O Instituto Metrópole Digital da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (IMD/UFRN) iniciou, em outubro, estudo internacional voltado à área de ressonância magnética funcional, em parceria com as universidades de Coimbra (Portugal) e de São Paulo (USP). A pesquisa busca aprofundar o conhecimento sobre o funcionamento do cérebro humano, a partir de tecnologias de imagem de última geração.
Os experimentos do projeto serão realizados em uma máquina de ressonância magnética de ultra-alto campo, de sete teslas, a mais potente da América Latina e da Península Ibérica, instalada no Instituto de Radiologia (Inrad) do Hospital das Clínicas da USP. Com duração prevista de cinco anos, o trabalho é coordenado pelo professor André Peres, docente convidado do Programa de Pós-Graduação em Bioinformática (PPgBioinfo/IMD) e especialista na operação desse tipo de equipamento avançado.
A ressonância magnética funcional, ou fMRI (do inglês Functional Magnetic Resonance Imaging), é um exame de neuroimagem que mede e mapeia a atividade cerebral em tempo real. A tecnologia não capta diretamente os impulsos elétricos dos neurônios, mas sim as variações no fluxo sanguíneo do cérebro. Isso ocorre porque, quando uma região cerebral é ativada, ela consome mais oxigênio, fazendo com que o corpo aumente o fluxo de sangue oxigenado para essa área.
A ressonância, então, detecta essas mudanças por meio do chamado sinal BOLD (Blood Oxygen Level Dependent), que indica o nível de oxigênio no sangue. Com base nesse sinal, o exame cria mapas coloridos que mostram quais partes do cérebro estão mais ativas durante determinadas tarefas. Enquanto a ressonância magnética convencional mostra apenas a estrutura física do cérebro (ou de outros órgãos), a ressonância funcional revela o funcionamento do cérebro em ação, isto é, como ele trabalha.
Objetivos
Um dos objetivos da pesquisa é criar, ao longo dos próximos anos, um algoritmo de visão computacional bioinspirado. Trata-se de um sistema computacional projetado para imitar o modo como os seres vivos, especialmente o cérebro humano, processam informações visuais.
O termo “visão computacional” faz referência ao ramo da inteligência artificial que busca fazer com que máquinas “vejam” e interpretem imagens e vídeos, reconhecendo padrões, objetos, movimentos etc. A proposta do projeto é desenvolver um algoritmo capaz de realizar tarefas como essas e prever a ativação de determinadas áreas cerebrais. A relevância do projeto está também no uso do equipamento de ressonância magnética empregado no estudo. Enquanto os aparelhos clínicos mais potentes operam com campos magnéticos de três teslas, o modelo utilizado pela equipe alcança sete teslas, mais que o dobro da intensidade normalmente disponível, o que amplia significativamente a capacidade de observação.
De acordo com André Peres, essa potência permite medir regiões muito específicas do cérebro. “Isso é essencial se quisermos aferir estruturas muito pequenas no córtex e visualizar o processamento em uma escala mesoscópica, dimensão intermediária entre o nível celular e o de áreas inteiras do cérebro”, disse.
Esse avanço, porém, vem acompanhado de desafios. A operação de um equipamento dessa complexidade é, por si só, uma conquista técnica importante para o projeto, exigindo conhecimento especializado e monitoramento constante. As imagens de ultra-alto campo são mais suscetíveis a ruídos e artefatos, o que exige que os pesquisadores programem a máquina manualmente e realizem testes contínuos para ajustar os parâmetros.
Repercussões
Ainda segundo o pesquisador, a criação do novo algoritmo de visão computacional prevê repercussões em diferentes campos. Além da pesquisa em bioinformática, os resultados do estudo têm potencial para beneficiar tanto a ciência quanto a indústria.
Para a bioinformática e as neurociências, por exemplo, o modelo permitirá entender melhor, e de forma mais precisa, como ocorre a ativação do córtex visual humano após o indivíduo ser apresentado a imagens e estímulos específicos. Isso também contribuirá para estudos em fisiologia, com avanços na compreensão da atividade do córtex temporal ventral (VTC).
No campo industrial, uma contribuição relevante deve ser a utilização desse modelo na produção de equipamentos como câmeras com sistemas de reconhecimento automático de objetos. Isso porque algoritmos bioinspirados são menos afetados por fatores como ruído, imagens borradas ou oclusão (quando o objeto está parcialmente escondido). Essa robustez é essencial para sistemas como radares de velocidade, que precisam identificar placas de veículos mesmo sob baixa luminosidade ou com lentes embaçadas.
Além disso, embora o foco imediato do estudo não seja clínico, o modelo pode ter aplicação futura na saúde e na neuropsicologia. O professor André Peres explica que pesquisadores poderão realizar “lesões virtuais” nos neurônios artificiais do algoritmo para simular síndromes neuropsicológicas conhecidas, como a dificuldade de pacientes em reconhecer materiais ou texturas, casos atualmente estudados em Coimbra.
Parceria internacional
De acordo com André Peres, a parceria internacional firmada é fundamental para a execução da pesquisa, pois garante, entre outras coisas, o aporte financeiro necessário e o acesso a equipamentos de última geração. Financiado com quase R$ 1,3 milhão pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que avaliou o projeto com nota 9,6 (em uma escala de 10), o estudo também recebeu aporte de fundos europeus do ProAction Lab, de Portugal, coordenado pelo professor Jorge Almeida, da Universidade de Coimbra, responsável pelo custeio das horas de uso da máquina de ressonância magnética.
Na UFRN, a iniciativa é conduzida pelo professor André Peres, atualmente vinculado ao PPgBioinfo/IMD por meio do programa Conhecimento Brasil, do Governo Federal. O trabalho conta ainda com a participação dos professores Renan Moioli e César Rennó, ambos do Centro Multiusuário de Bioinformática (BioME/IMD), e do docente Dráulio de Araújo, do Instituto do Cérebro (ICe/UFRN).
Os experimentos in vivo, que medem a atividade cerebral em voluntários humanos, estão sendo realizados em São Paulo, enquanto a etapa in silico, voltada ao processamento e à modelagem computacional dos dados, será desenvolvida no BioME/IMD, por meio da infraestrutura do Núcleo de Processamento de Alto Desempenho (NPAD/UFRN).
Atualmente, os primeiros testes estão sendo executados em São Paulo, em colaboração com os professores Oswaldo Baffa, Maria Otaduy e Khallil Chaim, da USP. A expectativa é que, após a conclusão dos ajustes técnicos, as coletas com os voluntários, que gerarão os primeiros resultados concretos do estudo, sejam realizadas no começo do próximo ano.
Deu no Portal da UFRN



