Entre janeiro e maio deste ano, os Ministérios Públicos (MPs) estaduais pagaram pelo menos 724 salários superiores a R$ 100 mil aos seus membros ativos, ou seja, a promotores e procuradores que estão trabalhando. A maior quantidade de salários acima dos seis dígitos foi paga pela Corte de Mato Grosso — 244 ao todo, seguida de Santa Catarina, com 179; Mato Grosso do Sul, com 106; e Rondônia, com 70.
No Ministério Público da União (MPU), foram pagos nos primeiros cinco meses do ano 65 salários superiores a R$ 100 mil, sendo 47 a membros do Ministério Público Federal (MPF), oito do Ministério Público do Trabalho (MPT) e dez no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
O levantamento dos salários brutos foi feito por Oeste com base nas informações disponibilizadas no Portal da Transparência de cada MP, já que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), ao contrário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não concentra as informações dos 26 MPs estaduais e das promotorias que compõem o MPU.
Promotores e procuradores têm os salários mais altos do funcionalismo público, equiparados aos de juízes, sendo que, na maioria dos Estados e MPs geridos pela União, o valor básico bruto é de R$ 33,6 mil. Entretanto, em pelo menos 789 casos, o valor bruto recebido passou dos R$ 100 mil neste ano. Juntos, os MPs estaduais têm 10.460 membros e os MPUs, 2.226, perfazendo 12.726 promotores e procuradores.
No MP de Mato Grosso, houve salários acima de seis dígitos em todos os meses, sendo 86 em janeiro, 24 em fevereiro, 94 em março, 24 em abril e 16 em maio. O maior salário foi de R$ 197 mil, em março, pago a uma promotora que recebeu R$ 2,9 mil de cargo de confiança, R$ 28,1 mil de férias, R$ 6,2 mil de verbas indenizatórias e R$ 127 mil de outras remunerações temporárias. A tabela das remunerações temporárias relativas a março não pôde ser encontrada no Portal de Transparência do MP-MT.
No caso dos outros MPs estaduais, os elevados valores são também quase sempre decorrentes de verbas indenizatórias, que incluem diversos auxílios, como alimentação, creche e saúde, e outras remunerações temporárias, normalmente por acúmulo de função ou abonos concedidos administrativamente e amparados em leis.
Também há verbas por acúmulo de função e abono de permanência, que é o valor equivalente ao da contribuição previdenciária, devido ao funcionário público que esteja em condição de aposentar-se, mas que optou por continuar em atividade. Em muitos casos, na consulta às verbas indenizatórias, os altos salários são decorrentes da permuta da licença-prêmio por dinheiro.
Foi o que informou, por exemplo, a assessoria do MP-RO, onde houve 70 salários superiores a R$ 100 mil nos cinco primeiros meses do ano: os valores apontados não correspondem à remuneração normal, diz a nota. “Incluem indenizações, como de férias regulamentares e dívidas de exercícios anteriores; portanto, são transitórias.” A assessoria encerra a nota afirmando que a “administração superior do Ministério Público esclarece ainda que os referidos valores (salários e indenizações) são de conhecimento e fiscalizados pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que já atestou a sua legalidade”.
A assessoria do MP-SC disse que “aqueles valores [superiores a R$ 100 mil] não se referem à remuneração normal, dizendo respeito a verbas indenizatórias e temporárias, como indenização de férias e licenças-prêmio não usufruídas” e acrescentou que o MP-SC “preza pela total transparência na divulgação de informações sobre remuneração de agentes públicos”.
Outros MPs com grande número de salários acima de R$ 100 mil (MT, MS e MA) foram procurados por meio das assessorias de imprensa, mas não deram retorno à solicitação de informações.
Os MPs do Pará, Rio Grande do Norte, Tocantins, Amazonas, Alagoas, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo tiveram dez ou menos salários acima de R$ 100 mil pagos entre janeiro e maio.
Já os MPs do Paraná, Ceará, Roraima, Amapá, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul não tiveram nenhum salário acima de R$ 100 mil nos cinco primeiros meses do ano. No RJ, embora nenhum salário chegue aos seis dígitos, em maio, 95 salários foram superiores a R$ 90 mil.
A reportagem não conseguiu acessar a folha de pagamento de Sergipe. Ao clicar no link, aparece um erro, e as planilhas não abrem. A assessoria não respondeu ao pedido de informação.
MPUs não expõem remuneração bruta total
Uma prática recorrente nos três MPs de incumbência da União é deixar de incluir nos rendimentos brutos dos promotores e dos procuradores as verbas indenizatórias (auxílios diversos, como saúde, creche e alimentação) e remunerações temporárias (remunerações retroativas ou abonos pecuniários).
