No dia 27 de abril, Eduardo Vilhena de Araújo completou 18 anos. Graças à idade, o jovem escapou de um processo conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF) que poderia levá-lo a um destino semelhante ao de pessoas comuns investigadas criminalmente por “atos antidemocráticos”, “ataque a instituições” e coisas do gênero.
Eduardo é o garoto que, em 12 de dezembro do ano passado, acessou a conta na rede X (antigo Twitter) da primeira-dama, Janja da Silva, e por pouco mais de uma hora postou textos obscenos e xingamentos contra ela, contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e contra o próprio Moraes.
“Eu quero avisar aí que eu estou ciente que a Polícia Federal está investigando isso aqui, eu não tô nem aí. Eu sei que vai dar alguma coisa, talvez não dê, talvez dê, depende do sistema judiciário do país, que é quebrado, e eu sou um cara que julga muito que as leis desse país são frágeis, são uma porcaria e só tem político roubando”, disse, num áudio que soltou na invasão.
No último dia 22, após seis meses de investigação no STF, o ministro decidiu remeter o caso de Eduardo “ao juízo competente”. A família respirou aliviada, pois já começava a achar que, se ficasse no STF, ele poderia pegar penas que chegassem a 17 anos de prisão, como receberam alguns dos que foram presos nos prédios da Corte, do Palácio do Planalto e do Congresso em 8 de janeiro de 2023. Pela lei, isso não seria possível. Como ele era menor de idade à época dos fatos, o processo deve seguir para a Vara de Infância e Juventude do Distrito Federal, onde possivelmente termine, no máximo, com a sanção de assistir a uma palestra e levar uma advertência.
Pela lei brasileira, menores de 18 anos são inimputáveis. Assim, quando praticam alguma conduta tipificada no Código Penal, não cometem um crime, mas sim um “ato infracional análogo ao crime”. Para a tia de Eduardo, que faz sua defesa no caso, injúrias, difamações e calúnias que ele lançou contra Janja, Moraes e Lula foram uma “infantilidade”.
“Ele tem 18 anos, mas não tem maturidade para a idade cronológica dele. Cometeu esse ato bobo no finalzinho da adolescência. Quem é que não faz uma besteira na vida? Se tem homem velho fazendo besteira por aí…”, diz Roseliane Borges de Araújo, a tia advogada que defende Eduardo. Ela é delegada aposentada e durante alguns anos atuou na Delegacia da Criança e do Adolescente em Brasília. Ela diz que desde o início o caso deveria ter tramitado lá, e não no STF.
No gabinete de Moraes, o caso tramita sob sigilo. Roseliane diz que nem tentou obter acesso aos autos, por ter ouvido falar das dificuldades enfrentadas por advogados de outros investigados para conhecer as imputações contra clientes. Ela diz que vai esperar o caso chegar à Vara de Infância, na primeira instância, para saber o que foi apurado.
Eduardo também não sabe exatamente se foi investigado por xingamentos às autoridades ou também por “invasão de dispositivo informático”, crime com pena de 3 meses a 1 ano de detenção, e que pode chegar a 2 anos se o invasor obtém conteúdo de comunicações eletrônicas privadas – em qualquer desses casos, a condenação não leva um adulto à prisão, porque como a punição é baixa, é convertida em prestação de serviços à comunidade e multa.
Eduardo conta por que invadiu conta de Janja
Ele conta que conseguiu invadir o e-mail pessoal de Janja e, com isso, alterar sua senha no X. Segundo Eduardo, o acesso se deu por curiosidade, mas ele diz que não guardou e-mails e mensagens privadas. “Dei uma lida rápida, mas não cheguei a clicar, porque não tinha coisa interessante”, afirmou à Gazeta do Povo.
Questionado sobre o motivo dos xingamentos à primeira-dama, respondeu que “estava meio revoltado com o governo, com a Janja e com o Lula”. “Foi com ódio mesmo e zoação. Eu não tenho nada contra a Janja especificamente, tenho mais contra quem ela representa ali no governo, sempre associo ela à imagem do Lula. Ela é a primeira-dama, mas como é esposa do Lula e tem mais contato, influencia nas decisões que ele vai tomar”, afirma Eduardo.
Ele acrescenta não ter nada contra a defesa de minorias encampada por Janja. “Eu não vejo problema em defender, por exemplo, mulheres e crianças. Mas vejo problema em defender, na situação do Rio Grande do Sul, cavalos e animais, enquanto tem gente alagada morrendo”, diz Eduardo – a primeira-dama também fez postagens nas redes levando ajuda para pessoas, mas ganhou mais notoriedade pelo resgate de cães.
