Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE
A ministra do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Vera Lúcia Santana diz se sentir humilhada e promete entrar na Justiça após denunciar episódio de racismo em evento do governo federal na última sexta-feira (16). “Houve uma recusa de me ver como uma pessoa digna.”
Segunda mulher negra a ocupar um assento na corte eleitoral, Vera Lúcia narra que teve a entrada barrada em um prédio onde a Comissão de Ética da Presidência da República promoveu um seminário sobre ética no serviço público. A magistrada tinha uma fala programada no evento.
Quando chegou à portaria, em um primeiro momento, afirma ter se apresentado somente com o nome. Duas atendentes que lá estavam disseram que ela não estava na lista. Vera Lúcia então declarou que era ministra substituta do TSE e apresentou a carteira funcional.
“Nenhuma delas sequer pegou a carteira para ver nada, e uma delas ficou dizendo que eu deveria ligar para a organização”, lembra ela à Folha. “É uma humilhação, porque é um desprezo, um destrato que te leva para uma situação de indignidade pessoal.”
Vera Lúcia afirmou que não precisaria entrar em contato com a organização do evento, porque tinha sido convidada. As mulheres chamaram um segurança, a quem a magistrada também tentou apresentar a funcional de ministra, sem sucesso.
Finalmente buscaram uma pessoa da equipe de suporte da organização que conseguiu fazê-la entrar no evento. De acordo com a ministra, nenhum agente público estava envolvido no imbróglio, apenas pessoas terceirizadas do prédio.
“Nada aconteceu como deveria ser de rotina num espaço civilizado livre de preconceito. O desprezo, o descaso que se teve. Ali eu estava na qualidade de uma autoridade. Foi muito sistemático. Nenhuma das três pessoas pegou a carteira que estava o tempo inteiro à disposição.”
O advogado-geral da União, Jorge Messias, pediu à Polícia Federal a abertura de uma investigação sobre o episódio de racismo contra a ministra, por meio de ofício enviado nesta quarta-feira (21) ao diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues.
De acordo com nota da AGU, Messias pediu a identificação dos responsáveis e a adoção das medidas legais cabíveis.
“Reitero o compromisso da Advocacia-Geral da União com a defesa dos direitos fundamentais e com o enfrentamento de todas as formas de discriminação, especialmente o racismo estrutural que ainda persiste em diversas instâncias da vida institucional brasileira”, diz.
No documento, Messias afirma que pretendia “compelir os responsáveis pela administração do prédio a tomarem providências imediatas no sentido de responsabilizarem o autor da agressão e implementarem ações educativas e preventivas, a fim de que situações semelhantes jamais se repitam”.
A Comissão de Ética afirma em nota expressar solidariedade à ministra Vera Lúcia pelo “constrangimento a que foi submetida”, mas afirmou não deter nenhuma responsabilidade administrativa ou gerencial sobre o local onde o fato ocorreu.
O órgão diz que o episódio ocorreu no CNC Business Center, edifício da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo em Brasília onde funcionam unidades da AGU e de outras instituições, e que os serviços de vigilância e recepção são contratados diretamente pelo condomínio.
“Diante da gravidade do relato, a Comissão de Ética Pública está colaborando com a Advocacia-Geral da União na adoção das providências cabíveis junto à gestão do edifício, visando tanto ao esclarecimento dos fatos quanto à responsabilização dos envolvidos.”
A ministra Vera Lúcia afirma que se sentiu “completamente humilhada, destratada, desrespeitada, aviltada, violada, porque é uma agressão muito forte”. O sentimento que fica, afirma ela, é que “tudo que você andou até aqui significou nada”.
Ela diz que vai entrar com todas as ações cabíveis na Justiça, no âmbito penal e civil.
“Vou ajuizar tudo, reclamar tudo que eu devo fazer, até porque, sem querer fazer essas pessoas pagarem para Cristo, é preciso que, na medida em que se consegue dar visibilidade a determinadas ocorrências, elas precisam ter um papel pedagógico. Esse papel pedagógico passa pela responsabilização.”
Na sessão da última quarta-feira (20), a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, tornou pública a ocorrência. Na ocasião, ela disse que Messias, da AGU, havia prometido providências para apurar o ocorrido.
Segundo Cármen, o advogado-geral da União “procurou a ministra [Vera Lúcia] e também me procurou. Ele enviou, a este tribunal, um ofício dizendo que se solidarizava não apenas com a ministra Vera Lúcia Santana, mas com este Tribunal Superior Eleitoral”.
A presidente do tribunal também aproveitou para passar um recado: “Racismo é crime. Etarismo é discriminação. É inconstitucional, imoral, injusto qualquer tipo de destratamento em razão de qualquer critério que não seja o da dignidade da pessoa humana”.
Em nota, a AGU disse que, apesar de o evento não ter sido promovido pela instituição nem ocorrido nas dependências do órgão, adotou providências cabíveis a fim de apurar os fatos e auxiliar na punição dos responsáveis.
“Por ser locatária de dois andares no edifício, a AGU abriu procedimento administrativo e notificou a empresa responsável pela administração do imóvel acerca do fato. Requereu, ainda, a preservação de imagens e provas que eventualmente confirmem o ocorrido na última sexta-feira.”
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo disse que “repudia veementemente qualquer ato de racismo, assim como toda e qualquer forma de discriminação”. “Reafirmamos nosso compromisso inegociável com os valores de respeito, inclusão e diversidade”, afirmou, em nota.
Ela disse que o episódio chegou ao conhecimento da entidade por meio da imprensa e que a segurança do local é realizada por empresa terceirizada contratada pela administração do condomínio.
Segundo a empresa responsável pelo condomínio, diz a CNC, “o controle de entrada estava sendo realizado por meio de uma lista nominal, de responsabilidade dos organizadores do evento”. “Os funcionários da portaria dependiam desta organização para liberar a entrada de pessoas que não constavam na lista de convidados.”
O contato com os responsáveis para liberação da entrada da ministra, diz a entidade, durou cerca de oito minutos. A CNC disse que vai implementar em contrato novos procedimentos na cessão de espaços, no qual será obrigatória a presença de representante do evento “para tomar decisões ágeis e assertivas no controle de acesso que impeçam qualquer tipo de constrangimento”.
Deu no BG