sociais.

Deu na Gazeta do Povo

Notícias

Dias Toffoli diz não se arrepender do inquérito das fake news

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli

 

O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli participou de dois eventos em São Paulo nesta sexta-feira, 11. Em palestra no Congresso Nacional das Sociedades de Advogados disse que não se arrepende de ter aberto inquérito das fake news em 2019, quando presidia o tribunal.

Segundo Toffoli, o objetivo era identificar os responsáveis por financiar inverdades contra o Supremo e o Congresso. O inquérito sempre foi alvo de críticas por ter sido uma iniciativa do próprio Supremo, que é vítima, acusador e juiz ao mesmo tempo.

Atualmente são alvos a investigação parlamentares, empresários e até o presidente Jair Bolsonaro. Em outro evento na Fiesp, Toffoli disse que o inquérito foi tema do encontro entre Lula e o s ministros do STF na quarta-feira, 9.

“O ministro Gilmar Mendes disse isso na presença dos ministros do Supremo que recebiam o presidente e o vice-presidente eleito e suas equipes na sala do STF. Ele disse ‘presidente Lula, vice-presidente ALckmin, se não fosse o inquérito, nós não saberíamos onde nós estaríamos hoje’”, disse Toffoli,

O ministro também aproveitou para defender a atuação do STF. “Nesses 34 de Constituição de 88, é óbvio que eu discordo de algumas decisões, principalmente naquelas em que fui vencido. É óbvio que há decisões que podem ser objeto do crivo de debate.

Mas não há dúvida que o balanço é extremamente positivo”, disse Toffoli. O inquérito das fake news foi referendado pelo plenário da Corte em 2020, com o único voto contrário sendo do então ministro Marco Aurélio Mello, que, na época, apelidou a investigação de ‘inquérito do fim do mundo’.

Deu na Jovem Pan.

Judiciário

Alexandre de Moraes inclui PCO no inquérito das fake news e manda bloquear redes sociais do partido

 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta quinta-feira (2) a abertura de inquérito contra o Partido da Causa Operária (PCO) por publicações da sigla na internet.

O magistrado mandou bloquear os perfis da legenda nas redes sociais e determinou que o presidente do PCO, Rui Costa Pimenta, preste depoimento à Polícia Federal em até 5 dias.

A investigação aberta pelo ministro gira em torno do inquérito das fake news, que apura disseminação da chamada “notícias falsas” contra a Corte. A ordem de bloqueio contas digitais contemplam os perfis do partido no Twitter, Instagram, Facebook, Telegram, Youtube e Tik Tok.

No Twitter, o partido chegou a fazer algumas publicações contra Moraes, usando os seguintes termos: “skinhead de toga”; “sanha por ditadura”; além de pedir a “dissolução do STF”.

Informações do Conexão Política