Tribunal de Justiça do RN gasta mais de R$ 28 milhões apenas com a compra de férias de juízes e desembargadores do Estado

 

Em quatro anos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) gastou R$ 28,2 milhões em pagamentos a juízes e desembargadores somente por indenização de férias não usufruídas, ou seja, por férias que os magistrados não gozaram e preferiram receber por elas. Os números estão no levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável por divulgação das planilhas enviadas pelos tribunais brasileiros. Os valores, somados aos salários da magistratura, chegam a ultrapassar o teto constitucional do funcionalismo, cujo valor não pode exceder R$ 39,2 mil.  O pagamento não é ilegal.

No ranking dos estados nordestinos, o Rio Grande do Norte foi o segundo que mais pagou por férias não gozadas, apesar de ser o sexto em quantidade de juízes, de acordo com o Perfil Sociodemográfico dos Magistrados Brasileiros – 2018, elaborado pelo CNJ. Foram pagos R$ 28.258.848,958 aos magistrados que atuam no estado, ficando atrás apenas do estado da Bahia, cujo custo foi de R$ 63.219.450,7. Para se ter uma ideia, a Bahia é o estado com maior número de magistrados segundo o documento de 2018 do CNJ.
O Tribunal de Justiça do Estado informou por meio de sua assessoria de imprensa que  “a conversão  das férias em pecúnia é  disciplinada e fiscalizada pelo Conselho Nacional de Justiça. Todos os dados relativos a pagamentos a magistrados e servidores estão disponibilizados à sociedade pelo Portal da Transparência”.
Vale salientar que o pagamento de férias não ocorreu todos os meses, nem com todos os juízes. Na lista disponibilizada no site do CNJ, a partir de dados do Portal da Transparência do TJRN, aparecem 258 nomes entre juízes (substitutos, de 1ª, 2ª, 3ª entrância) e desembargadores potiguares, com os respectivos valores da remuneração, acréscimos de benefícios e complementos, diárias e descontos entre 2017 e setembro de 2021.
Nem todos os magistrados aparecem na lista desde 2017, assim como também nem todos estão presentes em 2021, porém, a maioria já vendeu férias em algum momento no curso de tempo analisado e, dentre estes, quase todos o fizeram mais de uma vez, inclusive no mesmo ano.
Ao longo do período, as maiores indenizações de férias não usufruídas foram pagas a desembargadores, que detém, proporcionalmente, os maiores salários entre os magistrados. A média fica em torno dos R$ 300 mil acumulados no período somente por férias pagas. Mas os valores dessas indenizações também chegam a alguns juízes de de primeiro grau, que alcançaram essa média, quando somadas desde 2017. A lista pode ser consultada no site do CNJ (https://paineis.cnj.jus.br/index.htm), no link PainelCNJ.qvw, aba “Direitos Eventuais”.
Procurada para se manifestar sobre o assunto, a Associação de Magistrados do Rio Grande do Norte (Amarn), que pode responder pelos direitos da categoria não se pronunciou sobre o assunto. A assessoria de imprensa da entidade informou que o juiz Andreo Marques, que preside a associação, está de licença paternidade e deve retornar no próximo dia  10 de novembro. A entidade não indicou outro representante para se pronunciar. Os pagamentos para juízes, assim como para promotores e procuradores de justiça, estão na mira da reforma administrativa que tramita no Congresso Nacional.
Apesar de não haver ilegalidade, este comportamento no judiciário levanta questionamentos sobre a necessidade dos magistrados disporem do dobro de férias que a maioria dos trabalhadores têm direito, uma vez que acabam não gozando do tempo que lhes é concedido. O TJRN também informou que a necessidade de 60 dias de férias está sendo discutida no âmbito Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal e que o cálculo é feito a partir do valor do subsídio do magistrado e fiscalizado pelo Conselho Nacional de Justiça, que não solicitou nenhum pedido de restituição àqueles que venderam férias.
Acima de R$ 100 mil
