Mercado em ampla ascensão nos últimos anos, o desenvolvimento e produção de games têm se tornado um espaço cada vez mais propenso para o empreendedorismo e empregabilidade no Rio Grande do Norte. De apenas uma empresa existente em 2015, pelo menos 15 atualmente já trabalham com criação de jogos no Estado, segundo dados da Potiguar Indie Games (Pong) e da Pesquisa Nacional da Indústria de Games. Aliado a isso, há também os desenvolvedores independentes. São pelo menos 70 deles, segundo dados da Pong, entidade criada há quase 10 anos e que congrega a comunidade gamer no Estado. Além do avanço no número de empresas, há crescimento e até mesmo internacionalização da mão de obra potiguar, com jogos feitos no RN sendo vendidos e traduzidos para vários países e trabalhadores atuando em outros continentes com o desenvolvimento de jogos.
Segundo interlocutores do setor no Estado, o mercado tem crescido de maneira exponencial, com surgimento de comunidades e grupos de desenvolvedores de jogos a cada dia. O cenário de pandemia gerou um boom para o segmento, em virtude do isolamento social. No Estado, as empresas são pequenas e médias em sua maioria, com a mão de obra sendo feita pelos próprios sócios e com empregabilidade em diversas áreas, como programação, game designer, tradução, roteirização, marketing, artistas técnicos, sonorização e administrativos.
“Na prática qualquer profissão, dependendo do jogo, é abarcada no mercado. Por exemplo, um jogo de medicina pode ter um médico na equipe. Os cargos mais clássicos são os programadores, game designer, artistas, modelagem 3D, música, level designer, etc. É um mercado muito abrangente. A grande vantagem de se empreender é ter a possibilidade de ter esse alcance mundial já no lançamento do jogo”, explica Tiago Fernando Barbosa, um dos coordenadores do Pong e professor do IFRN.
O desenvolvedor aponta ainda que outra mudança importante na legislação foi o Marco Legal dos Games, aprovado recentemente. Ele afirma que houve isenção de IPI para kits de desenvolvimento de jogos, que comumente são caros. “Teremos redução de impostos, CNAEs novos para desenvolver jogos, retira ainda tributos de importação de kits. Por exemplo: até mês passado pagava-se para trazer um kit de Playstation. Ele é cerca de R$ 10 mil dólares, com o imposto em cima disso dá quase R$ 20 mil. Agora quando sancionar a lei vai ter só o custo de se comprar”, explica.
Ecossistema
Para o professor de Realidade Virtual e Jogos Digitais do Instituto Metrópole Digital, Alyson Matheus de Carvalho, o crescimento no Estado também está atrelado a um ecossistema que vem ganhando corpo nos últimos anos, como por exemplo, cursos no IFRN e UFRN voltados para a área e eventos e espaços de debates promovidos pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-RN) em eventos como o GO!RN.
“Estamos num momento muito bom. Há um crescimento exponencial, imagino que isso tudo começa pelas iniciativas de ensino. Temos curso técnico no IMD e graduação com ênfase em produção de jogos, além de um curso no IFRN. Há uma formação de base muito boa que já vem há acontecendo há muitos e está começando a dar resultados. Essa galera já tem experiência, chegando no mercado e lançando jogos”, disse.
“Temos um momento único no Estado para essa área de games. Temos empresas do RN lançando jogos nossos, empresas de fora lançando games com pessoas do RN e potiguares do Estado empregados em empresas gigantesca do mercado global, em jogos como Fortnite. Temos oportunidades para todos os gostos, como empreender, trabalhar localmente e atuar fora. É um momento muito oportuno”, acrescenta Alyson.
Segundo o gerente da Unidade de Negócios, Inovação e Tecnologia do Sebrae-RN, David Góis, o mercado de games “tem se tornado uma alternativa cada vez mais viável para empreendedores no Brasil”.
“O processo de transformação digital é um fator impulsionador, tanto para as empresas que hoje estão no mercado como pelo aumento do processo de digitalização pela própria população, aumentado a demanda por estratégias de gamificação, busca por entretenimento digitais, entre outros; colaborando para o aumento da demanda por jogos locais e regionais, criando oportunidades para desenvolvedores e empreendedores brasileiros”, aponta.
Editais
Outra situação que tem fomentado o desenvolvimento de jogos no Estado são editais de incentivo, como os da Lei Paulo Gustavo. Em Natal, por exemplo, o edital disponibilizou R$ 700 mil via Fundação Capitania das Artes e outros R$ 1 milhão via Fundação José Augusto (FJA).
