Sediado na capital federal, o Supremo Tribunal Federal (STF) paga diárias a juízes que já moram em Brasília. Originalmente destinado a cobrir os custos dos profissionais que precisam sair de seus Estados para trabalhar na capital, o benefício foi estendido aos que já moravam na capital. O penduricalho adiciona mais R$ 10.653,50 aos rendimentos mensais dos magistrados – todos os cinco casos atuais são de profissionais que já recebem mais de R$ 40 mil líquidos em seu tribunal de origem, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
Hoje, o STF tem cinco juízes instrutores que já trabalhavam no Distrito Federal recebendo diárias. Todos são oriundos do tribunal local do DF, cuja sede fica no Eixo Monumental de Brasília, a 12 minutos de carro do Supremo, ou cinco quilômetros em linha reta. Dois deles atuam no gabinete do ministro Edson Fachin, dois com o ministro Cristiano Zanin e um quinto com o ministro Gilmar Mendes – até 23 de maio, Mendes tinha outro juiz instrutor na mesma situação, mas ele já deixou o STF.
Ao Estadão, o STF disse que os juízes do Distrito Federal também merecem o pagamento de diárias por estarem atuando “fora de sua jurisdição”, nos termos da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), mas não indicou em que artigo isso está expresso nessa legislação. Para o Tribunal, a “jurisdição” dos juízes não é apenas geográfica, e sim o local onde trabalham – ao deixar seu tribunal de origem, eles passam a atuar em outra jurisdição. “Os juízes com jurisdição no Distrito Federal também têm direito a diárias porque, ao trabalhar no STF, estão atuando fora de sua jurisdição de origem, nos termos da Loman”, disse a Suprema Corte, em nota. Quando trata de diárias, a lei da magistratura faz a ressalva que os juízes podem receber o adicional “se for o caso”.
Até o ano passado, resolução interna do STF não tratava de pagamento de diárias a juízes que moram na capital federal. Isso porque a regra era só pagar esses valores em caso de deslocamento para outra localidade. No início deste ano, o STF baixou instrução normativa em que foi incluído artigo para liberar o pagamento a esses magistrados que não saem do seu local de residência para trabalhar. Os pagamentos aos juízes de Brasília começaram a partir de um pedido dos próprios, em dezembro do ano passado.
STF paga diárias para juízes que já são de Brasília
O entendimento do STF para bancar o pagamento difere da definição de “diária” na lei dos servidores públicos (Lei 8.112 de 1990), segundo a qual este tipo de verba é paga quando o profissional atua em “outro ponto do território nacional” ou no exterior. O mesmo raciocínio é usado na Lei Complementar do Estado de São Paulo que trata das diárias dos magistrados. Segundo a norma paulista, as diárias são pagas quando os magistrados e promotores trabalham “fora do território da Comarca” original.
A decisão do STF de pagar diárias para juízes que já moram em Brasília destoa de outros tribunais da cidade. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, não há tal pagamento. Já o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou em nota que a regra atual não permite o pagamento de diárias aos juízes auxiliares vindos do Distrito Federal. Recentemente, um magistrado brasiliense cedido ao CNJ recebeu este tipo de pagamento de forma indevida, mas devolveu voluntariamente os valores, disse o órgão.
Ao assumir o posto no STF, os juízes geralmente deixam de ser responsáveis pelos processos em suas comarcas de origem para se dedicar apenas aos casos do Supremo. Continuam recebendo, porém, os salários do tribunal de origem. No caso do TJDFT, todos recebem acima de R$ 40 mil líquidos, após os descontos.
Ao todo, o STF tem hoje 36 juízes auxiliares e instrutores. Em regra, cada ministro tem direito a três profissionais – alguns, como os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, têm um auxiliar adicional. Tanto auxiliares quanto instrutores são responsáveis por tocar a maior parte dos processos na Corte, mas só os instrutores podem praticar atos processuais como, por exemplo, tomar o depoimento de investigados. Moraes costuma delegar essa missão aos juízes instrutores nos casos do denunciados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
Em geral, esses profissionais passam parte da semana em Brasília, trabalhando nos gabinetes dos ministros, e parte em seus Estados de origem. Dos 36 juízes, só dois ocupam hoje apartamentos funcionais do STF em Brasília. Os demais devem optar entre o auxílio-moradia (de R$ 4.158,00) ou as diárias, limitadas a dez por mês. Se todos os 36 juízes receberem as dez diárias “fixas” a que tem direito, o pagamento deste benefício resultará num custo de R$ 2,3 milhões para o tribunal ao longo dos seis primeiros meses deste ano.
