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Se antes a força dos ventos fazia girar moinhos para moer grãos e bombear água, hoje essa mesma força move turbinas que geram energia limpa e renovável.
No Brasil, a primeira chamada pública para a instalação de um parque eólico ocorreu em 2004. De lá para cá, a participação da fonte eólica na matriz elétrica nacional cresceu tanto que hoje ocupa o segundo lugar.
Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), em 2024, 15,5% da energia do país veio da eólica, atrás das hidrelétricas, que responderam por 61,6%.
O Brasil tem hoje 1.143 parques eólicos, com 11.990 aerogeradores operando em 12 estados, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica).
No entanto, após anos de crescimento, em 2024 o setor viu a instalação de novas usinas eólicas recuar em relação ao ano anterior. De acordo com a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica, Elbia Gannoum, o setor está em crise.
“Esse tipo de crise, a falta de venda de energia eólica em contrato, tem um impacto muito grande, maior até do que outras fontes. A solar, por exemplo, ela é toda importada da China, então se eu não instalo o parque solar, eu só vou deixar de importar”.
Gannoum explica que, no Brasil, cerca de 80% da cadeia produtiva da energia eólica é nacional, e, por isso, a queda nas contratações afeta diretamente a indústria e o emprego. “Se a fábrica não contrata, ela começa a demitir trabalhadores e foi o que aconteceu em algumas fábricas, inclusive”, explica a presidente da ABEEólica.
Entre os motivos para isso, Gannoum destaca o baixo crescimento da economia, já que historicamente o crescimento da demanda por energia acompanha o crescimento do PIB.
Mas ela aponta como principal causa a entrada de uma nova categoria de geração: a Micro e Minigeração Distribuída (MMGD), conhecida como “energia de telhado” – os painéis solares instalados nas casas e empresas de consumidores.
Nos últimos anos, essa modalidade teve um crescimento expressivo, impulsionada por incentivos financeiros que garantem bom retorno aos consumidores, especialmente após o marco legal, em 2022.
“E aí essa demanda por energia, que era do mercado como um todo, foi reduzida porque os donos das residências começaram a instalar a própria energia e eles não contrataram essa energia no mercado”, explicou Elbia. Ou seja, quem instala painel solar em casa consome menos da rede elétrica, e sobra menos espaço para a eólica vender sua energia.
O setor também vem sofrendo com os cortes de geração de energia, o chamado curtailment.
O Brasil hoje vive um paradoxo. Em alguns momentos de excesso, precisa cortar a geração de energia renovável, e, em outros, aciona termelétricas, mais caras e poluentes. Isso acontece porque, com a entrada das renováveis, a geração de energia cresceu num ritmo maior que a demanda. Em momentos de excesso de produção, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) precisa interromper a geração.
Segundo a ABEEólica, o prejuízo acumulado desde 2023 com os cortes chega a R$ 5 bilhões.
Aumento de contratos com data centers de IA
Apesar da crise atual, o setor já projeta uma recuperação nos próximos anos. Segundo a presidente da ABEEólica, em 2025 houve um avanço nas contratações de energia gerada por fontes eólicas. Como a implantação dos parques leva tempo, o efeito desse movimento só deve aparecer a partir de 2027, quando as novas usinas entrarem em operação.
“Nós começamos a perceber essa recuperação de contratação. Agora em 2025 a gente já está assinando mais contratos, principalmente de data center, que é um tipo de demanda muito diferente daquilo que a gente estava acostumado”, disse Gannoum.
A instalação de data centers de inteligência artificial já tem projetos anunciados em várias cidades do país e deve avançar no Brasil nos próximos anos. São espaços que abrigam supercomputadores responsáveis por armazenar e processar grandes volumes de dados, e demandam um alto consumo de energia.
O setor também aposta no aumento de contratações com o avanço do hidrogênio verde. “O hidrogênio é contratação de energia eólica direta. O hidrogênio é produzido a partir de renovável e vai ser produzido a partir de eólica e solar”, explica a presidente da ABEEólica.
Além disso, a eólica acredita no potencial da descarbonização da economia, ou seja, no uso de energias renováveis pelo agronegócio e pela indústria.
‘Mar à vista’
Nos próximos anos, a expansão da energia eólica deve ganhar novas fronteiras: o mar, com a instalação de parques eólicos offshore.
Gustavo Ponte, superintendente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) – responsável por estudos e projeções sobre o crescimento do setor no país – explica que o Brasil ainda tem muito espaço e bons ventos a explorar.
“O Brasil tem um potencial gigantesco no mar. Se a gente filtra só as melhores áreas, ou seja, áreas com águas rasas, porque a fundação fica mais barata, e áreas com vento mais forte, ainda assim a gente está falando da ordem de 700 gigawatts. Para botar em perspectiva, se a gente soma tudo que a gente tem em operação hoje no Brasil, são 230 gigawatts”, explica Ponte.
A primeira licença prévia para um projeto desse tipo foi concedida em junho deste ano, para um empreendimento em Areia Branca, no Rio Grande do Norte, a uma distância de 15 a 20 quilômetros da costa. E mais de 100 projetos offshore já solicitaram licenciamento ao Ibama.
“Isso mostra o apetite que esse mercado tem para o Brasil”, pontua o superintendente da EPE.
Barulho das turbinas
Para licenciar um empreendimento eólico, os estados seguem uma norma do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) de 2014 que determina um distanciamento de 400 metros entre torres e casas.
No entanto, movimentos sociais pleiteiam uma nova regulamentação. Em Pernambuco, por exemplo, agricultores reclamam que o barulho das turbinas tem gerado problemas de audição e prejudicado a saúde mental da população.
De acordo com a presidente da ABEEólica, os conflitos entre parques eólicos e moradores do entorno aconteceram nas primeiras instalações de parques, antes da resolução do Conama. “A gente não tinha muita dimensão dessa distância de um aerogerador de uma residência”.
No entanto, para ela, com o distanciamento definido, o problema foi mitigado. “Nós temos cerca de 1.100 parques instalados, e menos de 3% apresenta um problema ou outro, e esses problemas estão sendo mitigados. Eu entendo que essa questão está superada”.
Deu no G1