Imaginem se os manifestantes universitários conseguissem o que desejam amanhã: não apenas um “Cessar-Fogo Imediato” em Gaza, mas também a criação de uma “Palestina Livre”. Como seria essa futura Palestina?
Não se trata de uma pergunta especulativa. Os palestinos tiveram certa medida de autogoverno na Cisjordânia desde que Yasser Arafat entrou na Faixa de Gaza, em 1994. Israel retirou seus colonos e soldados do território em 2005. Mahmoud Abbas foi eleito presidente da Autoridade Palestina naquele mesmo ano, e o Hamas venceu as eleições legislativas do ano seguinte.
De quanta liberdade os palestinos desfrutaram desde então? Os palestinos e seus aliados no exterior argumentam que não tiveram liberdade nenhuma porque Israel não lhes permitiu — não apenas recusando-se a aceitar um Estado palestino, mas também por meio de interdições de estradas, de expropriações de terras na Cisjordânia, do bloqueio econômico contra Gaza e das frequentes incursões israelenses em áreas palestinas.
Parte disso é verdade. Os colonos israelenses são violentos com seus vizinhos palestinos. O governo israelense impõe restrições pesadas e desiguais sobre os palestinos, conforme minha colega Megan Stack relatou com doloroso detalhe. Os frequentes maus-tratos aos quais os palestinos são submetidos nos postos de controle israelenses são uma desgraça antiga e duradoura.
Ao mesmo tempo, os líderes israelenses ofereceram repetidamente a criação de um Estado palestino — ofertas que Arafat e Abbas rejeitaram. Acusações sobre o bloqueio econômico israelense tendem a ignorar alguns fatos: Gaza também faz fronteira com o Egito; grande parte da ajuda internacional concedida a Gaza para a construção de infraestruturas civis foi desviada para a construção dos túneis do Hamas; e o Hamas usou Gaza para iniciar cinco guerras com Israel em 15 anos.
Mas há uma dimensão igualmente importante da política palestina que é puramente doméstica. Quando Abbas foi eleito, em 2005, seu mandato era de quatro anos. E hoje ele está no vigésimo ano de seu mandato de quatro anos. Quando venceu as eleições legislativas de 2006, o Hamas não derrotou apenas seus rivais políticos do Fatah, também derrubou completamente a Autoridade Palestina em Gaza após uma breve guerra civil e então eliminou toda a oposição política por meio de uma campanha de assassinato, tortura e terror.
A inexistência de uma democracia palestina talvez não deva surpreender. O regime estabelecido pelo Hamas não é meramente autocrático; é mais parecido com a antiga Alemanha Oriental, completa, com sua própria versão da Stasi, que espionava, chantageava e cometia abusos contra seus próprios cidadãos.
“Os líderes do Hamas, apesar de alegar representar o povo de Gaza, não tolerariam nem mesmo um sopro de dissidência”, escreveram Adam Rasgon e Ronen Bergman, do Times, na segunda-feira. “Autoridades de segurança perseguiam jornalistas e pessoas suspeitas de comportamento imoral. Os agentes removiam críticas das redes sociais e discutiam maneiras de difamar adversários políticos. Protestos políticos eram vistos como ameaças a ser combatidas.”
Mas isso não captura a dimensão da crueldade do Hamas. Considerem a maneira que o grupo trata os palestinos gays — um ponto que vale enfatizar, já que cartazes com a máxima “Queers pela Palestina” são levantados em certas marchas anti-Israel.
Em 2019, a Autoridade Palestina proibiu atividades de grupos em defesa de direitos LGBT+ na Cisjordânia alegando que essas entidades são “prejudiciais aos valores e ideais mais elevados da sociedade palestina”. Em 2016, o Hamas torturou e matou um de seus próprios comandantes, Mahmoud Ishtiwi, sob suspeitas de “torpeza moral” — um código para homossexualidade. “Parentes afirmaram que Ishtiwi lhes disse que ficava pendurado horas a fio, dia após dia”, escreveram Diaa Hadid e Majd Al Waheidi, do Times.
Um Estado palestino independente, convivendo lado a lado com Israel, melhoraria sua governança interna? Se o Hamas tomar o controle, não — o que quase certamente ocorrerá se o grupo não for absolutamente derrotado na atual guerra. E se os manifestantes alcançarem seu objetivo maior — ou seja, uma Palestina “do rio até o mar”?
Nós sabemos algo sobre as intenções do Hamas graças à declaração final de uma conferência que o grupo realizou em 2021 a respeito de uma Gaza “libertada”. Qualquer judeu considerado “combatente (…) deve ser morto”; judeus que fugirem podem “ser deixados em paz” ou “processados”; indivíduos pacíficos podem ser “integrados ou receber um prazo para partir”. Finalmente, “judeus escolarizados”, com habilidades valiosas, “não devem ter a saída permitida”.
Em outras palavras, o que os manifestantes universitários vislumbram alegremente como um Estado pós-sionista, utópico, “para todos os seus cidadãos” sob o Hamas seria um país no qual judeus seriam assassinados, forçados ao exílio, processados, integrados a um Estado islamista ou obrigados a servir uma versão do Primeiro Círculo de Alexander Soljenítsin no Levante. Esses mesmos estudantes podem responder que não querem um futuro liderado pelo Hamas — mas isso apenas engendra a dúvida sobre o que os motiva a não fazer absolutamente nada para se opor ao grupo.
Esta não é a primeira geração de ativistas ocidentais que defendem movimentos que prometem libertação na teoria e na prática entregam miséria e morticínio: o Khmer Vermelho ascendeu ao poder no Camboja em 1975 ovacionado pelas principais vozes progressistas. Mao Tsé-tung, provavelmente o maior genocida dos últimos 100 anos, nunca perdeu prestígio entre a esquerda. E revistas como The Nation enalteceram Hugo Chávez enquanto paradigma da democracia.
Tais atitudes são um luxo do qual pessoas que vivem em sociedades seguras e livres podem desfrutar livremente. Os israelenses, cuja liberdade torna-se mais preciosa por ser menos segura, podem ser perdoados por pensar de outra maneira.
Deu no Estadão