Casais firmam contratos de namoro para reforçar segurança patrimonial

Foto: Magnus Nascimento

Cada vez mais comuns, mas ainda desconhecidos, contratos de namoro oferecem segurança jurídica e patrimonial para casais que querem formalizar um relacionamento afetivo. O acordo reforça que, diferente do que ocorre na união estável, no namoro não há desejo presente de constituir família. De 2016 a 2024 houve um aumento de 384,61% na adesão a essa modalidade, conforme aponta o Colégio Notarial do Brasil (CNB). O ano de 2023 registrou recorde no número de contratos de namoro no país: 126 registros – um aumento de 35% em relação a 2022. Já em 2024, apenas nos cinco primeiros meses, 44 casais assinaram contratos de namoro no Brasil. O Rio Grande do Nortes soma-se a este cenário com quatro contratos reconhecidos, mas acredita-se em outros não oficializados.

A advogada Rafaela Câmara, especialista em Direito de Família, sugere que a pandemia de coronavírus pode ter impulsionado essa tendência, com casais que decidiram morar juntos optando por formalizar suas relações sem assumir as responsabilidades patrimoniais da união estável ou casamento. Segundo o CNB/RN, casais jovens e de média idade são os mais interessados nesse tipo de contrato, que pode ser formalizado por escritura pública em cartórios de notas ou por contrato particular com firma reconhecida. Ele serve como instrumento jurídico para definir o relacionamento amoroso conforme os termos acordados pelo casal, seja ele heteroafetivo ou homoafetivo, desde que não viole a legislação.

Sérgio Procópio, presidente do CNB Seção RN, destaca que o tabelionato de notas é regido pelo princípio de que tudo o que não é proibido é permitido, permitindo que o casal regule seu relacionamento conforme sua vontade mútua. O contrato pode incluir cláusulas diversas acordadas entre as partes.

Embora ainda não haja previsão específica na legislação brasileira, a advogada Rafaela Câmara cita um caso recente do Tribunal de Justiça do Paraná que validou um contrato de namoro, negando o reconhecimento de união estável solicitado por uma das partes e evitando problemas patrimoniais.

A TRIBUNA DO NORTE conversou com cinco jovens para entender suas perspectivas sobre o tema e se aceitariam assinar um contrato desse tipo. Os jovens Samir Barros, 27 anos, e Bruna Gomes, 28 anos, que namoram há seis anos, avaliam que a ideia do contrato de namoro é interessante. Bruna diz já conhecia o tema. “Entendi que não é um contrato como se fosse um casamento, de partilha [de bens]. Mas é um contrato que traz mais organização e segurança para o relacionamento”, definiu. Segundo ela, a medida traz algumas diferenças para o relacionamento, “mas, ao mesmo tempo, mantém a união e a fidelidade como prioridades”, pontua.

Mas nem todos têm conhecimento sobre o assunto. Ludmilla Lopes, 21 anos, estudante solteira, não sabia inicialmente o que era um contrato de namoro ao ser questionada sobre o que pensa sobre o tema. “Imagino que seja uma forma de registrar o compromisso mútuo do namoro, o que cada um espera do outro”, sugeriu.

Após se informar um pouco mais, Ludmilla diz que percebeu vantagens e desvantagens na proposta. “Acho que pode tirar um pouco da informalidade do namoro. Pode tornar as coisas mais sérias e não sei se isso seria tão interessante”, opinou.

O casal Rafaela Elói, 20 anos, e Laércio Rodrigues, 21 anos, namora há cinco meses e também não conhecia o tema mas, depois de se inteirarem sobre o assunto, disseram que considerariam assinar um contrato. “Acho positivo porque diferencia claramente união estável de namoro. Durante uma separação, muitas vezes há ressentimentos e isso pode levar um a querer prejudicar o outro”, diz Rafaela.

É preciso atenção nas cláusulas

A advogada Rafaela Câmara enfatiza a importância dos casais interessados em assinar um contrato de namoro serem acompanhados por um advogado para evitar complicações futuras. Ela destaca que tanto na escritura pública quanto no contrato particular, a presença de um profissional é crucial, pois existem leis que podem invalidar esse tipo de documento. Segundo ela, é fundamental que tudo o que for estabelecido no contrato seja orientado por um advogado.

Apesar do contrato de namoro representar a autonomia de vontade no relacionamento, é essencial ter cautela com as cláusulas, especialmente aquelas que envolvem patrimônio. Rafaela ressalta que, no Brasil, é comum evitar discutir questões financeiras, mas é necessário abandonar esse hábito e deixar claro quais são os bens individuais de cada parte, garantindo a preservação do patrimônio pessoal.

Sérgio Procópio concorda com essa abordagem e salienta que o contrato de namoro é uma maneira de evitar problemas em caso de separação, além de prevenir conflitos patrimoniais. Para ele, o aumento na adesão aos contratos de namoro é visto de forma positiva pelo CNB, e a tendência é de crescimento contínuo.

Ele aponta que esse tipo de documento proporciona uma “tranquilidade psicológica” para os namorados, permitindo que eles formalizem seus interesses em comum de maneira regulada. Ao contrário do casamento ou da união estável, não há previsão de partilha de bens no contrato de namoro.

A união estável, por outro lado, implica o reconhecimento de um relacionamento público, duradouro, contínuo e com a intenção presente de constituir família. Embora não seja obrigatória, pode ser formalizada por meio de escritura pública em cartório. Especialistas alertam para a necessidade de compreender os direitos que a união estável acarreta. “O namoro não confere direitos. Já a união estável confere. Quais são os direitos que o namoro não confere de forma alguma? Pensão alimentícia para o parceiro, direitos hereditários e partilha de bens”, explica Rafaela Câmara, enfatizando que a decisão de elaborar um contrato de namoro deve ser resultado de um diálogo claro entre as partes.

Apesar de estabelecer regras que devem ser discutidas e acordadas pelo casal, a advogada enfatiza que isso não significa falta de afeto. “Não é desromantizar, não é retirar o afeto, é trazer uma dose de realidade. Não se trata de dificultar o relacionamento, mas, sim, de ter conversas claras e transparentes sobre ele”, pontua Rafaela.

O contrato de namoro é um instrumento jurídico que formaliza as dinâmicas específicas de cada casal. Existem modelos disponíveis na internet que podem servir como ponto de partida, mas as decisões devem ser adaptadas para cada caso particular.

Inusitado

A especialista compartilha uma curiosidade de sua trajetória profissional, mencionando uma cláusula que considerou interessante num contrato. “Houve uma cláusula de ‘comparecimento na cama quatro vezes por semana’. Também já vi em pactos antenupciais uma cláusula que estabelecia o pagamento de 200 salários mínimos em caso de traição”, revela.

Mesmo oferecendo segurança, é crucial estar atento às cláusulas do contrato. Rafaela destaca a preocupação com possíveis fraudes patrimoniais e violência patrimonial contra mulheres. Ela esclarece que não há burocracias para encerrar o contrato, caso seja necessário. O tema ainda é recente, mas está ganhando popularidade no Brasil, especialmente em um contexto em que os divórcios atingiram um recorde em 2022, com 420 mil casos registrados, conforme dados do IBGE deste ano.

“A maior complexidade dos relacionamentos, seja namoro, união estável ou casamento, reside no diálogo. Muitas vezes, as pessoas evitam conversar. Há um medo de se expor, de mostrar vulnerabilidades, de compartilhar pensamentos e sentimentos”, conclui Rafaela Câmara sobre a importância do diálogo.

Deu na Tribuna do Norte

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