Os valores pagos em férias não usufruídas são uma parte dos rendimentos a que os juízes têm direito ao longo do ano. A remuneração básica desses servidores já é, por si, mais elevada do que a maior parte do funcionalismo. Os salários deles seguem um escalonamento de acordo com o grau de atuação.
Em início de carreira o magistrado assume a função de juiz substituto na justiça potiguar com um salário de R$ 28.884,25, que é equivalente a mais de 26 salários mínimos atuais. O salário mínimo é a remuneração mensal de 34,4% da população brasileira que trabalha formalmente, segundo estudo da Consultoria IDados com base na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE.
Ao serem promovidos à primeira entrância, a remuneração base sobe para R$ 30.404,47 e depois para R$ 32.004,71 na segunda entrância. Ao chegar na terceira entrância, o salário é de R$ 33.689,16 e, aqueles que se tornam desembargadores, recebem um salário bruto de R$ 35.462,28.
Porém, é comum que esses rendimentos sejam acrescidos por direitos pessoais e eventuais, além de diárias e indenizações que eventualmente levam os rendimentos mensais a superar os R$ 100 mil.
No mesmo documento divulgado pelo CNJ é possível observar que 98 magistrados entre todas as entrâncias receberam acima desse valor mensal pelo menos uma vez entre 2017 e 2021, com casos em que isso se repetiu em mais de um ano, todos os anos ou até mais de uma vez no mesmo ano.
Novembro de 2018 foi o mês em que os rendimentos totais mais superaram a faixa dos R$ 100 mil com caso de R$ 163.117,37 para um deles num único mês.
“Remuneração adicional”, diz Contas Abertas
O  diretor Executivo da Associação Contas Abertas, economista Gil Castelo Branco, criticou o direito a 60 dias de férias dos juízes e mais ainda a venda de parte destas que é convertida em remuneração, considerando como imoral esses benefícios. “Ao meu ver, são dois absurdos tão legais quanto imorais. O primeiro, as férias de 60 dias. O segundo, a venda de parte das férias que acaba se constituindo numa remuneração adicional. Vale ressaltar que quem paga essas férias de 60 dias são os cidadãos, os contribuintes, inclusive os quase 14 milhões de desempregados e os 5 milhões de desalentados, que nem emprego procuram mais”, disse Gil Castello Branco.
Apesar da obrigatoriedade da divulgação de informações sobre os servidores e gastos dos órgãos públicos, Castelo Branco criticou a falta de clareza dos portais da transparência que dificulta o entendimento e a compreensão célere das informações divulgadas pelos portais da transparência dos órgãos públicos. “Muitas vezes não são divulgados nos portais de forma clara, não por acaso, mas talvez para não evidenciar esse privilégio absurdo que são as férias de 60 para uma parte de brasileiros, notadamente no judiciário, que goza de um privilégio que os outros não desfrutam”, frisou o economista.
Em todo o Brasil, os tribunais gastaram pelo menos R$ 2,42 bilhões de 2017 a  2021 pagamentos dessa indenização das férias aos magistrados. O valor  corresponde a quatro vezes o que o governo Federal cortou dos investimentos em pesquisas científicas (R$ 600 milhões).
Para resolver a questão que considera imoral, o diretor Executivo da Associação Contas Abertas sugere uma ampla reforma administrativa. “Deveria envolver necessariamente os três poderes, as férias de 60 dias e a permissão para venda destas deveria ser um dos primeiros privilégios a ser extinto”, disse ele. Além dos 60 dias de férias, em regra os juízes não trabalham durante o recesso forense. O período depende de cada tribunal e costuma durar cerca de 15 dias entre o final de dezembro e o início de janeiro.
O relator da reforma administrativa (PEC 32/20), deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA) tentou incluir o fim de benefícios de juízes e promotores, como as férias de 60 dias, na reforma, mas retirou essa proposta do seu parecer alegando durante votação na Câmara que seria inconstitucional. Procurado, o gabinete do deputado não retornou respostas à reportagem.
Deu na Tribuna do Norte

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