Vitória total de Trump impõe duro recado a Lula e à esquerda brasileira 

Presidente Lula| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

 

A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos da América (EUA) movimentou nesta quarta-feira (6) auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em diversas áreas do governo. O resultado foi encarado com preocupação por esses aliados, que veem a possibilidade das eleições americanas exercerem um reflexo sobre a política brasileira negativo para o governo Lula.

A manifestação de Lula sobre a vitória de Trump foi publicada na rede social X.  “Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória eleitoral e retorno à presidência dos Estados Unidos. A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada. O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos mais paz, desenvolvimento e prosperidade. Desejo sorte e sucesso ao novo governo”, afirmou Lula.

Não há expectativa de que o petista faça qualquer contato com o republicano neste momento. A declaração de Lula ocorre dias depois de ele ter defendido publicamente que apoiava a agora candidata derrotada Kamala Harris. Na ocasião, o presidente brasileiro não poupou críticas a Trump.

“Nós vimos o que foi o presidente [Donald] Trump no final do seu mandato, ou seja, fazendo aquele ataque ao Capitólio. Uma coisa que era impensável acontecer nos Estados Unidos”, disse Lula em entrevista à emissora francesa TF1+.

Para André Cesar, analista político da Hold Assessoria, a vitória de Trump logo após a declaração de Lula amplia o sentimento de derrota para o presidente brasileiro e da esquerda como um todo. Segundo ele, esse resultado vem logo após as diversas derrotas que os seus aliados tiveram nas eleições municipais deste ano. O PT conseguiu eleger apenas 252 prefeitos, ficando em nono lugar no ranking de vitórias por partido.

“O governo Lula perdeu espaço e a partir de agora vai ter que jogar um outro jogo, mas eu não vejo margem para uma mudança de posição da esquerda brasileira”, afirmou o analista.

Crescimento da direita nos EUA pode influenciar na estratégia de Lula

A vitória de Trump foi confirmada após ele obter pelo menos 277 votos do Colégio Eleitoral, de um total necessário de 270 para garantir a vitória. Além disso, o republicano também aparecia com cerca de 5 milhões de eleitores a mais do que a sua oponente no voto popular na manhã desta quarta-feira (6).

Os números da apuração mostravam Trump com mais de 70, 9 milhões de votos, o que representava cerca de 51% do total. Já Kamala Harris aparecia com cerca de 66 milhões (47,5%).

O Partido Republicano deve ficar com a presidência, a maioria no Senado, possivelmente também na Câmara Baixa, equivalente à Câmara dos Deputados do Brasil, e uma sólida maioria na Suprema Corte. Isso não ocorria desde o final dos anos 60. Essa maioria pode permitir aos republicanos realizar amplas reformas conservadoras no país. No Senado dos EUA, o partido Republicano tem duas cadeiras a mais que os Democratas e a diferença ainda pode aumentar.

A definição da maioria na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos pode demorar um pouco ainda. Mas tudo indica que a onda que elegeu Trump e deu o Senado aos republicanos deve também gerar uma maioria na Câmara.

Aliados de Lula admitem que comissões da Câmara e do Senado dos EUA podem ser usadas para dar holofotes a questionamentos à democracia brasileira, à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e à inelegibilidade de Jair Bolsonaro. Na mesma linha, o professor e cientista político Antônio Testa acredita que essa maioria vai dar condições para que os Estados Unidos cobrem ações mais incisivas sobre as denúncias apresentadas pelos opositores no Brasil.

“[Os republicanos] terão condições de pressionar o Parlamento americano e o Executivo americano para tomar medidas mais incisivas. Eles poderão cobrar justiça no sistema eleitoral brasileiro e no sistema judiciário, que hoje é totalmente coordenado por um só personagem, que é o ministro Alexandre de Moraes”, avaliou o cientista político.

Brasil deve sentir o reflexo da perda de força das pautas identitárias

Na avaliação dos analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o principal recado que a vitória de Trump passa para o presidente Lula é de que as pautas identitárias perderam força em todo o mundo. Segundo o professor Antônio Testa, esse movimento acontece em diversas partes do planeta, inclusive no Brasil.

“O Trump também vai fazer uma pressão enorme agora nessa guerra de narrativas. Vimos que as questões que foram colocadas pela Kamala, como no caso do aborto, das mulheres e das ideologias, não geraram muito interesse na sociedade americana e que há outras agendas consideradas mais importantes e que foram mais bem exploradas pelo Trump”, disse Testa. Entre essas agendas estão as questões econômica, de impostos e de imigração.

Aliado do presidente Lula, o deputado André Janones (Avante-MG) admitiu o crescimento da direita e reconheceu as dificuldades de comunicação da esquerda. “Cansei de dar murro em ponta de faca. A esquerda insiste em negar a realidade sobre o avanço da extrema direita e o poder de comunicação que eles dominam — mas não é falta de conhecimento, é soberba pura, uma utopia que ignora o chão que o povo pisa”, escreveu na rede social X.

Para o analista político Fidelis Fantin, especialista em Economia Política, Defesa e coordenação de tramitação de leis no Congresso, esse movimento da direita deve extrapolar para outros lugares do mundo. “É o que chamamos de ganhar de lavada. Os eleitores americanos perceberam, e isso pode extrapolar para o resto do mundo, que é preciso valorizar a garantir a liberdade e evitar essas pautas de ideologias”, explicou Fantin.

Ainda segundo Fantin, esse movimento dos EUA gera um fator psicológico internacionalmente. “A direita também tem algumas ideologias e isso pode ser criticado dos dois lados. Mas há muitas ideologias da esquerda com potencial de gerar ditaduras, então quando temos um movimento de defesa da liberdade e de uma economia de mercado, como houve nos Estados Unidos, isso gera uma espécie de efeito demonstração para o resto do mundo”, completa.

O economista e analista de mercado Rui São Pedro concorda que há uma tendência de fortalecimento internacional da direita. “É um indicativo muito forte e reforça a presença da direita no poder no mundo, reforça a direita brasileira. Isso vem em uma crescente, com a eleição do Javier Milei na Argentina, agora a volta de Trump ao poder. Uma luz de alerta se acende, acrescida com a perda de espaço dos partidos de esquerda nas eleições municipais no Brasil neste ano”, disse.

Deu na Gazeta do Povo

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