Fuga de outros não pode ser pretexto para prender acusados do 8/1, dizem juristas

Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou a prisão preventiva de pessoas já condenadas pelo 8 de janeiro, mas ainda com recursos a serem julgados, com a justificativa de risco de fuga depois que outros acusados saíram do país. Segundo juristas, a determinação é inapropriada, pois penaliza, com base na conduta de outros participantes do processo, aqueles que têm cumprido as medidas cautelares impostas.

“A análise da necessidade de prisão preventiva precisa ser individualizada, não podendo haver presunção em razão de ato cometido por outro réu. O ministro Alexandre de Moraes deturpa esse raciocínio jurídico, com o devido respeito, de forma casuística. Isso porque o único fundamento destas prisões é o fato de outros réus terem fugido, fazendo-se, então, presunção de que todos irão fugir, sem a análise individualizada”, afirma Thyago Amorim, advogado criminalista.

Adriano Bretas, advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal, explica que para decretar a prisão preventiva é necessário provar que a liberdade daquela pessoa específica coloca em risco a ordem pública, o andamento do processo ou a aplicação da condenação após a conclusão da ação penal.

“O risco de fuga precisa ser individualizado especificamente para aquelas pessoas que estão sendo presas. Você não pode prender a pessoa X, porque tem o risco de fuga da pessoa Y. É absolutamente desproporcional e fere o princípio da individualização. No meu modo de ver, isso é irrazoável”, avalia Bretas.

A Gazeta do Povo levantou ao menos três acusados que receberam o mandado de prisão preventiva no qual Moraes se respalda na fuga de outros indiciados. São eles Luís Carlos de Carvalho Fonseca, Jaime Junkes e Nelson Ferreira da Costa.

Cumprimento de medidas cautelares demonstra compromisso às regras determinadas

Para manter a liberdade provisória, os acusados precisam cumprir uma série de medidas cautelares, como o uso de tornozeleiras eletrônicas e a apresentação periódica em locais determinados pela Justiça. O cumprimento dessas medidas já sinaliza a boa conduta dos envolvidos, o que deveria afastar a necessidade de uma prisão preventiva.

“Normalmente, a hipótese mais comum [para determinar a prisão preventiva] é o risco de fuga. Prende-se a pessoa para garantir a aplicação da lei penal quando existe uma probabilidade concreta de que ela vá fugir. Mas é preciso ter algo concreto; não pode ser uma mera especulação de que essa pessoa pode fugir. Isso não deve justificar uma prisão”, aponta Bretas. Ele acrescenta que “se as medidas cautelares que foram impostas estão sendo obedecidas e não existe nenhum fato novo que justifique qualquer mudança, não há necessidade da prisão”.

Amorim ainda ressalta que a decisão de Moraes não foi avaliada por outros ministros da Corte. “Nos casos específicos, os réus estavam cumprindo as medidas determinadas, mas em razão de outros réus terem fugido estão sendo penalizados. Essa decisão, que é monocrática, não passou pelo colegiado, e fere os princípios da individualização da pena e da não culpabilidade”, reforça.

Na prática, Moraes antecipa cumprimento da sentença de réus

O princípio constitucional da não culpabilidade, citado por Amorim, indica a necessidade de esperar o processo ser finalizado para aplicar a pena. Em 2019, o próprio STF derrubou a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância por 6 votos a 5. Dessa forma, a lei penal, quando trata do cumprimento da condenação, descreve um cenário que só pode ocorrer depois de todos os recursos terem sido esgotados.

“A antecipação da aplicação da pena antes de serem esgotadas as vias recursais pode impor um paradoxo insuperável. Você pode começar a punir uma pessoa e depois o processo dessa pessoa ser anulado. E aí a Justiça corre o risco de submeter uma pessoa a uma pena de um processo que não existe mais”, esclarece Bretas.

“O ministro Moraes não tem recebido os recursos que são claramente recursos que deveriam ser aceitos. Ele tem agido com grande autoritarismo, trazendo um grande prejuízo para o Direito Penal”, alegou Carolina Siebra, advogada de alguns dos envolvidos nos atos do 8 de janeiro.

Para Amorim, a aplicação da prisão preventiva aos condenados que ainda aguardam o julgamento dos recursos pelo próprio STF, na prática, antecipa a aplicação do tempo de condenação recebido por eles. “Enquanto houver recurso, o processo não terminou. Nesses casos, em que o cumprimento antecipado da pena não é possível, o instrumento de prisão preventiva está sendo utilizado para um certo adiantamento do cumprimento da pena”, explica.

Siebra se preocupa em relação aos precedentes que o STF tem aberto no Direito Penal. “O mais temerário disso tudo é que essas ilegalidades formam precedentes que vão ser utilizados pelos juízes de primeira instância. Grande parte do sistema carcerário hoje é composta por pessoas que não tem condições de pagarem uma defesa. Isso fará com que o nosso sistema piore e muito”, alerta.

Deu na Gazeta do Povo

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