“Riscos do telefone e da internet na política”

Por Ney Lopes de Souza

Por mais que tenhamos tecnologia avançada, ainda permanece entre os políticos muita cautela nas conversas ao telefone.

O ex-presidente José Sarney, em crônica publicada, coletou exemplos desde tempos passados.

Conta ele que Getúlio Vargas não gostava de falar ao telefone.

Nunca ninguém recebeu dele uma chamada.

Preferia ditar os recados para Lourival Fontes, que os anotava e transmitia aos ministros.

Tancredo Neves era discreto e nada dizia. Falava muito pouco, monossilábico e misterioso.

Tinha a sua própria definição de telefone. ” É uma maravilha! Serve para a gente marcar encontros a que não se vai.”

Juscelino falou bem, com cuidado, escolha, precavido, mas pródigo.

Castelo Branco gostava de falar. Todos recebiam suas ligações. Sempre assuntos de serviços.

Geisel, na primeira tarefa do dia, cobrava explicações ao telefone dos citados na imprensa.

Mas prudente mesmo era o nosso Valadares.

Certo dia, quando a revolução de 64  foi deflagrada, o sussurro de informações de prioridade era monopólio de uns poucos.

Dinarte Mariz frequentava os quartéis, tinha grandes amizades entre os militares, sempre sabia de tudo uma fonte que ninguém e por isso explorava.

Um dia Valadares viajou do Rio com Dinarte Mariz e sentaram-se juntos.

A conversa foi aberta e rica de novidades. Dinarte contou tudo que sabia.

Dinarte sabia de tudo.

Ao chegar a Brasília, quis retificar uma informação que dera ao Valadares e telefonou-lhe.

Ele atendeu, voz fanha inconfundível. “Benedito, aqui é o Dinarte. Quero informar um pouco mais sobre a nossa conversa ontem, no avião”.

Valadares desconfiado estático respondeu: “Ele não…”.

Como não está?!”’, retrucou Dinarte. “É você e aqui é o Dinarte.

“Eu já disse que ele não está”, retrucou o próprio Valadares.

Dinarte então, irritado, perguntou:

“Ô Valadares, e quem está falando aí?

“É o rádio“, respondeu Benedito, com pressa em desligar.

Gustavo Capanema era diferente.

O telefone era para ele como uma cátedra.

Dava aulas imensas, falaram horas e horas, e o interlocutor é que deve desligar.

Adauto Lúcio Cardoso, o grande Adauto, um dos maiores e melhores, certa vez, nos primórdios da fundação de Brasília, quando os serviços da rede telefônica do Brasil funcionam mal, com linhas fixas e interferências, me disse:

“Cuidado com telefone em Brasília. A gente não fala com outra pessoa, fala num simpósio“.

O jornalista Elio Gaspari relata a conversa do embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, com o presidente Kennedy, na manhã de 30 de 1962.

Naquele dia, o presidente inaugurou o sistema de gravação clandestina de suas conversas no Salão Oval.55, da Casa Branca.

Dessa forma, conversamos hoje como lembranças de 28 minutos públicos de Gordon, de fita do conhecimento.

O embaixador dissera a Kennedy que a hipótese de um golpe militar no Brasil estava no baralho. Kennedy opunha-se à ideia na posição de Jango, mas havia declarado que desejava ter essa carta na mão.

E assim aconteceu.

Na política internacional, ampliam-se as preocupações acerca de serviços de vigilância “online”, inclusive entre os cidadãos.

Nos Estados Unidos, esse temor levou ao surgimento de organizações para protestar contra essa violência, entre elas, a  American Civil Liberties Union (ACLU), as fundações World Wide Web e Mozilla, e o Greenpeace.

O site “WikiLeaks”, que revela documentos sigilosos da diplomacia norte-americana, publicou a existência de grampos no telefone da presidente Dilma Rousseff e 29 números de auxiliares da administração.

Em 2016, o então juiz federal Sérgio Moro tornou públicas as gravações de telefonemas entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O procedimento foi condenado, em razão de que a presidente da República tinha prerrogativa de foro por função e a prova deveria ter sido enviada ao STF.

Os fatos mostram, que desde 1990, com a popularização da Internet, o risco do telefone transferiu-se para formas rápidas e eficientes de comunicação, reduzindo as fronteiras e possibilitando o contato instantâneo das pessoas no mundo todo.

Mesmo assim, a cautela nas conversas políticas aumentou, ao invés de diminuir.

 

Dr Ney Lopes de Souza é advogado, professor titular da UFRN e ex-deputado federal

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