Em 30 de janeiro de 2023, num evento na Câmara, o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP) entregou ao então ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), um documento com demandas urgentes. O texto era assinado por João Inocentini, então presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi) da Força Sindical.
A primeira demanda da lista era, vejam só, o “fim do bloqueio para desconto de mensalidade associativa”. As entidades estavam irritadas com a MP 871, de Jair Bolsonaro, que impedia o desconto automático e dava ao aposentado o poder de liberar ou não a contribuição via canais do INSS, essencialmente telefone e aplicativo.
O Sindnapi alegava que esses canais não funcionavam, o que estaria gerando “grande transtorno aos assegurados e às entidades”. E sugeria a aprovação de uma norma que permitisse o desbloqueio automático a partir da “assinatura do termo de autorização do desconto”.
A sugestão do ‘libera geral’, hoje sabemos, foi acolhida com entusiasmo e o INSS passou a autorizar que as próprias entidades informassem ao Dataprev, mensalmente, a lista dos aposentados a serem descontados, sem necessidade de qualquer tipo de documentação comprobatória.
O resultado? Mais de 6 milhões de aposentados lesados em R$ 6,3 bilhões.
Alvo das investigações da Polícia Federal, mas poupado de buscas, o Sindnapi,que tem como vice-presidente Frei Chico, irmão de Lula, notabiliza-se pelo recorde na arrecadação de mensalidades associativas, saindo de R$ 17 milhões em 2019 para R$ 149 milhões em 2023, um salto de 415%.
O desempenho acima da média foi resultado, não só do libera geral, mas da licença do INSS para operar sem biometria facial para novas filiações já em 2024. Por mais de um ano, segundo a Dataprev, a entidade driblou a regra implementada após as denúncias na imprensa e conseguiu obter mais 63 mil filiações, engordando ainda mais seu caixa.
Na cartinha para Lupi, o Sindnapi pediu também autorização do INSS para cobrar mensalidades associativas de beneficiários do BPC, idosos sem direito a aposentadoria e deficientes físicos, e ainda sugeriu a “renovação automática” dos Acordos de Cooperação Técnica (ACTs), pelos quais muitas associações sem qualquer histórico de atuação no setor passaram a ganhar milhares de filiados e arrecadar milhões de reais.
“Gostaríamos de sugerir a renovação automática apenas com o envio atualizado da documentação legal, sem a necessidade de novas assinaturas e publicação de extratos, ou ainda, ACT`s com prazo indeterminado”, diz o texto.
Como se não bastasse, a turma de Frei Chico e Paulinho da Força queria também uma espécie de ‘privatização do INSS’, com a autorização para que as entidades dos aposentados pudessem realizar “todos os serviços” feitos pelo órgão e, claro, serem remuneradas por isso — modelo adotado na Itália e em Portugal, segundo eles.
Vale dizer que, embora se autodenomine sindicato, o Sindnapi é apenas uma associação privada como todas as outras investigadas pela Polícia Federal. Nenhuma tem carta sindical. Oficializar a atuação sindical no caso de trabalhadores aposentados era outra das exigências da carta entregue a Lupi no primeiro mês do governo Lula.
TUDO JUNTO E MISTURADO
Entender a origem do maior esquema de roubo de aposentados da história do país é fundamental para compreender as relações políticas que o viabilizaram e o desafio da CPI em investigar o caso. Paulinho da Força e outros dois deputados do Solidariedade assinaram o requerimento do deputado Coronel Chrisóstomo (PL) para sua instalação, mas certamente com outros objetivos.
Além disso, o Sindnapi, embora vinculado à Força Sindical, é presidido por Milton Cavalo, do PDT e ligado a Lupi. Conta com dirigentes de outros partidos ou mesmo sem filiação, mas com relações poderosas, como é o caso do próprio Frei Chico, irmão do atual presidente da República.
Essas relações poderosas talvez ajudem a CPI a entender por que o Sindnapi e seus dirigentes não sofreram busca e apreensão na Operação Sem Desconto. Como se vê, não faltavam motivos. Além de estar na origem do esquema, a entidade é uma das poucas a praticar ostensivamente a venda de crédito consignado, inclusive com anúncio em seu site.
Como as próprias investigações já demonstram, o consignado é visto como meio de captação das mensalidades associativas a partir da ‘venda casada’. Ou seja, o aposentado é convencido a fazer um empréstimo a juros baixos sem saber que está assinando um termo de filiação ao sindicato.
A coisa é tão descarada que, naquela mesma carta entregue a Lupi, o Sindnapi diz explicitamente que “o governo precisa ajudar e fortalecer a cooperativa (Coopernapi)”.
Ontem, este site revelou que o secretário nacional do Consumidor, o petista Wadih Damous, tratou do consignado com Alessandro Stefanutto, Virgílio Oliveira Filho e André Fidelis,investigados pela Polícia Federal no âmbito da Operação Sem Desconto.
A audiência, na véspera do julgamento do caso do INSS no TCU, foi sucedida dias depois por um recurso do então procurador-geral do INSS para impedir o bloqueio de novas averbações de consignados.
RELAÇÕES PERIGOSAS
No agravo, Virgílio Oliveira Filho pediu ao ministro Aroldo Cedraz, relator do caso, efeito “suspensivo da medida de bloqueio automático de averbações de novos descontos de empréstimo consignado”. Na prática, ele não queria que a decisão do Tribunal, que travava a contratação de novos empréstimos, fosse implementada.
Como noticiado, o ministro relator foi acusado pelos colegas Bruno Dantas e Walton Alencar de segurar os recursos em seu gabinete e não encaminhar à área técnica o acórdão aprovado para acompanhamento, medida necessária para garantir a aplicação das resoluções.
Essa questão poderia ser menor, caso o filho de Aroldo, Tiago Cedraz, não fosse advogado do Solidariedade e íntimo de seu presidente, o mesmo Paulinho da Força Sindical. Pai e filho já foram investigados no passado por acusações de tráfico de influência, embora o caso tenha sido posteriormente arquivado.
Tiago Cedraz também possui histórico recente de atuação com Wadih Damous, por interesse do Solidariedade, de Paulinho, na disputa pelo comando do Vasco, em 2021. O advogado petista defendeu Leven Siano no processo de judicialização da eleição do clube esportivo. O caso chegou ao STF e atraiu até o Partido dos Trabalhadores, que entrou como amicus curiae no caso.
Deu no Cláudio Dantas