A pauta proposta pela oposição para reagir ao avanço de operações da Polícia Federal (PF) contra parlamentares – autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) – já encontra resistência dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ela é revelada pelo silêncio mantido por eles até o momento diante de fatos que os oposicionistas classificam como afronta ao Congresso e perseguição à direita. Apesar disso, especialistas acreditam que, mesmo limitado, o avanço dessa reação pode se dar em razão do contexto político mais amplo.
Os projetos que tramitam nas duas Casas, e que serviriam de contenção ao Judiciário sobre a atuação do Legislativo, foram apresentados a Pacheco pelos senadores oposicionistas nesta quarta-feira (31), com a expectativa de que o presidente do Congresso faça consultas a Lira sobre os apelos e ponderações da oposição e dê posicionamento até a próxima sexta-feira (2) sobre quais itens poderiam integrar as prioridades de votações, para serem aprovados ainda neste semestre.
Dentre as propostas está o encaminhamento pela Câmara do fim do foro privilegiado, aprovado há cinco anos no Senado. Outros tratam da limitação dos poderes monocráticos dos ministros do STF, do mandato deles e da autorização legislativa para operações policiais no Congresso. Há também propostas já apoiadas por Lira, no caso de limitar quais partidos podem provocar o Supremo para questionar a constitucionalidade de leis aprovadas pelo Parlamento, e do fim da reeleição, apoiada por Pacheco.
O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), fez questão de ressaltar o caráter institucional e suprapartidário da pauta oferecida, que busca o “reequilíbrio dos poderes e a harmonia na República”. Embora os senadores não tenham revelado toda a lista de sugestões, sabe-se que boa parte dela é formada por projetos já apresentados e que precisam de um acerto entre as duas Casas para se tornarem realidade. “As operações da PF são apenas parte do contexto. A ideia é uma agenda que defenda as prerrogativas do exercício do mandato parlamentar, da inviolabilidade dos mandatos”, disse Marinho.
A operação que teve como alvo o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos) também causou preocupação por evidenciar uma abordagem próxima de outros dois parlamentares, os seus irmãos e também parlamentares de foro privilegiado, o deputado Eduardo Bolsonaro e o senador Flávio Bolsonaro, além do ex-presidente Jair Bolsonaro, que não tem mais foro especial.
Jogo de poder interno condiciona a reação
Para Carol Venuto, sócia da consultoria Ética Inteligência Política, as operações envolvendo os deputados do PL fluminense Carlos Jordy, líder da oposição, e Alexandre Ramagem deram “novo gás” para as tensões entre Legislativo e Judiciário ao longo de 2023 e que se desdobrarão neste ano. De toda forma, ela entende que as reações dos presidentes da Câmara e do Senado continuam sendo emolduradas pelo jogo de poder que cada um protagoniza dentro do próprio Congresso.
Mas a busca pela adesão de Lira e Pacheco a uma reação consensual e coordenada contra o aperto do cerco judicial aos parlamentares próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já sofreu um primeiro abalo logo após os episódios envolvendo Jordy e Ramagem, com o bate-boca entre Pacheco e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que chamou o presidente do Congresso de “frouxo” e “omisso”. Em resposta, o senador cobrou do dirigente partidário esforço para aprovar na Câmara da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os poderes monocráticos do STF, que já passou no Senado, além de insinuar contradição de Costa Neto na forma de abordar abusos de magistrados.
“Os presidentes das Casas, que disputaram protagonismo no ano passado pelo nível de influência no governo e dentro do Congresso, possivelmente se unirão numa pauta comum de recomposição da autonomia do Legislativo frente ao Judiciário”, sublinha Carol Venuto.
Mas a forma como conduzirão essa investida dependerá dos acertos que fizeram para continuar influindo na arena política a partir de 2025. Enquanto Pacheco opera juntamente com o seu principal aliado e candidato à sua sucessão na presidência do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para consolidar o apoio da oposição a uma arrasadora chapa única, Lira, por sua vez, precisa consolidar o seu domínio sobre a Câmara, fazendo o seu sucessor. Pacheco e Alcolumbre sabem que precisam dos quase 30 votos da oposição para garantir uma votação consagradora no começo de 2025.
Leonardo Barreto, cientista político e diretor da Vector Research, acredita que os avanços na pauta do Senado para conter o Judiciário deverão ter, enfim, sua continuidade na Câmara a partir deste ano. Apesar da grande liderança que Lira exerce sobre o Centrão, o especialista entende que os deputados de direita e centro-direita, conectados ao seu eleitorado, redobrarão a cobrança para que o presidente da Casa tenha uma atitude pró-ativa nessa pauta.
“Alguns sinais começaram a surgir, inclusive no que trata do código penal”, ilustra Barreto. “Líderes, como o da bancada ruralista, deixam claro que a aliança entre Planalto e STF exige uma reação do Congresso”, disse.
Atuação de Moraes é tida como risco à democracia
Os oito senadores que se reuniram por duas horas e meia com Pacheco nesta quarta-feira (31) expressaram especial preocupação com a centralidade de “abusos” cometidos por um só ministro do STF – Alexandre de Moraes -, como o Inquérito das Fake News, que se aproxima de completar cinco anos. Nessa toada, apontam diversas irregularidades que, em nome de uma excepcionalidade, tornaram regra o desrespeito à legislação e indicam a atuação de Moraes como uma ameaça à democracia.
“Temos um juiz que emite opiniões políticas, orienta o Executivo, critica as iniciativas para apaziguamento e leva adiante inquéritos originais e derivados sem qualquer perspectiva de término”, observou Marinho.
Para ele, o Congresso tem de reagir para “cessar processos inquisitoriais e permitir a oposição cumprir seu papel de propor alternativas e criticar inclusive o Poder Judiciário, como ocorre em qualquer país livre”.
Informações da Gazeta do Povo