No MPF, por exemplo, onde há 1.140 procuradores, quando se analisa a folha de pagamentos, atentando-se apenas à remuneração bruta total, a conclusão é que houve apenas dois pagamentos superiores a R$ 100 mil de janeiro a maio. Porém, quando se incluem as verbas indenizatórias e as remunerações temporárias no cálculo, o número de pagamentos na casa dos R$ 100 mil salta para 47, sendo 31 em janeiro. Em fevereiro, são seis; em março, três; em abril, sete; em maio, um salário passa de R$ 100 mil.
Em abril, por exemplo, consta que uma procuradora recebeu bruto R$ 35 mil. Porém, quando se consideram as outras verbas indenizatórias, observa-se que os vencimentos brutos passaram de R$ 148 mil. É que ela recebeu R$ 108 mil por conversão da licença-prêmio em pecúnia.
No mês de abril, por exemplo, a folha de pagamentos do MPF somou R$ 49,3 milhões. Verbas indenizatórias e verbas temporárias corresponderam a R$ 7 milhões.
A mesma situação ocorre no MPT, onde há oito salários na casa dos seis dígitos nos cinco primeiros meses do ano, e para calcular o valor que de fato foi recebido pelos membros é necessário somar as verbas indenizatórias e as remunerações temporárias.
No caso do MPDFT, a manobra também faz com que a remuneração “bruta” seja muito inferior ao que, de fato, os promotores e procuradores receberam. Abaixo os 20 maiores salários pagos em maio.
Em nota, o MPDFT informou que a não inclusão das verbas indenizatórias no salário bruto segue a tabela disponibilizada no Manual da Transparência do CNMP, e este, por sua vez, foi elaborado conforme a Resolução 89/2012 do CNMP, que regulamenta a Lei de Acesso à Informação nos MPs da União e dos Estados.
O MPF afirmou que todos os pagamentos efetivados pelo Ministério Público da União, ao qual estão sujeitos o MPT e o MPDFT, seguem estritamente a lei e os regramentos dispostos pelo CNMP, como a “Resolução CNMP nº 9, de 2006, que regulamenta o art. 37, XI da Constituição Federal e indica as verbas remuneratórias e indenizatórias que estão sujeitas ao teto remuneratório, bem como a forma de cálculo de sua incidência”.
Nos Estados, também há manobras nas planilhas
Nos MPs estaduais, apenas o Ceará deixa de incluir verbas — no caso, as verbas decorrentes de decisões judiciais — na remuneração bruta.
Nas planilhas do MP de Santa Catarina nem sequer existe uma coluna com a remuneração bruta, mas somente é informado o valor já descontado do IRRF e da contribuição previdenciária.
Os MPs de Tocantins, Paraíba e Pernambuco não incluem o 13º salário na folha de dezembro, o que obriga a pessoa que for fazer a consulta a abrir as duas tabelas e fazer a soma para saber o salário bruto.
A assessoria de imprensa do MP-CE disse que “as informações sobre os subsídios dos membros do MP contidas no Portal da Transparência seguem modelo estabelecido pelo Conselho Nacional do Ministério Público”.
Resposta semelhante forneceu a assessoria do MP-PB, afirmando que as planilhas seguem o padrão do CNMP e que “o 13º salário é pago em período diferente do mês de dezembro, e esse é o motivo de não constar na folha de pagamentos desse mês”.
O MP-SC restringiu-se a afirmar que no portal “existe, sim, uma coluna com a indicação de verba bruta recebida”.
O MP-TO não se manifestou.
Em dezembro, mais de 30 salários passaram dos R$ 400 mil
Em dezembro, os MPs estaduais e da União abriram as comportas: 2.068 salários acima de R$ 100 mil foram pagos apenas naquele mês, sendo a maior parte pelos três MPUs — 1.425, no total. O MPF pagou os salários acima de seis dígitos a 720 membros; o MPT, a 47 membros; e o MPDFT, a 278. Houve 31 pagamentos que superaram os R$ 400 mil.
Quanto ao salário de dezembro — em que 278 dos 364 membros receberam mais de R$ 100 mil, a assessoria do MPDFT informou que “esse pagamento é uma quitação de dívidas da União para com membros e servidores, tais como licenças-prêmio, abonos e indenizações de férias não usufruídas”. A nota diz, ainda, que “parte dessas dívidas é antiga e foi reconhecida por decisões judiciais, que determinaram a respectiva quitação”. E conclui: “Referem-se, portanto, a direitos previstos em lei, reconhecidos e disciplinados pelos órgãos superiores e de controle, caso do CNMP. Todos os valores pagos aos membros atendem os princípios da legalidade e da transparência.”
Nos MPEs, os salários de mais de R$ 100 mil em dezembro foram pagos a 643 membros, sendo em Mato Grosso do Sul (129), Mato Grosso (115) e Minas Gerais (101).
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