A língua sem freio de Lula voltou a atacar no encerramento de sua viagem à África – mas antes se tratasse apenas das boquirrotices habituais do presidente da República sobre assuntos como economia, por exemplo. Desta vez, Lula foi muito além do aceitável, e em duas breves frases ditas no domingo, em entrevista coletiva realizada na Etiópia, onde participou da abertura da 37.ª Cúpula da União Africana, deixou muito claro que está incondicionalmente alinhado com o que existe de pior no mundo em termos de autoritarismo e uso do terror contra uma população.
Ao comentar a morte de Alexei Navalny, ocorrida na sexta-feira, criticou a “pressa” dos que rapidamente atribuíram ao autocrata russo Vladimir Putin a responsabilidade pelo falecimento do seu principal opositor – o que incluiu praticamente todo o mundo livre. “Temos de primeiro fazer uma investigação para saber do que o cidadão morreu. (…) Para que essa pressa de acusar alguém?”, questionou o petista, que, para citar um caso recente, não esperou a investigação da Polícia Federal para chamar os envolvidos no empurra-empurra do aeroporto de Roma de “canalhas” e “animais selvagens” que “não merecem respeito”.
Aquilo que Lula chamou de “interesses” da parte de quem afirmou haver o dedo de Putin na morte de Navalny, no entanto, não tem nada de precipitação. Afinal, é inegável que o líder opositor já havia sofrido uma tentativa de envenenamento em 2020 com o uso de uma arma química que, segundo especialistas, só está disponível a agentes estatais – outros adversários de Putin foram atacados ou mortos com métodos semelhantes –, e as autoridades russas abortaram as investigações ainda na fase premilinar. Navalny estava em uma prisão remotíssima, e o governo russo se recusa a entregar o corpo para uma autópsia independente. Mesmo na hipótese de a causa imediata da morte de Navalny ser mesmo um mal súbito, e não uma ação letal direta como um novo envenenamento, não haveria como negar a influência de sua precária condição de saúde, consequência dos confinamentos e das tentativas anteriores de eliminá-lo.
Ainda mais abjeta, no entanto, foi a afirmação de Lula sobre a contraofensiva israelense em resposta aos ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro do ano passado. Depois de criticar a reação de vários países do Ocidente que reduziram ou cortaram seu financiamento à Agência das Nações Unidas para Refugiados Palestinos (UNRWA), após a notícia de que alguns funcionários da agência teriam colaborado com o ataque terrorista, Lula comparou a reação israelense ao nazismo alemão. “O que está acontecendo na Faixa de Gaza não existe em nenhum outro momento histórico – aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”, afirmou o presidente brasileiro.
O repúdio imediato que a declaração despertou – do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a lideranças políticas brasileiras e a praticamente toda a comunidade judaica nacionais, inclusive da parte que apoiou Lula em 2022 – foi até comedida perto do absurdo da comparação. É perfeitamente possível defender uma solução de dois Estados, considerar que a resposta israelense tem usado meios desproporcionais em sua busca por eliminar o Hamas e resgatar os reféns, ou até mesmo dizer que Israel está cometendo crimes de guerra em Gaza; mas não existe a mínima base histórica ou moral para comparar a contraofensiva à “solução final” do Holocausto, que foi um plano deliberado para exterminar toda uma população inocente simplesmente por sua origem étnica. Quem está próximo do nazismo não é Israel, mas o Hamas, que se nega a aceitar a existência do Estado de Israel e prega sua destruição – o grupo terrorista palestino, aliás, parabenizou Lula pelas declarações na Etiópia.
E, para não deixar dúvidas de que o antissemitismo está definitivamente impregnado no DNA petista – algo de que já se suspeitava fortemente, especialmente depois de José Genoino defender boicote a empresas com donos judeus –, os petistas e seus aliados, em vez de reconhecer o absurdo lulista, dobraram a aposta. O chefão do MST, João Pedro Stédile; o ministro Paulo Pimenta e a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann; e o chanceler de facto Celso Amorim endossaram as afirmações de Lula. O Itamaraty e aquele que, no papel, comanda a diplomacia brasileira, o ministro Mauro Vieira, andam tão ausentes (o máximo que Vieira fez foi pedir uma reunião com o embaixador israelense em Brasília) que foi Amorim quem adiantou que não haverá retratação pelas palavras de Lula.
A essa altura, não há gerenciamento de crise ou contenção de danos capaz de convencer o mundo livre de que o Brasil é um interlocutor confiável ou um mediador imparcial. Hoje, não somos nem sequer capazes de estar em uma mesa de negociações com russos e ucranianos, ou israelenses e palestinos, quanto mais tomar a iniciativa de buscar um entendimento entre eles. Lula escolheu seu lado, está sendo festejado por isso por seus aliados, e mostrou mais uma vez o nível de degeneração moral que consegue atingir quando se trata de proteger os amigos ou fustigar desafetos. O 18 de fevereiro de 2024 tem tudo para entrar na história da diplomacia brasileira como o seu “dia de infâmia”.
Deu na Gazeta do Povo