Uma das principais críticas de Eduardo ao atual governo é a posição em relação a Israel. Desde o início da guerra contra o Hamas, em outubro do ano passado, Lula e Janja manifestam críticas recorrentes à ofensiva do governo de Benjamin Netanyahu ao grupo terrorista na Faixa de Gaza, em razão da morte de civis palestinos.
A tia de Eduardo, Roseliane, afirma que ele foi influenciado a fazer a invasão por outros jovens e adolescentes com quem conversava na internet. “Houve aí um ardil. A senha de e-mail dela estava disponível há meses [para hackers], era como se a porta estivesse aberta e alguém tivesse entrado no local. Todos os hackers do Brasil e do mundo sabiam. Foi uma isca que botaram e caiu na mão de um adolescente”, diz Roseliane em defesa do sobrinho. Para ela, outros hackers teriam incentivado e desafiado Eduardo, sabendo que ele era menor e inimputável. Ela acredita que a PF deve encontrar essas pessoas ao vasculhar o computador, dois celulares e pen drives de Eduardo. Os agentes recolheram os equipamentos em seu quarto dois dias após a invasão, por ordem de Moraes.
No momento da invasão, Eduardo citou amigos virtuais, conhecidos por codinomes: Ludwig, Chris Speedwagon, Pinguim, Ecologyc, Rav e Binoxy. Em depoimento à PF, disse que nenhum deles participou da invasão e que os mencionou de forma voluntária. Disse que conversa com eles no Discord, plataforma popular entre adolescentes, conhecida por não impedir a publicação de conteúdo criminoso, inclusive incentivo a suicídio – material que Eduardo garante não curtir na rede social, onde se apresenta com o codinome Smalkade.
Vida pessoal: dentro do quarto
Eduardo parou de estudar no meio do ano passado e desde então diz passar boa parte do tempo no computador, dentro do quarto. Diz que seus temas de maior interesse são política e religião. Quando criança, ia com um tio à Igreja Universal do Reino de Deus, que voltou a frequentar neste ano. Mora num condomínio fechado de casas de classe média em Sobradinho, perto de Brasília, com um irmão mais novo, de 13 anos, que tem autismo severo, com o irmão mais velho, de 23 anos, e com a madrasta, viúva de seu pai de criação, que faleceu em 2018.
Ele foi criado pelo casal, uma vez que a mãe biológica era dependente de drogas, quando Eduardo nasceu. Hoje, segundo a família, ela está recuperada. Segundo Roseliane, Eduardo é tímido. “Não é perigoso, é bobinho, é um menino medroso. Quer ser pessoa influente. Tem conhecimento de informática, mas não sei até onde. Gostaria de ser cantor. Mas personalidade para cometer infração, não tem não”, diz ela, acrescentando que ele e os irmãos nunca cometeram qualquer ilícito nem se envolvem em confusão. A família, diz ainda, é formada por vários servidores públicos. “Ele foi criado num ambiente de pessoas instruídas.”
A PF chegou a Eduardo por meio de um amigo do Facebook, para quem chegou a doar dinheiro por pix, e conhecido artisticamente como “Maníaco”. Suas músicas, divulgadas na internet, como “Mulher gosta de porrada” e “Bíblia Incel”, têm teor misógino.
Dias após a invasão da conta de Janja, discursando para jovens na 4ª Conferência Nacional de Juventude, Lula defendeu uma formação humanista nessa fase da vida.
“Nós precisamos compreender que o que vai levar a gente a subir a escada inteira é a capacidade de discussão política que nossa juventude que está aqui tiver para discutir com a juventude que não está aqui. Aquela juventude que muitas vezes é emprenhada pelos ouvidos pela televisão, muitas vezes é emprenhada pela internet, muitas vezes é emprenhada pela quantidade de desinformações. Vocês sabem que o moleque, o cara que hackeou a Janja, era um moleque de 17 anos? Como é que a gente vai preparar essa meninada que muitas vezes está na internet, pregando violência, abusando de meninas, tentando colocar fotos delas em situações não apropriadas, para poder coagi-las? Quando é que a gente vai reagir?”, afirmou.
O episódio acabou criando mais uma oportunidade para Janja, Lula e outros integrantes do governo defenderem a regulamentação das redes, para forçar as plataformas a impedir, por conta própria, a publicação de conteúdos violentos e ilícitos.
Deu na Gazeta do Povo