Da vida na rua e nos lixões para a conquista de um diploma universitário A futura professora Ana Lúcia Alves da Silva, 59 anos, não teve oportunidade de frequentar a escola na idade regular e precisou ser astuta para não perder o contato com os livros, já que não tinha incentivo do pai na sua educação.
Com uma vida de muitas dificuldades e superações, agora ela só tem motivos para comemorar. No próximo dia 11 de março, será sua vez de colar grau na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde realizou o sonho de cursar Pedagogia.
Conhecer a história de Ana nos faz refletir sobre um simples rosto que passa por nós na rua e que não é apenas a identidade visual de alguém; é um mundo de muitas histórias.
Esbarramos com muitas “Ana Lúcia” na rua, no transporte público, no centro médico, no shopping… e não sabemos nada sobre suas trajetórias, dificuldades, dificuldades, seus sonhos…
Quem atende as ligações de telemarketing efetuadas pela Ana Lúcia Silva, do outro lado da linha, pode não saber o quanto ela precisou ser resiliente para proporcionar a si e à filha uma melhor qualidade de vida. Mas tivemos a sorte de conhecê-la e, com sua história, poder inspirar outras pessoas a acreditar no poder transformador da educação.
Força de vontade para aprender e ensinar
Apesar de não ter tido o direito à educação assegurado na juventude, Ana Lúcia sabe da importância do conhecimento. Ela sempre fez o possível para que sua filha tivesse a oportunidade que ela não teve. Com muita dificuldade, conseguiu colocar a filha na faculdade de Direito. “Quando ela já estava quase formada pensei em começar a estudar”. Foi aí que Ana começou a escrever o capítulo mais importante da sua história.
Ana Lúcia retomou os estudos na modalidade Educação Jovens e Adultos (EJA). Recomeçou na 5ª série. Conciliando a rotina pesada de trabalho na recepção de um hospital público, faxina e serviço como babá, ela ainda arranjava tempo e disposição para estudar à noite.
O único momento que tinha para revisar os assuntos e fazer os trabalhos era no horário de menor fluxo de atendimento no hospital, entre às 3 e 5 horas da manhã.
Em 2014, ela prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). À época, iniciou um curso de prótese dentária, pelo Pronatec, mas seu grande sonho ainda estava por ser realizado. “Um dia, minha filha me falou para eu fazer a prova para entrar em uma faculdade federal. Eu respondi que, se ela que tinha estudado tanto não tinha passado, imagine eu… meu sonho sempre foi cursar Pedagogia. Decidi fazer a prova, mas não acreditava que iria passar.
Fiz as duas fases da seleção e fui aprovada. Como minha filha já estava formada, senti que ali era minha chance. Então, comecei a estudar na 1ª turma do curso de Licenciaturaem Pedagogia EAD da Universidade Federal da Bahia (UFBA)”, relembra Ana.
Por alguns momentos, a universitária achou que não daria conta de tantas demandas. Empregos – precisava de mais de um para pagar as contas -, afazeres domésticos e faculdade. “Achei que não iria conseguir acompanhar as aulas, mas nunca perdi nenhuma disciplina. Minhas notas eram 9, 10… tirei 9 no meu TCC que fiz sobre Educação de Jovens e Adultos. É um orgulho muito grande para mim”, conta.
Sua vocação vem desde cedo. “Gostava de ensinar os adultos a ler e escrever. Eu ajudava meus vizinhos a escreverem o nome, ensinava a ler o letreiro do ônibus… Sempre tive essa vontade direcionada à educação.
Minha faculdade é uma conquista tão grande para mim que ninguém é capaz de avaliar. Só fico triste pensando se ainda vou conseguir dar aulas, se vai dar tempo de realizar esse sonho. Não fiz o curso só por fazer, quero ser a melhor professora”, planeja Ana emocionada.
Vida difícil
Ana Lúcia é a mais velha dentre os 10 filhos que sua mãe teve no primeiro casamento. Do pai nunca teve apoio para estudar, mas a mãe, que também não teve oportunidade de ir à escola, sempre fez o que pôde para que afilha entendesse o valor da educação. Ana recorda de ter lido escondido do pai, para não receber bronca.
“Eu acendia uma vela e lia escondido. Sempre amei biblioteca”, conta.
Ela e sua família moravam em Jacobina, na Bahia, em uma casa sem energia elétrica. Depois que seu pai faleceu, sua mãe e seus irmãos mudaram-se para Salvador em busca de melhores oportunidades. Na época com 23 anos, Ana resolveu ficar na cidade.
Sozinha, sem ter onde morar, e longe dos familiares, dormiu em praças, casas de outras famílias e assim foi levando uma vida simples tirando o sustendo do lixo. Alguns anos depois, decidiu seguir também para Salvador na esperança de mudar de vida.
“Educação é o caminho”
Na capital baiana, começou a trabalhar fazendo faxina, depois na bilheteria de um cinema, até conseguir uma vaga na recepção de uma unidade hospitalar. Através da diretora dessa unidade de saúde, soube de uma seleção de emprego na área de telemarketing do Educa Mais Brasil.
Em 2020, aos 58 anos, Ana Lúcia participou de uma seleção de emprego para trabalhar no Educa Mais Brasil, maior programa de inclusão educacional, que oferece bolsas de estudo em todo o país.
Desacreditada da sua chance de ser admitida por causa da idade, ela se sente grata pela oportunidade. “Sou a pessoa mais feliz do mundo trabalhando no Educa.
Quando converso com alguém que está interessado na bolsa de estudo, meu interesse em ajudar vai além de proporcionar bolsa, quero incentivar para que a pessoa não desista da educação. Aí eu conto a minha história, a minha luta para estudar e mostro que, se eu consegui, ela também pode”, pontua.
Para Ana, o maior incentivo para estudar veio da sua mãe. “Ela acreditava que a educação é o caminho para um
mundo melhor. Ela lutava, brigava com meu pai para a gente estudar e a luta dela não foi inútil, teve um retorno”,
destaca.
Deu no Só Notícia Boa