Entenda o que é “violência patrimonial” e como identificar

Vânia Furtado, presidente da Comissão da Mulher da OAB-RN, afirma que não há dados oficiais sobre essa violência no RN / Foto: Divulgação

 

Recentemente casos de grande repercussão na mídia, como da atriz Larissa Manoela, da apresentadora Ana Hickmann, da cantora Naiara Azevedo e da atriz Suzana Werner trouxeram à tona uma forma de abuso silenciosa e muitas vezes mais difícil de reconhecer: a violência patrimonial.

As quatro mulheres, famosas e bem sucedidas em suas carreiras, procuraram as autoridades policiais para denunciar que eram vítimas desse tipo de abuso. O impacto que estes casos causaram no público em geral fez com que as buscas pelo termo no Google crescessem mais de cem vezes, de acordo com o jornal O Globo.

A violência patrimonial atinge mulheres de diferentes classes sociais e costuma vir disfarçado de proteção nos relacionamentos. De acordo com a Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar pode se manifestar de cinco formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Cada uma delas implica em diferentes estratégias de proteção à vítima e formas de aplicação da lei, criada em 2006 no Brasil.

Os casos de violência patrimonial são entendidos como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos da vítima, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

De acordo com a presidente da Comissão da Mulher da OAB/RN, a advogada Vânia Furtado, no Rio Grande do Norte ainda não existem dados oficiais sobre esse tipo de violência, pois os órgãos públicos dão o enfoque na violência física, no caso da mulher, a violência doméstica. Contudo, a presidente ressalta a importância de dar visibilidade a esses casos que estão sendo bastante comentados na mídia.

“A violência patrimonial está sendo pauta e tendo espaço em razão de mulheres de destaque nacional que foram vítimas desse tipo de violência, estarem denunciando”, destaca a presidente.

Como reconhecer


Diferentemente da violência física ou das brigas e xingamentos, que ficam mais expostos, o controle financeiro e a alienação dos bens são mais sutis.

Geralmente, nesses casos, o uso indevido, venda sem autorização ou dilapidação patrimonial ocorrem clandestinamente, sem o conhecimento da vítima. Contudo, um sinal claro de possível abuso é a negativa de acesso ou conhecimento dos bens comuns do casal, como o acesso a contas bancárias.

A recomendação de especialistas é ligar o alerta ao perceber que o acesso a seus bens, salário, equipamentos de trabalho ou qualquer outro benefício material próprio está sendo tolhido, fazendo com que ocorra a dependência financeira do companheiro.

“Muitas pessoas se enganam achando que só é vítima de violência doméstica a mulher que não tem renda própria, mas não é verdade. Está aí o caso da Susana Werner como exemplo. Ela tinha uma renda, porém deixou que o esposo ficasse responsável por administrá-la”, afirma a advogada da área de defesa dos direitos da mulher, Juliana Herrera.

A violência patrimonial pode acabar ficando em segundo plano em relação as demais formas de violência, o que acaba interferindo na autonomia da vítima, e desestimulando a denúncia do caso, explica Juliana.

“Muitas vezes essas medidas que visam o controle da mulher pelo agressor são romantizadas, como se fosse cuidado, e a mulher vai aceitando ir perdendo sua independência, sua liberdade. Começa muito sutil e, quando ela percebe, se vê sem saída, mas ela não está”, afirma.

É importante salientar que violência patrimonial não ocorre só dentro de um casamento. Em agosto deste ano, a atriz Larissa Manoela rompeu com seus pais, Silvana e Gilberto.

Eles administravam a carreira da filha desde que ela era criança. No entanto só repassavam à atriz uma mesada, além de controlarem os gastos de Larissa, que faturava milhões com seus trabalhos.

A violência patrimonial também é tutelada pela lei Maria da Penha, na qual há, inclusive, a possibilidade de denunciar e pedir medida protetiva de urgência nesses casos. Existem, inclusive, medidas de urgência específicas para reaver os bens e valores que tenham sido suprimidos da mulher.

O artigo 24 da Lei prevê que, além da restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor, haja a proibição de expedição de contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial e até a prestação de ação indenizatória e ação de alimentos compensatórios, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a vítima.

 


O que fazer em caso de violência patrimonial

A informação, nestes casos, é uma arma importante, tanto para a prevenção, como para alertar as mulheres que já são vítimas, encorajando-as a procurar ajuda.

“É muito importante divulgarmos mais sobre a violência patrimonial porque as vítimas demoram a perceber que estão sofrendo, seja porque já estão fragilizadas por outros tipos de violência, como a física e psicológica, ou por puro desconhecimento das várias formas de violência patrimonial existentes e praticadas”, acrescenta a presidente da Comissão da Mulher da OAB.

Ela aponta que a vítima deve procurar assistência de um advogado, que vai aconselhar como proceder em cada caso. O passo seguinte é fazer um boletim de ocorrência e, a depender do tipo de violência patrimonial, entrar com a medida judicial adequada.

Também é possível procurar ajuda ligando para o número 180, que irá fornecer informações e dar toda orientação que a vítima precisa, sem a necessidade de entrar com nenhum procedimento judicial, caso ainda não queira.

A advogada Juliana Herrera enfatiza a importância de que a vítima não deixe de procurar ajuda, mesmo que não tenha condições financeiras. “Isso [a orientação judicial] serve inclusive para a mulher que não tem trabalho remunerado. Ela também tem direito a ter formas de custear suas despesas e não precisar pedir ao companheiro dinheiro sempre que precisar pagar algo”, conclui.

Casos de famosas repercutem

Poucos meses após reatar o casamento com Julio Cesar, no último fim de semana, Susana Werner voltou atrás e anunciou o fim do relacionamento de 21 anos com o ex-goleiro. Depois de anunciar a separação, a empresária revelou que o atleta a limitava financeiramente. Segundo a artista, ela era obrigada a receber uma “mesada” estipulada pelo próprio ex-jogador.

Vítima de abuso patrimonial, a artista creditou o fato de ter tomado consciência da violência após a exposição do caso Ana Hickmann. Como se sabe, a apresentadora e modelo enfrenta um processo de divórcio com Alexandre Correa e descobriu que o ex teria desviado R$ 25 milhões das contas do casal, contraído grandes dívidas em seu nome e realizado transações sem informá-la.

Como Ana Hickmann, Suzana também citou possuir dívidas, mas não deu maiores detalhes sobre valores.
Werner também citou o caso da cantora Naiara Azevedo que disse ter sofrido “violência física, moral e psicológica” do ex-companheiro, Raphael Cabral. Naiara teria percebido que sofria de abuso patrimonial quando percebeu “estar sendo impedida de trabalhar”.

A advogada Juliana Herrera aconselha as vítimas a terem autonomia financeira no relacionamento. “É muito importante, para poder deixar mais facilmente um relacionamento abusivo, não só que a mulher tenha uma fonte de renda própria, mas que o dinheiro fique com ela. Senão ela termina por continuar dependendo do companheiro e, por muitas vezes, se vê sem opções quando quer por um fim ao relacionamento”.

Deu na Tribuna do Norte

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