Das 1.232 medidas provisórias (MPs) editadas pelo governo federal nos últimos 23 anos, apenas seis foram devolvidas à Presidência da República pelo Congresso Nacional. Do total de devoluções, quatro ocorreram entre 2019 e 2024.
O caso mais recente ocorreu na última semana, quando o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devolveu ao governo um trecho da MP do PIS/Cofins, que compensava a perda de arrecadação causada pela desoneração da folha de pagamentos (leia mais abaixo).
O número de MPs devolvidas consta em um levantamento feito pelo cientista político Murilo Medeiros, da Universidade de Brasília (UnB), e verificado pelo Senado Federal a pedido da CNN.
A pesquisa leva em conta todas as MPs editadas entre 2001 – ano em que o Congresso promulgou a Emenda Constitucional 32, que ampliou as regras sobre a tramitação de medidas provisórias – e 2024.
Medidas provisórias são normas com forças de lei editadas pela Presidência da República em casos de alta relevância e urgência. As MPs têm efeito imediato, ou seja, começam a valer a partir do momento em que são publicadas.
No entanto, elas precisam de validação do Congresso Nacional para que sejam sancionadas e tenham efeito definitivo. Caso o Congresso não aprove a MP em um prazo de até 120 dias, ela perde a validade.
MPs devolvidas ao governo desde 2001
MP 669/2015, da presidente Dilma Rousseff, reduzia o benefício fiscal de desoneração da folha de pagamentos concedido a 56 segmentos econômicos, devolvida pelo senador Renan Calheiros. Ele argumentou que aumentar impostos por medida provisória e sem a mínima discussão legislativa seria apequenar o Parlamento, diminuir e desrespeitar suas prerrogativas institucionais e o próprio Estado Democrático de Direito (devolvida na íntegra);
MP 446/2008, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alterava as regras para concessão e renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, devolvida pelo senador Garibaldi Alves, com o argumento de que não atendia aos requisitos constitucionais de urgência e relevância (devolvida na íntegra);
MP 886/2019, do presidente Jair Bolsonaro, tratava da organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, onde o governo delegava a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, retirando esta competência do Ministério da Justiça e Segurança Pública (devolvida parcialmente)
MP 979/2020, do presidente Jair Bolsonaro, permitia ao ministro da educação nomear reitores das universidades federais durante o período da pandemia sem consulta às universidades, devolvida pelo senador Davi Alcolumbre, por ferir a autonomia universitária, garantida pela Constituição Federal (devolvida na íntegra);
MP 1.068/2021, do presidente Jair Bolsonaro, limitava a remoção de conteúdos em redes sociais, devolvida pelo senador Rodrigo Pacheco, por entender que o texto tratava de questões relativas à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, que não poderiam ser tratadas por medida provisória (devolvida na íntegra);
MP 1227/2024, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alterava as regras do uso de crédito do PIS e da Cofins, atingindo diversos setores da economia. Segundo o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso Nacional, as novas regras que impediam o ressarcimento ou o uso desses créditos para pagamento de outros impostos só poderiam valer 90 dias após a publicação (devolvida parcialmente).
Movimento do Congresso
Os números apontam que a devolução de MPs é um movimento atípico, mas que tem se identificado ao longo dos últimos anos. Na avaliação do cientista político Murilo Medeiros, a ação demonstra a intenção do Congresso Nacional em marcar posição sobre a criação de leis.
“É um recado claro que o Congresso envia de que o Executivo não pode usurpar o seu poder de legislar. É um recado de que o governo precisa melhorar sua interlocução junto ao parlamento, de forma a ter um melhor diálogo antes de enviar uma MP de grande impacto para não sofrer derrotas dentro do plenário”, avalia Medeiros.
Nos últimos meses, parlamentares têm feito diversas queixas sobre invasão de competências do Legislativo e sobre a má articulação política por parte do governo.
No fim de 2023, por exemplo, o presidente Lula chegou a editar uma MP determinando a reoneração gradual da folha de pagamentos para 17 setores econômicos, indo na contramão de uma decisão que o Congresso havia tomado sobre o assunto.
A edição da medida gerou uma crise. Deputados e senadores pressionaram o governo sob a justificativa de que uma MP não poderia derrubar uma medida promulgada pelo Congresso Nacional. A pressão fez com que Lula revogasse trechos da MP.
“Isso reflete um Congresso Nacional mais independente e mais proativo na agenda legislativa”, avalia Medeiros.
MP do PIS/Cofins
A discussão sobre devolução de medidas provisórias se agravou na última semana após diferentes bancadas criticarem a MP do PIS/Cofins e pedirem a devolução do texto. Alguns líderes ainda defendem que o tema seja debatido via projeto de lei, para que haja maior envolvimento do Congresso.
Apesar de negar a existência de uma crise com o Executivo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, devolveu parcialmente a matéria. A MP propunha que créditos tributários e de contribuição da seguridade social fossem utilizados para tanto, reduzindo seu uso, por parte de setores econômicos, para pagamentos que não o do PIS e do Cofins.
Ao devolver a MP, Pacheco argumentou que, de acordo com a Constituição, uma regra sobre contribuições só poderia valer 90 dias após a publicação da lei que o prevê, o que não estaria incluído na MP apresentada pelo governo.
Na manhã de quinta-feira (13), Pacheco se reuniu com líderes partidários para discutir alternativas para substituir a MP. Segundo o senador, os parlamentares listaram seis propostas que serão apresentadas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Deu na CNN Brasil