As sete pessoas que comeram o bolo que teria causado a morte de três pessoas em Torres, no Rio Grande do Sul, notaram um gosto estranho ao ingerir o doce, informou o delegado do caso, Marcos Vinícius Veloso à RBS TV.
Segundo relatos feitos à Polícia Civil, o sabor apimentado e desagradável foi percebido logo nos primeiros pedaços. A aposentada Zeli dos Anjos, de 60 anos, que preparou o bolo, chegou a interromper o consumo ao perceber as reclamações. Apesar disso, quem comeu o bolo começou a passar mal pouco tempo depois.
“Segundo alguns depoimentos, havia pessoas que inclusive nem queriam muito comer, mas pra não fazer desfeita pra ela [Zeli], que é tida como uma pessoa muito carinhosa com os familiares, acabaram comendo”, explica o delegado.
“Tão logo o menino de 10 anos comeu e também reclamou do sabor, ela meio que colocou a mão assim em cima do bolo, [e falou] ‘e agora ninguém mais come’. E as pessoas começaram a passar mal naquele momento”, continua.
As vítimas fatais são as irmãs Neuza Denize Silva dos Anjos e Maida Berenice Flores da Silva, e a filha de Neuza, Tatiana Denize Silva dos Anjos.
Zeli é irmã de Neuza e Maida. Ela segue internada, juntamente com uma criança de 10 anos, neto de Neuza. Ambos estão em situação clínica estável.
O marido de Neuza, que não consumiu o bolo, não apresentou sintomas. E o marido de Maida comeu o bolo, foi hospitalizado, mas já teve alta. Os nomes deles não foram oficialmente divulgados.
A polícia investiga a presença de arsênio no sangue das vítimas, constatada após exames do hospital onde os sobrevivente estão internados. A origem do contaminante ainda é investigada.
Geladeira teve problemas
O delegado responsável pelo caso levanta a hipótese de que ingredientes do bolo, como frutas cristalizadas e uvas-passas, possam ter sido reaproveitados após um período prolongado na geladeira da residência de Zeli.
Em novembro, ela havia relatado problemas na geladeira de sua casa em Arroio do Sal, também Litoral Norte, onde os alimentos ficaram expostos a um apagão. Carne e outros itens foram descartados, mas alguns ingredientes podem ter sido reutilizados, diz o delegado.
O corpo de Paulo, marido de Zeli, falecido em setembro após um quadro de intoxicação alimentar, será exumado para averiguar a presença de arsênio e possíveis conexões com o caso atual. A polícia também aguarda resultados de exames no bolo e em outros materiais recolhidos no local.
A Polícia já ouviu cerca de 15 pessoas no inquérito que apura mortes de três mulheres da mesma família após comerem um bolo em Torres, no Litoral Norte do RS.
Zeli dos Anjos deve ser ouvida pela polícia quando estiver em melhores condições.
Na sexta-feira (27), policiais foram às casas de familiares em Canoas, Arroio do Sal e Torres para coletar mais elementos para a investigação.
Conforme a polícia, a família tinha boa relação e até o momento não é cogitado que haveria disputa por eventual herança.
Os laudos periciais no bolo, que têm previsão de ficarem prontos na próxima semana, poderão apontar se houve contaminação cruzada de alimentos e o que havia no bolo.
Análises apontam arsênio
Os resultados das primeiras análises laboratoriais, coletadas pelo Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, indicaram presença de arsênio no sangue de uma das vítimas e dos dois sobreviventes que comeram o bolo. A substância é extremamente tóxica e pode levar à morte. Foram analisados o sangue da mulher que preparou o bolo, do sobrinho-neto dela – uma criança de 10 anos – e de Neuza Denize Silva dos Anjos, que morreu.
“O próprio hospital levou o material para o Centro de Informação Toxicológica. Nesse centro, foi constatado arsênio no sangue de duas vítimas que sobreviveram, que estão no hospital ainda, e de uma mulher que morreu, a dona Neuza”, explicou o delegado.
Os nomes da mulher internada e do sobrinho-neto dela não foram oficialmente divulgados.
Relembre o caso
De acordo com a Polícia Civil, na última segunda-feira (23) sete pessoas da mesma família estavam reunidas em uma casa, durante um café da tarde, quando começaram a passar mal. Apenas uma delas não teria comido o bolo. Zeli, que preparou o alimento, em Arroio do Sal e levou para Torres, também foi hospitalizada.
Três mulheres morreram com intervalo de algumas horas. Tatiana Denize Silva dos Anjos e Maida Berenice Flores da Silva tiveram parada cardiorrespiratória, segundo o hospital. Neuza Denize Silva dos Anjos teve como causa da morte divulgada “choque pós intoxicação alimentar”.
Segundo o delegado Marcos Vinícius Veloso, que conduz as investigações, Zeli foi a única pessoa da casa a comer duas fatias. A maior concentração do veneno foi encontrada no sangue dela. A polícia apura as hipóteses de envenenamento ou intoxicação alimentar.
A investigação encaminhou os corpos das três vítimas para necropsia no Instituto-Geral de Perícias (IGP), órgão responsável por atestar a causa da morte. Resultados devem ser divulgados nesta semana.
O que é arsênio
Conforme André Valle de Bairros, professor de Toxicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o arsênio é o elemento químico, enquanto arsênico é denominado para o composto trióxido de arsênio.
“O arsênico trata-se da forma mais tóxica. A partir de 100 mg é possível a morte de um indivíduo adulto. Geralmente, o arsênico está na forma de pó e não tem cheiro ou gosto. Apesar de ter sido usado como raticida, esta droga pode ser empregada para fins de tratamento oncológico em pacientes com leucemia promielocítica aguda e é comercializada como Trisenox”, explica o especialista.
Bairros assinala que arsênico é proibido de ser comercializado no Brasil como raticida e o uso como agente quimioterápico é restrito.
“O arsênio é um elemento de alta toxicidade conhecida pela humanidade e sempre houve um certo temor. Há locais no globo terrestre ricos em arsênio, e isso contamina fontes de água. Mas é algo que precisa ser muito investigado. Há literatura científica, e de fato, há essa contaminação em leite, carne e frutas, porém, o fato de estar expostos a concentrações maiores de arsênio não significa necessariamente uma intoxicação”, acrescenta.
Fonte: g1