Um relatório da Polícia Federal (PF) afirma que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, reuniu documentos em seu celular para dar suporte a uma intervenção militar depois das eleições.
Segundo o militar, a medida se justificaria porque o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teriam cometido abuso de autoridade no pleito. Nesse cenário, Bolsonaro teria sido prejudicado, e o presidente Lula, então candidato, favorecido.
Depois do período eleitoral, Cid trocou mensagens com outros militares. Um deles é o coronel Jean Lawand Júnior, oficial do Exército. Este último pediu ao então ajudante de ordens que o presidente levasse o plano adiante. “O presidente não pode dar a ordem”, disse Cid, ao afirmar que Bolsonaro não daria ordem ao Exército e nem sequer assinaria alguma intervenção militar.
“Pelo amor de Deus, que ele dê a ordem”, escreveu Jean, em 1° de dezembro de 2022. “O povo está com ele, cara. Se os caras não cumprirem, problema deles. Acaba o Exército se eles não cumprirem a ordem do ‘comandante supremo’. Faz alguma coisa, Cidão [Cid]. Convence ele a fazer. Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder, vai ser preso. E, o pior, na Papuda. Não podemos ser racional, é emotivo.”
O relatório da PF sobre Mauro Cid e a intervenção militar
A PF extraiu essas informações do telefone de Cid, pois teve acesso aos aparelhos dele; de Gabriela Santiago Cid, mulher do tenente-coronel; e de Luis Marcos dos Reis, militar que trabalhou com Bolsonaro. Na ocasião, a polícia deflagrou uma operação que apura fraudes em carteiras de vacinação.
Inicialmente, a revista Veja publicou uma reportagem detalhando o plano elaborado por Cid. Oeste teve acesso aos documentos que previam a instalação de um Estado de sítio, a destituição dos ministros do STF e do TSE e a nomeação de um “interventor”.
Segundo a PF, o documento “final” foi elaborado por Cid depois de diversas pesquisas. O ex-ajudante de ordens guardava um questionário respondido pelo jurista Ives Gandra Martins — de 2017, no qual as perguntas foram elaboradas pelo major Fabiano da Silva Carvalho — e outros três textos que explicavam os aspectos constituintes da Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Cid menciona o ministro Alexandre de Moraes, do STF, nominalmente. Além disso, diz que o magistrado não poderia ter presidido o TSE, pois tem uma relação de longa data com o então candidato à vice-presidência Geraldo Alckmin.
Outro documento encontrado pela PF detalha o que deveria ser feito para que as Forças Armadas assumissem como “Poder Moderador”. Três textos teriam sido compartilhados pelo tenente-coronel Marcelo Haddad, ex-comandante do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Rio de Janeiro.
Os documentos dariam suporte a um plano para implementar a GLO. Na prática, isso abriria o caminho para que o Exército assumisse o controle do Brasil temporariamente.
Os arquivos foram enviados por Marcelo em conversa com Cid por WhatsApp em 16 de novembro de 2022, duas semanas depois do segundo turno eleitoral. Conforme o plano, Bolsonaro teria de apontar supostas inconstitucionalidades do Judiciário aos comandantes das Forças Armadas.
Um dia depois das primeiras mensagens enviadas a Cid, Jean continua a pedir ao tenente-coronel que pressionasse o então presidente. “O Exército não vai fazer nada sozinho, pois seria visto como golpe”, argumentou. “Está nas mãos do presidente.”
Em 7 de dezembro, o coronel envia outra mensagem a Cid cobrando a ordem de Bolsonaro. “Convença o ’01’ [apelido conferido a Bolsonaro] a salvar esse país”, escreveu. Cid, então, responde: “Estamos na luta”.
Três dias depois, Cid tenta acalmar o colega, dizendo que muitas coisas “estavam acontecendo” e que seria “uma coisa de cada vez”. Em 21 de dezembro, Jean parece receber a informação de que Bolsonaro não faria nada do que ele esperava. “Decepção, irmão”, escreveu. E Cid respondeu: “Infelizmente”.
Segundo a defesa do ex-presidente, as informações do relatório da PF mostram que Bolsonaro “jamais participou de qualquer conversa sobre um suposto golpe de Estado”. “Mauro Cid recebia todas as demandas — pedidos de agendamento, recados etc. — que deveriam chegar ao presidente da República”, informou. “O celular dele, portanto, por diversas ocasiões se transformou numa simples caixa de correspondência que registrava as mais diversas lamentações.”
Deu na Revista Oeste