As manchas roxas que surgiram no corpo geraram logo uma preocupação e fizeram com que a estudante de Letras na Paraíba, Jucinara Santos da Silva, 25 anos, demonstrasse preocupação e logo procurasse um atendimento médico em busca de um diagnóstico. O resultado: aplasia medular, doença rara que afeta a produção de células sanguíneas. A estudante passou a buscar um doador compatível de medula óssea e, após a procura, passou pelo procedimento no final do ano passado no RN e está no Estado desde então continuando o tratamento. O transplante de Jucinara foi um dos 165 registrados no RN em 2024, número que cresceu 54% em relação a 2023, que registrou 103 procedimentos. Segundo fontes do sistema de saúde do RN, parte desses pacientes vêm de muitas cidades do interior do Estado e até de outras regiões do Brasil para realização dos transplantes.
“Procurei um médico, fiz exames e a princípio o prognóstico era de leucemia, mas internei, fiz investigação e veio o diagnóstico de aplasia medular, doença rara que para a medula e eu já estava com 90% da medula sem funcionar. Fui direcionada ao transplante, começando essa luta pelo doador compatível. Fiz os exames com a família mas não teve compatibilidade. Fiz o cadastro no banco de doadores e recebi a notícia de um doador 100% compatível, sendo direcionada para Natal”, lembra.
Desde o procedimento, que ocorreu no último dia 20 de dezembro, a paraibana está em Natal, na casa de apoio da Humanização e Apoio ao Transplantado de Medula Óssea (Hatmo Natal), para ser acompanhada durante o tratamento.
“Sempre admirei o trabalho da Hatmo antes mesmo de vir a Natal. Passei. O apoio é 100%, não só na hospedagem, a alimentação e a suplementação, porque ficamos debilitados em virtude das quimioterapias. A casa é completa de estrutura”, explica. Ela está confiante para voltar à Paraíba e concluir sua faculdade de Letras/Espanhol na UFCG. “As expectativas são boas, temos sempre que manter o pensamento positivo, sempre ficar esperançoso e resiliente. É pensar um dia após o outro. São 100 dias que ficaremos aqui e se ficarmos com isso na cabeça, nunca passa”, acrescenta, explicando que está sendo acompanhada por uma irmã em Natal.
Segundo os dados da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap), o transplante de medula óssea foi um dos que apresentou maior crescimento entre os transplantes feitos no Estado em 2024. Atualmente, apenas hospitais como Rio Grande e Liga Norte-riograndense Contra o Câncer fazem os procedimentos, com o Rio Grande sendo responsável pela maior parte das operações.
“No SUS temos tentado trabalhar para encurtar o tempo de chegada ao serviço de transplante, melhorar os processos dentro do hospital para que o paciente interne menos e com isso, consigamos vagas para mais pacientes. Temos trabalhado junto com casas de apoio que têm nos ajudado bastante em dar hospedagem para que esses pacientes possam vir”, explica o médico do Rio Grande, James Maciel, responsável pelo setor de Oncologia da unidade.
“Temos feito muitos transplantes em caráter ambulatorial, que evita a internação e permite que façamos o transplante de mais pacientes. São iniciativas que temos empregado para conseguir transplantar mais pacientes”, acrescenta.
Aumento
O Rio Grande do Norte registrou um aumento de 45% no número de transplantes de órgãos em 2024, segundo dados da Central de Transplantes do RN, vinculada à Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap). Ao todo foram 419 transplantes, sendo 194 de córneas, 165 de medula óssea, 57 de rins e três transplantes cardíacos. Foram registradas também 36 doações de múltiplos órgãos e 133 doações de córneas. Os dados referem-se a transplantes feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Esses números superam os resultados de 2023, quando foram realizados 289 transplantes, sendo 132 de córneas, 107 de medula, 44 de rins, quatro transplantes cardíacos e dois de pele, além de 28 doações de múltiplos órgãos e tecidos.
A coordenadora da Central de Transplantes do RN, Rogéria Nunes, atribui esse aumento ao trabalho integrado da Organização de Procura de Órgãos (OPO) e das Comissões Intra-hospitalares para Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT). Essas comissões, formadas por profissionais de saúde, desempenham um papel crucial na organização dos processos e protocolos que viabilizam as doações. Ela destaca a importância de campanhas de conscientização, como o Setembro Verde, que incentiva a doação de órgãos. “A conscientização da população tem sido fundamental para o aumento do número de transplantes e doações”, ressalta.
Casas de apoio auxiliam no tratamento
Com o tratamento do transplante de medula óssea sendo desafiador e exigindo um cuidado multidisciplinar, a existência de casas de apoio no Rio Grande do Norte acaba sendo fundamental no processo de recuperação, tanto física quanto mental dos pacientes. A Casa Vida e a Hatmo são dois exemplos.
Na Hatmo, a Humanização e Apoio ao Transplantado de Medula Óssea (Hatmo Natal), fundada em 2008, o espaço é disponibilizado para oito famílias e ainda conta com outro espaço de apoio para pacientes do interior.
Quando o paciente é encaminhado pelo hospital para a Hatmo é justamente para esse suporte. A primeira coisa que ele precisa é do apoio para fazer o enxoval para o transplante. Muitos não têm condições para comprar uma calcinha de algodão, um sabonete específico, um hidratante específico, tudo infantil para não dar alergia. Além disso vem muita gente de fora e a Hatmo hospeda essas pessoas, tanto do interior do Estado, da Paraíba, de Rondônia, muitos do Pará”, conta a presidente da Hatmo, Rosali Cortez. ”Esse tratamento é´importante porque a defesa do paciente vai a praticamente a zero para receber uma nova medula”, acrescenta.
A psicologia entra nesse apoio, porque a casa Hatmo recebe pacientes de fora do Estado e do interior. Quando ele vem pra cá não vem com a família toda, tendo apenas um acompanhante. E essa distância da família já gera muitos aspectos emocionais, deixando o paciente fragilizado, além do enfrentamento da doença. Alguns chegam aqui bem, mas outros têm passado por um processo mais delicado e o transplante é um tratamento mais difícil, debilitando muito o paciente”, cita a psicóloga da casa Hatmo, Isanna França.
Deu na Tribuna do Norte