Sem direitos trabalhistas, professores temporários já são metade dos docentes nas redes estaduais

Foto: Divulgação/AEN

Um levantamento do Movimento Pessoas à Frente mostra que professores temporários trabalham, em sua maioria, sem garantia de licença-maternidade, estabilidade para gestantes, auxílio-alimentação nem licença para tratamento por acidente de trabalho ou por saúde. Em alguns casos, não recebem sequer 13º salário ou férias remuneradas.

Categoria formada por profissionais que não são concursados, os temporários costumam ser usados em funções específicas, como substituir professores efetivos que precisaram sair de licença ou para atender turmas recém-criadas, segundo o estudo.

O número de temporários, contudo, aumentou 37,7% entre 2014 e 2024 nas redes estaduais. Isso se deu, segundo especialistas, pelo menor custo de contratação, justamente pela ausência de uma série de direitos trabalhistas.

Atualmente, esse grupo já corresponde à metade dos docentes em sala de aula nas redes estaduais. Um panorama que levou a categoria a ganhar cada vez mais atenção de especialistas e gestores educacionais.

— Trabalhador temporário é necessário para a manutenção e qualidade da educação. Isso não significa que o estado ou município possa contratar apenas dessa forma. O atual número é excessivo — defende Israel Batista, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e consultor do Movimento Pessoas à Frente. — Além disso, é injusto pagar diferente a profissionais que fazem o mesmo trabalho. Não pode ter um professor “classe a” e outro que é “classe b”.

Recontratação sucessiva

O estudo “Dados e evidências para uma regulamentação nacional da contratação por tempo determinado”, elaborado pelos pesquisadores Felipe Drumond, Myrelle Jacob e Laís Montgomery, todos do Movimento Pessoas à Frente, mostra que professores contratados de forma temporária não estão incluídos no piso nacional do magistério, que é de R$ 4,8 mil por 40 horas semanais, em nenhuma unidade federativa no Brasil (26 estados e Distrito Federal). Em 17 delas, não há qualquer prazo de impedimento para a recontratação sucessiva de professores substitutos. Dessa forma, segundo um estudo do Todos pela Educação de 2024, 43,6% dos docentes ficam mais de 11 anos trabalhando nessas condições.

Além disso, apenas dez estados garantem licença-maternidade; e outros nove, a licença-paternidade. Somente dois asseguram estabilidade à gestante, enquanto três permitem licenças para tratamento por acidente de trabalho e nove para tratamento de saúde. São quatro os que oferecem auxílio-alimentação, e também quatro permitem repouso semanal remunerado. O levantamento mostrou ainda que 21 estados garantem férias remuneradas, e 20 asseguram o 13º salário.

— Esse professor chega na escola já em fevereiro, então não participa da formulação pedagógica do ano escolar, o que é muito ruim para o trabalho. E é difícil trabalhar bem, gerar no aluno a admiração pelo professor, quando este está preocupado com as contas no fim do mês — afirma Israel Batista.

Já Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, diz que o Brasil precisa de um marco legal que regulamente a contratação, pelo poder público, de profissionais temporários, com atenção especial ao caso dos professores:

— Entendemos que é urgente a criação de uma regulação nacional para os trabalhadores temporários, independentemente do setor em que ele atua. Trabalhador temporário não deve ser a regra, e nas ocasiões necessárias, não deve ser precarizado. Na educação, especificamente, há uma normalização da excepcionalidade, com o uso rotineiro e pouco controlado de vínculos temporários. O temporário deveria ser utilizado de forma planejada, para oferecer cobertura para ausências e atender necessidades específicas e transitórias. Porém, infelizmente não é isso o que acontece.

Na avaliação da pesquisadora, esse marco legal precisa estabelecer critérios claros do uso da contratação temporária e, sobretudo, garantir direitos mínimos aos trabalhadores. O deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) já indicou que o tema deve constar em sua propsota de reforma administrativa, que está em tramitação na Câmara.

O Movimento Pessoas à Frente, no entanto, já havia construído um anteprojeto específico sobre o tema. A proposta não estabelece uma quantidade máxima de contratações temporárias, mas sugere a criação de regras mínimas obrigatórias para União, estados e municípios, estabelecendo critérios para contratação temporária como prazo, excepcionalidade e necessidade transitória.

— Além disso, a lei garantiria direitos mínimos, como licença-maternidade, adicional de férias e transparência na seleção dos profissionais. O texto propõe, ainda, a criação do Portal Nacional de Contratações Temporárias, com o objetivo de promover transparência, controle e acesso público aos dados — defende Jessika Moreira.

Deu no O Globo

Deixe um comentário

Rolar para cima