O escândalo do esquema de fraudes no INSS atingiu cifras bilionárias no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) graças a uma combinação de omissão e letargia desde 2023 e também de movimentações no Congresso Nacional, desde 2019, que impediram o endurecimento de regras para barrar débitos ilegais nas aposentadorias e pensões.
O governo afirmou que sabia das suspeitas de irregularidades nos descontos de mensalidades desde 2023, mas a decisão de suspender esses acordos só veio em 2025. Mais de R$ 6,3 bilhões foram descontados dos beneficiários entre 2019 e 2024. Considerando empréstimos consignados e mensalidades de associações que aparecem nos pagamentos do INSS, o valor pode ser bem maior, em um total de R$ 91 bilhões em descontos.
O próprio ministro da Casa Civil, Rui Costa, apontou, em entrevista a “O Globo” que a Controladoria Geral da União (CGU), comandada pelo ministro Vinícius Carvalho, seria a principal responsável pelo crescimento do volume de fraudes no INSS nos últimos anos. Segundo ele, a CGU não cumpriu com o seu papel de evitar o problema e apontar falhas de procedimentos nos descontos feitos em mensalidades de aposentados e pensionistas.
Na avaliação do chefe da Casa Civil, essas falhas deveriam ter sido apresentadas ao então ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, demitido no último dia 2. “Ao fim e ao cabo, nós deixamos passar dois anos, período no qual mais pessoas foram lesadas, para poder corrigir o problema? O papel da Polícia Federal não é mesmo o de avisar nada a ninguém, é apurar ato criminoso. Ela está no papel dela, correto, sem reparo. Agora, a função de qualquer Controladoria é preventiva e não corretiva ou punitiva”, afirmou.
A Controladoria Geral da União iniciou a apuração em 2023, com realização de auditorias em 29 entidades que tinham Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o INSS. Nessas auditorias, foi identificado que as entidades não tinham estrutura operacional para prestar os serviços que ofereciam aos beneficiários e que 70% s não tinham entregado a documentação necessária.
Apenas em 2024, a CGU encaminhou o relatório sobre as irregularidades encontradas nas aposentadorias e pensões para o INSS, com recomendações que deveriam ser adotadas pelo órgão para evitar as fraudes. Só no final de abril de 2025, após a operação da PF, o governo suspendeu os descontos de mensalidades associativas concedidos pelo INSS.
O ex-ministro da Previdência Carlos Lupi, que pediu demissão após o escândalo, afirmou que sabia das denúncias desde 2023 e admitiu que houve demora, por parte do INSS, na apuração de denúncias das fraudes reveladas pela operação Sem Desconto, em 24 de abril. Mesmo com a saída dele, a situação envolvendo o INSS ainda está caótica.
“Em junho de 2023, se começou, dentro do INSS, uma autarquia independente, a se fazer a verificação das denúncias que não era a primeira vez, o 135 (Central do INSS) recebe toda hora uma denúncia, de alguém que se sente enganado, de alguém que diz que não autorizou”, disse Lupi. “Eu pedi à época, instruí, para que o INSS, que é a instituição responsável pela ação dessa política pública, começasse a apurar essas denúncias. Levou-se tempo demais”, acrescentou, em reunião do Conselho Nacional da Previdência Social.
Escândalo pode agravar crise de popularidade
A denúncia envolvendo desvios de recursos nos contracheques de segurados do INSS deve agravar a crise de popularidade que já vem sendo enfrentada há meses pelo governo federal, avalia o cientista político e professor do Ibmec Adriano Cerqueira. “O impacto já ocorreu e provavelmente deve resultar na queda no índice de aprovação do presidente Lula (PT), bem como no aumento de sua desaprovação”, analisa o especialista.
Além de atingir a população mais velha, o cientista político pontua o fato de o relatório da Controladoria Geral da União ter identificado que a maior parte das pessoas lesadas pelo esquema são da região Nordeste, justamente onde, historicamente, o presidente tem forte base de eleitores. Outro ponto de desgaste para a imagem da gestão petista, segundo Cerqueira, é a possibilidade de que o governo utilize dinheiro público para ressarcir as vítimas dos desvios. “Certamente muitos contribuintes se sentirão novamente lesados. O que não deve prosperar é a percepção de impunidade para os responsáveis por esse escândalo”, conclui.
O advogado previdenciário Rodolfo Ramer, vice-presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-SP, destaca que o INSS está tentando bloquear dinheiro das associações.
“Mas estamos falando em mais de R$ 6 bilhões. Provavelmente, essas associações não tenham mais esse dinheiro, já sumiu”, observou o advogado. “Quando falamos que o Tesouro vai devolver, estamos falando que a própria população vai devolver. Porque isso vai ser tirado de impostos que pagamos e será redirecionado”.
Propostas buscaram aumentar o controle
A partir de 2019, algumas iniciativas legislativas buscaram aumentar o controle sobre os descontos em aposentadorias e pensões, mas partidos que hoje compõem a base governista foram contrários às medidas. Em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) enviou um texto ao Congresso que previa uma revalidação anual dos descontos em benefícios do INSS. A iniciativa foi alterada pelos parlamentares duas vezes. A versão final aprovada acabou dando fim à iniciativa que fortaleceria o controle sobre os descontos.
A tentativa de endurecer as regras começou em janeiro de 2019, por meio de medida provisória, assinada por Bolsonaro e os então ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Paulo Guedes (Fazenda). O texto estabelecia que, para os descontos destinados a associações, a autorização deveria ser revalidada anualmente. O Congresso flexibilizou o texto. Bolsonaro editou outra MP, em outubro de 2020, que ampliava a margem de empréstimo consignado. Os parlamentares adiaram o começo da revalidação para que acontecesse a cada três anos.
O atual ministro da Previdência, Wolney Queiroz (PDT-PE), na época deputado federal, assinou emenda a essa medida para adiar mais a revalidação. A emenda foi apresentada pelo então deputado Vilson da Fetaemg (PSB-MG) e coassinada por Daniel Cabral (PSB-PE), Enio Verri (PT-PR) e Jorge Solla (PT-BA), além de Queiroz.
TCU fez pente-fino em R$ 91 bilhões
As irregularidades em descontos na folha de pagamento de aposentados do INSS foram identificadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em junho de 2024, cerca de dez meses antes da operação da Polícia Federal (PF) que revelou o rombo de R$ 6,3 bilhões. Foram analisados, pelo TCU, R$ 91 bilhões em descontos, incluindo empréstimos consignados e mensalidades de associações que aparecem nos pagamentos do INSS.
A conclusão da auditoria foi de que nem todos os descontos tinham sido autorizados pelos aposentados. Passaram a ser exigidas assinatura eletrônica avançada e biometria para novos descontos. O TCU determinou ao INSS o bloqueio automático para novos descontos de empréstimos e de associações. Também ordenou que fossem tomadas medidas para identificar e responsabilizar associações suspeitas.
Deu no O Tempo