Moraes mantém veto a contato entre investigados por meio de advogados

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes manteve a decisão que proíbe a comunicação entre os investigados da Operação Tempus Veritatis, deflagrada pela Polícia Federal no último dia 8. Na determinação que veda a comunicação entre os suspeitos de tentar um golpe de Estado, o ministro manteve também a ressalva de que ela não poderá ocorrer “inclusive através de advogados”.

A manifestação de Moraes ocorreu em resposta a uma petição apresentada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que viu ameaça de restrição ao exercício da profissão. A menção à proibição de comunicação “através” de advogados motivou a solicitação da OAB.

Em resposta ao pedido protocolado pela entidade, o ministro do STF afirmou que “diversamente do alegado pelo Conselho Federal da OAB, em momento algum houve proibição de comunicação entre advogados ou qualquer restrição ao exercício da essencial e imprescindível atividade da advocacia para a consecução efetiva do devido processo legal e da ampla defesa”.

O ministro argumenta que não proibiu comunicação entre as defesas, mas que advogados sejam usados para que os investigados troquem informações ou combinem versões. A medida costuma ser padrão em investigações criminais para evitar, por exemplo, tentativas de obstruir o trabalho da polícia. “Em momento algum houve qualquer vedação de comunicação entre os advogados e seus clientes ou entre os diversos advogados dos investigados”, afirmou Moraes no seu despacho.

Na decisão de agora, o ministro destacou que “os investigados não poderão comunicar-se entre si, seja pessoalmente, seja por telefone, e-mail, cartas ou qualquer outro método, inclusive estando vedada a comunicação dos investigados realizada por intermédio de terceira pessoa, sejam familiares, amigos ou advogados, para que não haja indevida interferência no processo investigativo”. Segundo ele, a medida é necessária para evitar combinação de versões e inibir “possíveis influências indevidas no ânimo de testemunhas e de outras pessoas que possam colaborar com o esclarecimento dos fatos”.

Na petição apresentada no dia 9 último, a OAB interpretou que Moraes estaria restringindo direitos da categoria e pediu que a proibição de comunicação entre os alvos da investigação “não seja extensiva aos patronos (advogados) constituídos para representação dos clientes investigados, de modo a garantir o direito à liberdade do exercício profissional e o direito à comunicação resguardado constitucionalmente”.

‘Prerrogativas’

Em nota divulgada nesta sexta-feira, 16, a Ordem celebrou a resposta de Moraes, afirmando que o ministro decidiu “que não há proibição ou limite para as comunicações entre advogados de investigados em operações da Polícia Federal”.

O presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, afirmou, no comunicado, que a decisão do ministro é uma “vitória da advocacia” e afasta qualquer interpretação divergente, reforçando as prerrogativas da categoria. “Não se pode confundir o advogado com seus clientes e o texto original permitia que algumas pessoas tivessem essa interpretação. Agora, após atuação da Ordem, fica esclarecido que não há essa limitação, de acordo com o que dizem a lei e as prerrogativas”.

Para o ex-secretário de Justiça de São Paulo Belisário dos Santos Júnior, “a questão ficou esclarecida”. “Mas foi decisiva a ação do Conselho Federal da Ordem, porque não pode ficar no ar esse mal-entendido de que advogados não podem se falar, o que é um absurdo. O ministro Alexandre de Moraes saiu dessa saia-justa dizendo que nunca havia proibido o contato entre os advogados e deu a interpretação que a classe queria ouvir.”

Já Miguel Pereira Neto, especialista em Direito Criminal e conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), avaliou que “a decisão afronta a liberdade da advocacia”. “Pois não deveria vedar a comunicação dos advogados com os investigados ou com qualquer outra pessoa. É essencial ao pleno exercício da ampla defesa a preservação das prerrogativas da advocacia. Somente dessa forma restará garantida uma investigação válida, eficaz e justa”, afirmou Pereira Neto.

Recurso

Nesta semana, a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro pediu a Moraes que reconsidere a decisão que o proibiu de manter contato com Valdemar Costa Neto, o presidente nacional do PL – seu partido -, no inquérito que apura suposta tentativa de golpe.

Os advogados de Bolsonaro alegam que ele é o principal cabo eleitoral da legenda e que a restrição prejudica as articulações para as eleições municipais de 2024. O documento afirma que a decisão de Moraes “compromete não apenas a atividade político-partidária, mas também a essência do debate democrático”.

O criminalista Marcelo Bessa, que coordenava a defesa de Bolsonaro em outras investigações no Supremo, renunciou na quinta-feira aos processos envolvendo o ex-presidente da República. Procurado pela reportagem, ele informou que não comentaria a saída.

O advogado atuava em inquéritos como o das milícias digitais, das fake news sobre vacinação e sobre o vazamento de dados de ataque hacker aos sistemas da Justiça Eleitoral. Ele será substituído pela advogada Luciana Lauria Lopes.

Bessa também representa Valdemar Costa Neto e permanecerá na defesa do presidente nacional do PL. A decisão de deixar os processos de Bolsonaro estaria relacionada ao impedimento imposto por Moraes no inquérito que investiga suspeita de trama para uma tentativa de golpe no País.

Impedimento

A defesa do ex-presidente também questiona a atuação de Moraes. Os advogados pediram que o inquérito seja redistribuído e que as decisões tomadas pelo ministro sejam anuladas por falta de imparcialidade do magistrado.

A Polícia Federal descobriu que Moraes foi monitorado clandestinamente e que aliados próximos de Bolsonaro suspeitos de envolvimento na conspiração golpista planejavam a prisão do ministro.

A chance de o recurso da defesa de Bolsonaro prosperar é pequena O Supremo já validou a atuação de ministros em situações semelhantes, como no caso do ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ).

Deu no Jornal Estado de São Paulo

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