Apesar de o dólar continuar longe do recorde histórico real (considerando a inflação), a moeda já está mais cara do que no pico atingido durante a crise de 2015 e 2016 que culminou no impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Em setembro de 2015, o dólar chegou a R$ 4,1450 em termos nominais. Corrigido pela inflação americana (CPI) e pela brasileira (IPCA), esse valor corresponde a atuais R$ 5,08, R$ 1,11 abaixo da cotação atual, de R$ 6,19 segundo o fechamento da última sexta (27). Em janeiro de 2016, o pico nominal foi de R$ 4,1660, o que equivale a atuais R$ 4,92.
A valorização da moeda norte-americana, no entanto, foi bem maior naquele período, quando teve um ganho de 62% de janeiro de 2015 a janeiro de 2016. Em 2024, a alta é de 25%.
“O câmbio nominal e o real refletem a situação da economia, se ela está bem ou se está mal. Ele é quase um espelho da nossa dificuldade fiscal, apesar de esta não ser uma relação direta”, diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
“Infelizmente, nos últimos anos, estamos quase num cenário de contínua piora na dívida pública, mas em 2016 a situação fiscal era menos pior que hoje.”
Entre 2015 e 2016, o Brasil teve sua pior recessão, com quedas anuais do PIB (Produto Interno Bruto) de 3,8% e 3,6%, respectivamente. Já em 2023, o PIB brasileiro subiu 3,2% e em 2024 a expectativa é que tenha crescido 3,49%, segundo a pesquisa Focus.
No entanto, a dívida pública bruta cresceu mais do que a economia. Ao fim de 2016, a relação dívida/PIB era de 69,8%, um salto de 13,6 pontos percentuais em relação a 2014.
Em outubro de 2024, dívida bruta/PIB estava a 77,8% do PIB e a projeção do IFI (Instituição Fiscal Independente, do Senado) é que o indicador termine 2026 a 84,1%. Neste caso, seria uma piora de 12,4 pontos percentuais no terceiro governo Lula.
Para Adriana Dupita, economista-sênior da Bloomberg Economics, tal comparação requer ressalvas. “Muita coisa daquela época não entreva na conta oficialmente, e o resultado primário hoje está melhor. Outro diferencial é que na época da Dilma não havia regra fiscal e hoje temos o arcabouço. Ele não é perfeito, mas está aí”, diz.
Para a economista, o dólar mais caro em termos reais atualmente que na crise da década passada é um indicativo de estresse no mercado.
“Essa conta demonstra o tamanho da irracionalidade da alta do dólar. Há dez anos que estamos assim [com aumento da dívida]. Não acho que a situação esteja pior do que no governo Dilma. Este câmbio me parece um absolutamente descolado dos fundamentos”, afirma Adriana.
Nicholas McCarthy, diretor da área de Estratégias de Investimentos do Itaú Unibanco, vê o atual cenário semelhante ao vivido em 2015, mas com um cenário externo pior atualmente.
“[Naquela época] tínhamos um cenário mundial um pouco mais favorável ao Brasil. A China estava crescendo cerca de 10% ao ano, o que gerou uma alta de commodities bastante pujante. Então, nossas contas externas estavam bastante equilibradas”, diz McCarthy.
Agora, além da piora doméstica, o dólar está mais forte no mundo todo. Com base em dados do Fed, o Itaú calcula que o dólar esteja no seu segundo maior valor global da história, atrás apenas dos anos 1980, quando os juros americanos chegaram a 20% ao ano.
“O fato de os Estados Unidos estarem crescendo tanto e a expectativa de que eles vão crescer mais ainda e de que os juros fiquem altos está mantendo o dólar americano muito valorizado. Qualquer moeda que você pegue está desvalorizada”, diz Gina Baccelli, economista-chefe da área de Estratégia de Investimentos do Itaú Unibanco.
Gina cita como exemplo o euro, que equivale a US$ 1,04, menor valor desde 2022. Em setembro, um euro valia US$ 1,12.