Além destas, eles também podem receber outras diárias caso precisem viajar a trabalho. No mês de abril, por exemplo, o juiz Fabio Francisco Esteves acumulou 14,5 diárias – as dez usuais e mais 4,5 por uma viagem a trabalho, resultando em pagamentos de R$ 15,4 mil. Esteves é juiz instrutor do gabinete de Fachin. Em outro caso, o juiz Guilherme Marra Toledo recebeu 30 diárias no mês de março, somando quase R$ 32 mil. Neste caso, trata-se, segundo o STF, de pagamentos retroativos, de diárias às quais o magistrado tinha direito, mas que não foram pagas no período devido.
“Na Lei Complementar (do Estado de São Paulo) 234, de 1980, há uma disposição expressa de que a diária deve ser paga a magistrados e promotores fora do território da comarca”, diz o advogado constitucionalista André Marsiglia. “O art.58 da lei 8.112/1990, que é federal, vai no mesmo sentido: critério geográfico. O 59 da lei chega a dizer que o servidor que receber diária e não se deslocar tem de devolver a diária”, acrescenta ele, que é doutorando em Direito pela PUC-SP. “Então, me parece que não cabe essa interpretação deles (do STF). É uma irregularidade, a meu ver”, diz.
Seguranças chegam a receber R$ 145 mil em diárias
Nos últimos dias, o STF têm sido alvo de críticas pelos gastos com as elevadas diárias pagas aos seguranças dos ministros. Em 2023, por exemplo, o segurança pessoal do ministro Luis Fux, identificado pelas iniciais D.G.M, liderou a lista de pagamentos, com até R$ 145.227,49 em pagamentos – parte do montante é devolvida em caso de cancelamento da agenda do ministro.
Os valores correspondem às ordens bancárias (OBs) lançadas pelo Supremo em nome dos servidores, mas parte desse montante acaba devolvido quando os ministros cancelam as viagens ou voltam antes do prazo previsto. Na ocasião, o STF disse, em nota, que o gasto com diárias vem aumentando nos últimos anos, e atribuiu a elevação do custo ao crescimento das hostilidades enfrentadas pelos ministros – antes, vários dos magistrados viajavam sem seguranças, diz a Corte. O STF também destacou que pagar diárias aos servidores é mais eficiente e menos custoso que contratar seguranças locais no exterior.
Este ano, 11 servidores do STF já ultrapassaram a marca de R$ 50 mil em diárias emitidas, inclusive o segurança pessoal de Fux. O campeão, até agora, é um segurança do ministro Dias Toffoli, com R$ 129,7 mil em ordens bancárias emitidas. Ao todo, o Tribunal já emitiu R$ 3,27 milhões em OBs de diárias este ano – um pouco mais que o valor de todo o ano passado (R$ 3,19 milhões), de acordo com dados do Siafi.
Recentemente, o tribunal pagou R$ 39 mil ao segurança M.R.P, que acompanhou o ministro Dias Toffoli em uma viagem à Inglaterra entre os dias 25 de maio e 3 de junho. No último sábado, 1º, Toffoli acompanhou a vitória de 2 a 0 do Real Madrid contra o Borussia Dortmund, no estádio Wembley, em Londres, na final da Liga dos Campeões da UEFA. O valor pago ao segurança foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo e confirmado pelo Estadão.
Nesta quinta-feira, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, defendeu os pagamentos ao segurança de Dias Toffoli. Segundo ele, esse tipo de acompanhamento constante de seguranças se tornou necessário por conta do aumento da “agressividade e hostilidade” dirigida aos ministros do STF.
“Até pouco tempo atrás, os ministros do Supremo Tribunal Federal circulavam em agendas pessoais e até institucionais inteiramente sós”, afirmou Barroso. “As autoridades públicas de todos os Poderes circulam com esse tipo de proteção seja em eventos privados, seja em eventos públicos. Porque, evidentemente, a agressão ou o atentado contra uma autoridade, em agenda particular ou não, é gravosa para a institucionalidade do País”, disse.
Deu no Estadão