“Tivemos 4 projetos de R$ 100 mil contemplados, que é um jogo completo, e seis protótipos que é aquele estágio inicial do jogo para desenvolvê-lo para uma publisher, que é uma espécie de editora. No caso do estadual, foram 5 jogos completos de pequeno escopo e outros 10 com ajuda de custo para finalização de projetos”, explica Tiago Fernando, da Pong.
“Antes os jogos dividiam muito espaço com as produções audiovisuais, que são coisas diferentes. O Governo aqui no Estado tem tentado entender essas diferenças e orientar as pessoas no tocante a profissionalização”, explica Kiev Martins, atual produtor da EVO Studio.
Jogos produzidos no RN estão em várias plataformas
Games potiguares têm ganhado cada vez mais o mundo com premiações em eventos nacionais e vendas internacionais. Um desses casos é o Dolmen The Game, lançado para as plataformas Playstation, Xbox e PC, desenvolvido por um estúdio potiguar, a Massive Work Studio. Lançado em 2022, o jogo chegou a ser traduzido para 13 idiomas. A TN apurou que a estimativa é de que foram pelo menos 200 mil cópias vendidas.
Para se ter ideia, o Dolmen contou com a mão de obra de mais de 80 pessoas, algumas delas inclusive de fora do Brasil. Para Kiev Martins, um dos produtores do jogo, há um cenário positivo para o desenvolvimento de games no Rio Grande do Norte. “O RN está crescendo, existem incentivos e pessoas capacitadas tentando se organizar para criar estúdios ou completar vagas exigidas no mercado. O Estado não é o pioneiro, não é maior que São Paulo, mas nos dá orgulho sim”, cita.
Conhecido como “Dark Souls brasileiro”, o game é jogado em terceira pessoa com elementos de RPG, cosmic horror. Nele, o jogador está em um mundo desconhecido e hostil chamado Revion Prime. A principal missão é trazer amostras de um cristal com propriedades únicas, denominados “Dolmen”. Atualmente, a mesma equipe que desenvolveu o Dolmen está atuando em outro jogo, sem perspectiva de lançamento, agora com a empresa EVO Game Studio.
Outro desses exemplos é o jogo Machick, lançado no último dia 22 de março, e que já ultrapassa downloads em mais de 30 países. Desenvolvido pela empresa potiguar No Serius Games, o jogo já tem centenas de downloads na Steam. A dinâmica do jogo, feito apenas para computador, trata-se de uma galinha que tem como objetivo derrotar um exército fortemente armado de sapos antimágicos e “libertar a floresta da destruição”, segundo a descrição do jogo na plataforma.
“Esse foi nosso primeiro jogo comercial, lançamos sozinhos e estamos procurando uma Publisher para divulgação”, explica o sócio e um dos fundadores da No Serius Games, Arthur Câmara. “Empreender com o mercado de jogos é algo muito rentável. Depois da pandemia, no mundo e no Brasil é o mercado que mais cresceu. Com o lançamento do Machick já conseguimos obter renda, com várias cópias sendo vendidas para Estados Unidos, China, Rússia, Canadá, Alemanha”, aponta Arthur. Ele trabalha em uma empresa da Arábia Saudita e acrescenta que a ideia é investir cada vez mais em sua empresa pessoal.
Estúdios de desenvolvimento crescem 3,2%, diz pesquisa
Uma pesquisa divulgada pela Abragames e a Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos (ApexBrasil) mostrou que os estúdios de desenvolvimento de games cresceu 3,2% no Brasil. Atualmente, são 1.042 estúdios abertos no Brasil. A Pesquisa Nacional da Indústria de Games levou em conta dados de 2022 e 2023 e foi divulgada no final de fevereiro.
O Sudeste concentra a maior parte das empresa, 56% ao todo, seguido do Sul (20%) e do Nordeste (16%). Outro dado que chama a atenção é com relação ao faturamento das empresas, uma vez que metade dos estúdios nacionais tem ao menos 70% da verba originada da venda de games fora do país. Além disso, em 2022, 93% dos estúdios nacionais desenvolveram propriedade intelectual própria. Por outro lado, o licenciamento de produtos de terceiros está em queda, o que representa a vontade da indústria nacional de contar as próprias histórias.
Deu na Tribuna do Norte