Além da resiliência da economia americana, outro fator que impulsiona o dólar é a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA. A expectativa é que seu governo impulsione a atividade e gere inflação, o que gera juros mais altos e um dólar mais forte. O Deutsche Bank é uma das instituições que prevê que no próximo ano o dólar atinja a paridade com o euro.
Em 2024, o índice DXY que mede a força do dólar ante as principais moedas do mundo, subiu 6,5%.
“O real é uma das moedas mais líquidas dos mercados emergentes, então é um veículo de apostas. Nem todas as vezes em que houve grandes variações no câmbio brasileiro foi por fatores domésticos”, diz Adriana, da Bloomberg.
Em 2020, no primeiro ano da pandemia da Covid-19, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o dólar também sofreu uma forte alta: em termos reais, foi de R$ 5,65 em janeiro daquele ano para R$ 6,21 em outubro.
Mas maior desvalorização do real aconteceu assim que o câmbio passou a ser flutuante. Em janeiro de 1999, após a reeleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), chegou ao fim a política de paridade cambial. Nos primeiros dez pregões da nova dinâmica, o dólar ficou R$ 0,56 mais caro, ultrapassando os R$ 2 pela primeira vez.
Antes, o Banco Central atuava para garantir que R$ 1 ficasse próximo de US$ 1.
“Era um plano de contenção à inflação, mas congelar o câmbio não é ideal para nenhum país, pois ele ajuda a absorver choques externos”, afirma Adriana.
Se o câmbio é fixo, os juros acabam por absorver os movimentos do mercado. Em 1998, por exemplo, a Selic chegou a 45% ao ano.
Dessa forma, o governo de FHC foi o que teve a maior desvalorização do real. Entre 1995 e 2002, o dólar subiu 320,5%. O momento de maior estresse foi durante as eleições que levaram Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência pela primeira vez. Em 10 de outubro de 2002, entre o primeiro e o segundo turno do pleito, a cotação foi a então inéditos R$ 4, mas fechou o dia a R$ 3,99.
Corrigidos pela inflação americana e brasileira esses valores correspondem hoje a R$ 8,48 e a R$ 8,46. Ou seja, para bater o recorde de maior valor desde o Plano Real, o dólar teria que subir mais 37%.
Após assumir, Lula dispersou receios de investidores, com a manutenção de medidas econômicas do antecessor e responsabilidade fiscal, e o real passou a se valorizar.
“Quando o dólar cai é porque há entrada de dinheiro no país e expansão da economia com dívida publica em queda e resultado primário positivo”, diz Vale, da MB Associados.
Durante seus dois primeiros governos, o dólar caiu ante o real, acumulando um recuo de 53%.
Em meio ao bom momento econômico e uma posição fiscal mais robusta que hoje, o Brasil recebeu grau de investimento, o que ampliou a entrada de investimento estrangeiro (e dólares) no país.
“Quando o Lula fez uma política pró-mercado, ele sustentou o real, o que foi fundamental para o bom momento econômico daquele período. A arrecadação subiu também, possibilitando os gastos públicos sem comprometer a dívida”, diz Adriana.
Para McCarthy, do Itaú, o atual período pede uma ação semelhante à Carta ao Povo Brasileiro, na qual Lula se comprometeu com a sustentabilidade fiscal do país.
“Estamos em um ciclo vicioso negativo que precisa ser revertido. Precisamos de um choque de confiança, um choque de credibilidade fiscal. No passado, Lula fez um compromisso com a sociedade e coisas voaram no governo”, afirma o estrategista.
A projeção do mercado é que o dólar permaneça acima de R$ 6 se não houver um corte de gastos significativo. O BTG Pactual afirma, inclusive, que o patamar de R$ 7 é plausível.
“Ações do governo que contornem o Orçamento, intensifiquem mecanismos parafiscais, minem a
credibilidade da política monetária ou envolvam intervenções no mercado cambial teriam potencial de levar o câmbio a ultrapassar a barreira de R$ 7 no próximo ano”, disseram os economistas do banco em relatório a clientes, em 12 de dezembro.
Adriana vai no sentido contrário. “Há quem ache que R$ 6,20 é pouco. Eu discordo, mas só o tempo dirá quem está certo.”
Deu na Folha de São Paulo