A rua dos Protestantes, local com a maior concentração de usuários e traficantes de drogas no centro de São Paulo, apresenta cavaletes e grades de ferro em parte de sua extensão desde a segunda-feira, 18. Agora, a via destina uma faixa de rolamento aos usuários e outra para circulação de veículos – antes ela era totalmente tomada pelo chamado “fluxo” da Cracolândia.
A Prefeitura de São Paulo informa que criou um espaço da saúde em parte da rua para dar melhores condições de atendimento, sobretudo às pessoas mais vulneráveis dentro do fluxo. “O objetivo é favorecer o trabalho dos agentes de saúde e assistência social, garantir maior segurança aos agentes e facilitar o trânsito de veículos das equipes”, informou a Secretaria Executiva de Projetos Estratégicos.
O Estadão encontrou um clima tenso na tarde desta quinta-feira, 20. Confrontos e brigas entre os próprios usuários foram reprimidos pelos agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) com sprays de pimenta.
Além disso, os policiais revistaram alguns usuários que circulam pela rua com bolsas e mochilas. O Estadão flagrou um dos agentes questionando o uso de um carrinho de supermercado por um pedestre. Mesmo com a liberação da via, poucos carros se arriscaram a percorrê-la.
Grades também foram usadas pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) para cercar a praça da Sé em abril do ano passado. Ao Estadão, o subprefeito da Sé, o coronel Alvaro Camilo, afirmou à época que se tratava de uma ação de segurança e zeladoria para combater a “desordem urbana” e proteger o patrimônio público.
A colocação de grades pode provocar um espalhamento dos usuários pelas ruas próximas, de acordo com os moradores. O Estadão flagrou pelo menos dois grupos de quatro ou cinco usuários nas imediações da rua General Osório e na rua Gusmões. Na terça-feira, 18, foram contabilizadas 242 pessoas na região, a menor concentração desde o dia 30 de janeiro.
Sucessivas dispersões de usuários de drogas vêm acontecendo na região central nos últimos anos. Durante décadas, os usuários ocuparam as proximidades da estação Julio Prestes e, em seguida, se deslocaram para a praça Princesa Isabel, que foi transformada em parque pela Prefeitura.
Após uma grande operação policial, a região foi esvaziada e o fluxo se espalhou por 11 pontos da região central. Durante meses, esteve nas proximidades da rua Santa Ifigênia, o que gerou conflitos com comerciantes da rua de eletroeletrônicos.
O governo de São Paulo nega participação na colocação das grades. “Esse tipo de medida é realizada pela GCM e pela zeladoria. O governo de São Paulo atua também para revitalizar o centro de São Paulo e consequentemente reforçar a sensação de segurança dos moradores e frequentadores da região. Há ainda ações de saúde, em parceria com o município, com a atuação dos profissionais do Hub de Cuidados de Crack e outras drogas.”
Sucessivos espalhamentos
Movimentos sociais ligados aos usuários afirmam que a repressão aumentou na região nos últimos meses. Não é mais permitida a abertura de barracas de camping – segundo a polícia, elas são usadas para esconder o tráfico de drogas.
Esse recrudescimento da vigilância também é apontado pelos moradores da região central. Dois deles, em pontos distintos das proximidades da rua dos Protestantes, relataram a presença de drones ao longo do dia. Os equipamentos são usados normalmente para a contagem dos usuários na cena aberta de uso.
O Estadão apurou que eles também são usados para captar imagens de usuários que são comparadas com bancos de dados da Polícia Civil. Aqueles que estão descumprindo medidas judiciais, como progressão de pena ou espera de julgamento em liberdade, são presos. De acordo com dados do governo estadual, 60% dos frequentadores da cena aberta de uso estão descumprindo determinações judiciais.
A presença dos drones, inclusive, modifica a dinâmica do fluxo. Quando eles estão no ar – é possível perceber a presença por meio de um zumbido característico –, os usuários gritam “olha o drone” e alguns cobrem a cabeça com as blusas, para dificultar a produção de imagens.
A chegada de novos usuários tem desafiado os poderes municipal e estadual. Dos 28,8 mil atendimentos realizados ao longo do último ano no Hub de Cuidados em Crack e outros Drogas, centro de atendimento, triagem e direcionamento de dependentes químicos, 54% declararam frequentar as cenas abertas de uso há menos de um mês.
Deu no Estadão