A imagem de atritos entre os três Poderes da República nas últimas semanas, exposta por declarações públicas de seus protagonistas, contrasta com a da escolha de um ministro do Executivo para ocupar uma cadeira no Judiciário. No fim das contas, pesou a favor da indicação de Flávio Dino a expectativa de fidelidade a Lula, a pressão dos integrantes da Supremo, o calendário eleitoral, a disputa por poder dentro do Senado, e os acordos fechados para consolidar a escolha do possível novo membro da Corte.
Para o Senado aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que limita os poderes individuais de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), garantiu os votos necessários. O seu voto “pessoal” arrastou os outros dois da bancada baiana, ambos do PSD, partido do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), que foram decisivos à aprovação da iniciativa. Na sequência, os protestos do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, e de outros dois membros contribuíram para o agendamento célere pelo Senado da votação da indicação do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), para o STF.
Dino, por sua vez, é apoiado pelos magistrados. O gesto para arrefecer os ânimos dos ministros Barroso, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do STF, veio mesmo a calhar, porque a maior dificuldade para Lula escolher Dino era justamente o risco de rejeição dele pelo Senado. Pacheco conversou na véspera da votação da PEC com Alexandre de Moraes. “Reiterei a ele que a intenção é o aprimoramento da Justiça do nosso país”, disse. Segundo o senador, o ministro, embora fosse contrário à proposta, compreendia a importância do “valor da colegialidade para decisões graves como são as declarações de inconstitucionalidade”.
Esse mesmo acerto, por sua vez, foi respaldado também por outras negociações, as quais envolveram não só o presidente do Senado, mas também o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que busca apoio do Planalto para voltar à Presidência da Casa em 2025. A boa vontade mostrada por Alcolumbre, ao marcar com rapidez a sabatina de Dino, contrastando com os mais de quatro meses que André Mendonça, ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL), precisou esperar para ser submetido ao plenário do Senado, deverá sair mesmo caro.
Até a dívida federal de Minas entrou na mesa de negociação
De maneira prévia, também entrou na conta geral para a indicação de Dino e a votação dela pelo Senado a demanda de Pacheco para provocar em parceria com Lula embaraços à negociação da dívida federal de Minas Gerais conduzida pelo governador Romeu Zema (Novo). Na tarde de terça-feira (21), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), e o presidente da Assembleia Legislativa do estado, Tadeu Martins Leite (MDB), se reuniram com Lula para apresentar proposta alternativa ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que havia sido proposto formalmente pelo governo mineiro.
Todos os movimentos das últimas semanas partiram de uma grande articulação iniciada meses atrás e envolvendo a aproximação de Pacheco e Alcolumbre dos parlamentares da oposição, em busca da construção de novo polo de poder na Casa. Na sequência, o escanteio do PT por parte de Lula na definição de Dino para o STF também inaugura outra disputa nos bastidores.
Essa, por sua vez, envolve o sucessor do titular da Justiça, provavelmente com a divisão do Ministério da Justiça e a recriação da pasta voltada à segurança pública. Figuras como a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o ex-ministro do Supremo Ricardo Lewandowski estão na disputa pela vaga a ser aberta por Dino.
Para o advogado e professor André Marsiglia, a escolha de Dino ajudou o governo e o próprio Supremo a desviar o foco sobre o debate em torno do ativismo judicial ao tratar de um novo problema, que é a própria indicação do ministro. Ele espera que a sabatina do nomeado tenha o grau de cobrança exigido por uma questão dessa relevância.
Sabatina agendada em troca de apoio na sucessão do Senado
Dino será sabatinado em 13 de dezembro na CCJ e a marcação célere denota não só o atendimento de demandas de ministros da Corte, mas também o jogo visando a troca de comando do Senado e o cenário eleitoral de 2024 e de 2026. O desgaste sofrido por Pacheco por ter se aliado ao governo e ao STF, negando até então a discussão de iniciativas para conter excessos de juízes e poupando-os de processos de impeachment, contribuiu para sua mudança de postura e início da reação coordenada com a oposição.
Dino precisa de ao menos de 41 votos de senadores em plenário para ter nomeação para o STF confirmada. Pacheco teria vislumbrado junto com os governistas um horizonte de 55 votos. A oposição, por sua vez, contabiliza na largada ao menos 32 votos contra Dino. As duas torcidas só não se dividem no próprio Supremo, onde apenas o ministro André Mendonça, indicado por Bolsonaro e crítico de Dino, não saudou a indicação. Dino conta com o apoio da cúpula do Tribunal e do Senado para sair vitorioso. Como poderá ficar no STF pelos próximos 20 anos, até 2043, será alçado à Presidência da Corte, além do plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), durante a sua provável trajetória no Judiciário.
Com problemas evidentes na coordenação política e na formação de base de apoio parlamentar, o governo Lula acaba por ver sua agenda de votações no Congresso contaminada pelo embate entre Legislativo e Judiciário. Até mesmo os vetos presidenciais foram colocados nos últimos dias na balança de negociações envolvendo a escolha de Dino para a Suprema Corte. “Não se negocia nenhum veto do presidente da República para aprovação do nosso candidato ao STF”, reagiu o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
Negociações continuam com a divisão de verbas do Orçamento
Apesar da negativa, a negociação para a aprovação de Dino envolve ainda outros acordos em torno dos quais Lula vem trabalhando com o Senado para equacionar a questão fiscal. Pacheco, como presidente do Congresso, vai conduzir a votação da Lei Orçamentária de 2024, ano eleitoral, com maior divisão de recursos entre Executivo e parlamentares.
Diante da decisão de nomear Dino para o STF, Lula convenceu Pacheco a embarcar com ele para a viagem para Arábia Saudita, Qatar e Dubai, nos Emirados Árabes, onde ocorre a cúpula mundial do clima (COP 28). As conversas na turnê deverão envolver a sabatina do ministro e outras questões, como a pauta do Senado que atinge o STF, atuando como intermediário entre Legislativo e Executivo, e até mesmo entre o Parlamento e o Judiciário.
informações da Gazeta do Povo