EDITORIAL ESTADÃO: O show de Janja custa caro

Foto: Reprodução

A despeito de sua importância para a projeção internacional do Brasil e para chamar a atenção das nações mais desenvolvidas do mundo para os objetivos globais defendidos pelo governo, a realização da cúpula do G-20 no Rio, em novembro do ano passado, serviu a um propósito mais prosaico no âmbito doméstico. Mais uma vez, restou comprovada a visão patrimonialista que os petistas têm das empresas estatais. Para o presidente Lula da Silva, a primeira-dama Rosângela Silva, conhecida como Janja, e outros próceres do PT, as estatais existem para atender aos interesses políticos do governo, e não aos interesses estratégicos do País.

Isso ficou evidente com a revelação, feita por este jornal, do modelo de financiamento do evento. Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Estadão obteve a íntegra do contrato de cooperação firmado entre o Banco do Brasil (BB), a Caixa Econômica Federal (Caixa), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Petrobras com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), entidade responsável pela organização da reunião no Brasil.

De acordo com o documento, as estatais doaram nada menos que R$ 83,45 milhões para a realização da cúpula do G-20 propriamente dita, para o G-20 Social e para o festival de música Ação Global Contra a Fome e a Pobreza, que logo ganhou o apelido de “Janjapalooza” – uma brincadeira com o nome do festival de música Lollapalooza que ironiza o grau de envolvimento da primeira-dama em uma festa que, antes de qualquer coisa, tinha o nítido propósito de promovê-la.

Pelos termos do acordo, cada uma daquelas estatais ficou responsável por doar até R$ 18,5 milhões para cobrir as despesas da organização do G-20, do G-20 Social e do “Janjapalooza”. Só a Petrobras informou que contribuiu “apenas”, digamos assim, com R$ 12,95 milhões.

Embora não esteja entre as signatárias do contrato com a OEI, a Itaipu Binacional – empresa na qual Janja trabalhou até se demitir para acompanhar os dias de cárcere de Lula em Curitiba – doou outros R$ 15 milhões para o evento, perfazendo os R$ 83,45 milhões totais provenientes das empresas estatais, entre outros apoiadores da reunião, como a prefeitura do Rio, a Única, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Essa promiscuidade entre interesses privados e interesse público, tão característica do petismo, já seria imoral ainda que a entidade organizadora da cúpula do G-20 e seus eventos paralelos fosse totalmente desvinculada do governo Lula da Silva e de Janja, em particular. Mas não é o caso. O Estadão apurou que a primeira-dama é próxima da direção da OEI, tendo, inclusive, recebido um convite para trabalhar na organização no início de 2023, pouco após seu marido tomar posse como presidente da República. Só a OEI recebeu R$ 5,4 milhões por seus serviços no G-20.

Além de a fonte dos recursos ser inapropriada, para dizer o mínimo, é o caso de questionar a absurda soma envolvida. Por que a organização do G-20 Social e a do “Janjapalooza” custaram tão caro aos contribuintes? Os documentos obtidos por este jornal revelam que só o “Janjapalooza”, evento no qual os artistas se apresentaram por “cachês simbólicos”, envolveu gastos de R$ 28,3 milhões. Outros R$ 27,2 milhões foram orçados para o G-20 Social. Ou seja, os dois eventos paralelos à cúpula do G-20, nos quais Janja teve atuação destacadíssima, custaram muito mais do que a própria reunião de dezenas de chefes de Estado no Rio (R$ 13 milhões).

Sob o beneplácito do presidente da República, Janja fez da cúpula do G-20, evento de importância estratégica para o Brasil, uma vitrine para a promoção de interesses pessoais e partidários. Ademais, o desvio de foco e a submissão das direções do BB, da Caixa, do BNDES, da Petrobras e de Itaipu Binacional ao governo de turno expõem a renitente fragilidade da gestão pública no País, que, ao que parece, se deixa degradar em prol de uma agenda política particular.

O Brasil não merece a condenação perpétua ao patrimonialismo que o aferra ao atraso. Merece um governo com responsabilidade e compromisso com o bem comum, não com a defesa de projetos pessoais, partidários ou ideológicos.

Fonte: Estadão

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