Milhares de pessoas se reuniram em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista, a partir das 15h deste sábado, 15, para protestar contra o projeto de lei que equipara o aborto legal ao crime de homicídio quando o procedimento é feito acima de 22 semanas de gestação. O projeto teve tramitação de urgência aprovada pela Câmara dos Deputados nesta semana. O ato fechou todas as faixas da avenida no sentido Consolação na altura do Masp por pelo menos três quarteirões.
Entre os principais alvos da manifestação estavam os deputados federais Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do PL, e Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, responsável por conduzir a votação da tramitação de urgência, que ocorreu em apenas 23 segundos. Os principais lemas entoados pelos manifestantes foram “Criança não é mãe” e “Estuprador não é pai”.
Especialistas têm declarado que, caso o projeto de lei seja aprovado, as principais prejudicadas serão meninas pobres que sofrem abuso de familiares ou conhecidos e demoram até descobrir a gestação e conseguir chegar até um serviço de interrupção legal da gravidez – elas seriam obrigadas a manter a gravidez caso procurassem o serviço após as 22 semanas de gestação.
A manifestação, convocada por um grupo de 60 entidades, começou a andar no sentido Consolação por volta de 16h15. Sem trio elétrico, os organizadores puxaram o ato a partir de microfones e com ajuda de uma batucada. Ao longo da caminhada, que terminou três horas depois na Praça Roosevelt, foram recorrentes repetições dos lemas dos cartazes e gritos de “Fora, Lira” e “Não ao PL 1904″.
Enquanto estavam na Avenida Paulista, além das faixas sentido Consolação, manifestantes começaram a ocupar, por volta das 16 horas, duas das quatro faixas do sentido Paraíso. O movimento causou desentendimento com alguns motoristas. Em caso presenciado pela reportagem, uma manifestante chegou a dar um chute em um dos carros após bate-boca. Apesar do pequeno desentendimento, o clima geral da manifestação permanecia tranquilo.
Nesse primeiro momento, não havia presença de policiais militares ou agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) fazendo o controle de carros. Policiais só começaram a fazer cordões de segurança cerca de dez minutos depois da confusão. Os manifestantes pediam o fechamento dos dois sentidos da Paulista. Pouco antes de 17h, os manifestantes começaram a descer a Rua Augusta.
A manifestação mobilizou pessoas de diferentes regiões da capital e Grande SP. “Eu não podia deixar de estar aqui”, disse a psicóloga Maria José Rodrigues, de 65 anos. Logo após atender o último paciente do dia, ela saiu de Guarulhos, na região metropolitana, só para acompanhar o ato. Levou uma hora e meia para chegar.
“Para mim, a temática central de hoje é o ‘Fora, Lira’. E o principal é a conscientização das pessoas, porque política não é religião, a gente tem que ser um País laico”, disse. “Sou contra essa arbitrariedade que estão querendo impor.”
Já a advogada Roberta Gomes, de 41 anos, saiu de Vila Maria, na zona norte, para acompanhar o ato. “É um absurdo a gente ter que lutar pelo básico do básico, que é algo inclusive que vai na contramão de outros países”, frisou.
No caso da bancária Mônica Rodrigues, de 44 anos, esse já foi o segundo ato que ela participa na semana para protestar contra o projeto de lei. Antes, esteve em outra manifestação na Avenida Paulista, ocorrida na última quinta-feira, 13, também no fim da tarde.
“Quantas vezes mais tiver eu vou vir. É preciso ter unidade contra esse PL absurdo”, disse. O ato foi composto principalmente por mulheres, mas houve também presença maciça de homens.
Uma queixa recorrente foi que, apesar da grande adesão, as autoridades não fecharam a Avenida Paulista nos dois sentidos durante o ato. Em alguns momentos da descida da Rua Augusta, eram os próprios manifestantes que fechavam o movimento das travessas. “Foi um ato muito orgânico, não foi premeditado, mas poderia ter tido um espaço maior”, disse Mônica.
Após percorrer parte da Avenida Paulista e descer a Rua Augusta, o ato se encerrou por volta de 18h na Praça Roosevelt. Ainda não há estimativa de público total. A reportagem aguardo retorno de Polícia Militar, Secretaria da Segurança Pública (SSP) e Prefeitura.
No Brasil, o aborto é permitido em três situações: gravidez resultante de estupro, risco de vida à mulher ou anencefalia fetal. O projeto de lei propõe alterar o Código Penal e estabelece pena de 6 a 20 anos de prisão para a mulher que interromper uma gestação com mais de 22 semanas, mesmo nos casos em que o procedimento é permitido.
Outras cidades também têm atos ocorrendo em razão do PL 1904. Capitais como Fortaleza, Natal e João Pessoa também realizaram protestos na tarde deste sábado. Em Belo Horizonte, a manifestação ocorreu na noite desta sexta-feira, 14, na Praça Sete, no centro da capital mineira. Um ato também deve ser realizado ao longo dos próximos dias na Cinelândia, no Rio de Janeiro.
Deu no Estadão