Profissionalização é apontada como solução para a crise na arbitragem brasileira

 

A arbitragem brasileira passa por um momento de crise. Árbitros estão sendo afastados após erros crassos, dirigentes esbravejam em coletivas e o alto-comando da CBF tenta se explicar.

A frase acima é atemporal, mas representa bem as últimas semanas no futebol do país. As discussões sobre apito tomaram conta das pautas dos programas esportivos e nas mesas de bar pelo país.

Sálvio Spinola e Renato Marsiglia, ex-árbitros que acompanham de perto as questões que envolvem as suas antigas ocupações, concordam que a arbitragem brasileira vive um momento de crise.

“O momento é crítico por conta do investimento pesado que a CBF fala que faz na arbitragem. A estrutura da arbitragem brasileira, hoje, é muito pesada: são 11 instrutores, com uma estrutura bem recheada, com muito treinamento, investimento e capacitação dos árbitros. Erros de arbitragem há no mundo inteiro, até em Copa do Mundo. A relação investimento e o momento de crise é desproporcional”, opina Sálvio, que se aposentou em 2011, após 15 anos de atuação também como árbitro da Fifa.

Marsiglia, que apitou a Copa do Mundo de 1994 e foi comentarista de arbitragem da RecordTV no Paulistão, concorda que o momento dos árbitros não é bom, mas acredita que falta uma blindagem por parte da CBF.

“Quando acontece uma sucessão de erros, as reclamações aumentam, e evidentemente não tem como não influenciar no rendimento do árbitro dentro de campo. Ele é humano, ouve rádio, lê jornal, sofre pressões, principalmente dos clubes que estão disputando títulos e vagas de Libertadores”, comenta.

Apesar das críticas, a CBF, representada pelo presidente da Comissão de Arbitragem, Wilson Seneme, defende a atuação do quadro e pede ao público que “enxergue o copo meio cheio”.

Segundo avaliação da entidade, nas 140 partidas da série A do Campeonato Brasileiro, houve sete erros graves da equipe de arbitragem.

Em uma tentativa de justificar erros que envolvem a arbitragem brasileira, a CBF criou o “Papo de Arbitragem”, em que Seneme comenta alguns lances capitais do futebol brasileiro.

Sálvio defende a ideia de que haja uma “posição didática” da entidade, mas ressalta que os comentários expõem a figura do árbitro ainda mais.

“Eu acho necessário, mas acho que não pode ter exagero. Entendo que esse modelo implantado atualmente pela CBF tem um exagero. É um show business, que tem colocado a arbitragem muito mais em exposição. Isso é desnecessário. Acho melhor o modelo mais didático, mais instrutivo do que esse modelo.”

“Reciclagem” proposta pela CBF ajuda?

Após um árbitro do quadro da CBF cometer um erro grave em uma partida de futebol, ele é incluído no Pada (Programa de Assistência ao Desenvolvimento da Arbitragem), que, no dialeto popular, é chamado de reciclagem, ou até mesmo de geladeira.

Para árbitros que normalmente apitam jogos da elite do futebol nacional, o retorno é em partidas das séries B e C do Brasileiro.

“Não acho uma medida inteligente simplesmente afastar o árbitro. Se ele ficar de fora da escala por três semanas, vai voltar pior, ele perde ritmo de jogo, igual ao jogador”, opina Marsiglia.

“Não existe treinamento técnico do árbitro que não seja apitando. Então, o coloquem em jogos da Série B, e ele entra nesse processo de capacitação. Nesses jogos, ele vai ganhar menos, vai doer no bolso, e pagar um castigo. Isso vai fazer com que ele fiquei mais focado e procure errar menos”, sugere o ex-árbitro.

Segundo informou o portal R7, um dos árbitros que passaram pelo Pada é Jean Pierre Gonçalves, que apitou Athletico Paranaense e Palmeiras, pelo Brasileirão. Mesmo após a consulta do VAR, ele não expulsou o zagueiro Zé Ivaldo, que deu uma cotovelada em Endrick durante uma disputa dentro da área athleticana.

“Ele [Jean Pierre] sempre teve esse posicionamento equivocado e nunca foi corrigido pela Comissão de Arbitragem. Só foi punido porque o lance teve repercussão por conta da cotovelada. Se não tivesse aquela cotovelada, ele estaria sendo escalado e apitando. A ida para a capacitação é uma resposta política ao clube que reclamou, não para qualificar a arbitragem”, garante Sálvio.

Caminho é a profissionalização

Um fator a ser analisado quando o assunto é arbitragem é que no Brasil os árbitros não são profissionais, não possuem carteira assinada ou contrato de trabalho com a CBF ou federações estaduais.

Ou seja, apesar de trabalhar em arenas de Copa do Mundo e ser responsável por delegar partidas que movimentam bilhões de reais, a equipe de arbitragem inteira não tem nenhuma garantia de renda fixa no futebol.

Na Premier League, considerada por muitos a principal liga de futebol do mundo, os árbitros fazem parte de uma entidade chamada Professional Game Match Officials Limited (PGMOL), grupo afiliado às organizações que regem o futebol inglês.

Entre árbitros e assistentes, mais de 300 profissionais se dividem em jogos da primeira e segunda divisão do futebol inglês. Tratada como profissão, a arbitragem realiza treinos, possui um robusto sistema de análise de desempenho e conta com um salário fixo, além da bonificação por jogo apitado.

Segundo dados obtidos pela Goal, um árbitro no futebol inglês recebe um salário anual entre 38,5 mil libras (R$ 241 mil) e 42 mil libras (R$ 263 mil), de acordo com a sua experiência. Além disso, há um bônus de 1.150 libras (R$ 7.213) por partida trabalhada.

Já no futebol brasileiro não há um valor fixo, e o árbitro só recebe se apitar um jogo. Na Série A, o valor varia entre R$ 4.700 e R$ 6.500 por partida. A remuneração é maior no caso de árbitro do quadro da Fifa.

“No Brasil, o árbitro ganha por jogo, ele depende de uma escala. Se o diretor de árbitros não gosta dele e ele fica um mês sem apitar, não ganha nada. Se ele se lesiona, não recebe. Como fica a família dele? Imagina a cabeça do árbitro, a pressão que sente”, questiona Marsiglia.

Embora algumas pessoas afirmem que a realidade do futebol brasileiro seja infinitamente diferente da observada no inglês e que a profissionalização da arbitragem seja uma utopia no país, o balanço financeiro da CBF mostra que, se há um momento para propor essa discussão, é agora.

Em 2022, a entidade teve um faturamento de R$ 1,2 bilhão, com um lucro de R$ 143 milhões.
Há que pensar que um investimento nas pessoas que regem o espetáculo deve trazer um retorno grande ao futebol brasileiro, elevar o nível do jogo e, com isso, diminuir o número de  polêmicas desnecessárias.

Fonte:R7

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