Em meio a um recrudescimento da repressão, que não se limita a candidatos, lideranças e colaboradores da oposição, a Assembleia Nacional da Venezuela (o Parlamento do país), controlada pelo governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e aliados, suspendeu o recesso parlamentar para discutir a partir desta terça-feira um projeto de lei sobre regulação de redes sociais. A iniciativa acontece dias depois de o presidente Nicolás Maduro ter anunciado a suspensão do X, em princípio por dez dias, e ter pedido aos venezuelanos que desinstalem de seus celulares o aplicativo de mensagens WhatsApp.
A ofensiva do governo contra os principais ferramentais em mãos da oposição para fazer campanha e comunicar-se com seus seguidores foi considerada por jornalistas, dirigentes e colaboradores da oposição como uma “tentativa de transformar a Venezuela numa Coreia do Norte do Caribe”. O projeto, que integra um pacote de medidas, foi anunciado pelo presidente da AN, Jorge Rodríguez, que disse estar atendendo a uma demanda pessoal de Maduro para “acabar com a ditadura das redes sociais”.
Vamos nos dedicar à tarefa nesta sessão de aprovar um pacote de leis que o senhor solicitou para defender nossa população do ódio, das expressões de ódio social, do terrorismo e da disseminação de ideias fascistas e de ódio nas redes sociais — disse Rodríguez, dirigindo-se ao presidente.
Controle das ONGs
No mesmo pacote que será debatido — e provavelmente aprovado — hoje, está incluído uma antiga iniciativa para limitar a ação de organizações não governamentais no país, e outro que propõe multas de até US$ 100 mil para empresas, organizações ou meios de comunicação que financiem atividades ou divulguem informações que “incitem o fascismo”, termo frequentemente usado pelo governo para se referir à oposição. Desde 2017, o governo de Maduro conta com uma lei contra o ódio, usada para perseguir opositores, que estabelece penas de até 20 anos de prisão. A maioria dos mais de 300 presos políticos é acusada de delitos com base nessa legislação.
No caso das ONGs, o novo pacote de medidas visa “restringir, principalmente, as organizações de defesa dos direitos humanos”, explica o jornalista Vladimir Villegas, um dos que continua na Venezuela enfrentando o que chama de “ambiente consolidado de autocensura”.
— O que estamos vendo é uma resposta do governo ao enorme impacto que tiveram as redes sociais na campanha eleitoral. Com todos os meios de comunicação do seu lado, e também usando intensamente as redes, o governo perdeu, porque o povo virou as costas para Maduro — afirma Villegas, que já foi embaixador da Venezuela no Brasil. — Maduro está reprimindo e buscando aumentar o controle dos que antes votavam nele, mas não votam mais.
Sem acesso a meios de comunicação, em sua grande maioria em mãos de empresários vinculados ao governo de Maduro, a oposição depende exclusivamente de redes como Instagram, X, TikTok e Facebook para se comunicar com seus seguidores.
Nos últimos dias, comenta Ramón José Medina, dirigente opositor próximo do candidato presidencial Edmundo González, “muitas pessoas estão aprendendo a instalar um VPN, para não ficarem na escuridão absoluta”.
— Sem redes sociais ficaremos sem braços, sem nos comunicar com a população.
Força da diáspora
Depois dos ataques de Maduro ao aplicativo de mensagens WhatsApp, membros da oposição começaram a usar esta ferramenta com mais cautela. Em muitos casos, quando assunto é delicado, acrescentou Medina, “usamos outros aplicativos, como Signal”.
— Sem Instagram ou outras redes vamos virar uma Coreia do Norte do Caribe.
Nesta nova fase de luta da oposição contra o governo, que tem como principal objetivo pressionar para que o Palácio Miraflores aceite uma negociação sobre o resultado da eleição, uma lei que limite o uso das redes sociais obrigará os opositores a buscarem alternativas. Uma das que já está sendo promovida por dirigentes fora do país como David Smolansky, coordenador adjunto da campanha de González em Washington, é o VPN TunnelBear, que tornou seu serviço gratuito para venezuelanos que estejam dentro de seu país.
— Não podemos normalizar este tipo de censura, mas temos de buscar soluções — diz Smolansky. — O presidente percebeu a importância da diáspora venezuelana, porque entendeu que muitas pessoas que estão dentro do país ficam sabendo de coisas graças aos que estão fora, por isso o ataque ao WhatsApp. Nosso papel é fundamental para combater a censura.
Desde que o órgão eleitoral anunciou a reeleição de Maduro, na noite de 28 de julho, a oposição mergulhou nas redes para denunciar uma fraude. Desde então, são comuns hashtags como “VenezuelaLivre” e a expressão “AtéOFim”, mantra da líder opositora María Corina Machado.
Deu em O Globo