Narcóticos Anônimos: ajuda para adictos ficarem longe das drogas

Os Narcóticos Anônimos surgiram em 1940, nos Estados Unidos. A organização tem mais de 70 mil reuniões no mundo – Foto: Adriano Abreu

 

Cadeiras dispostas num círculo em formato de “U”, uma mesa com um pano azul cheia de livros e folhetos e quadros, avisos e mensagens lembrando o porquê daquelas pessoas estarem ali. Lemas como “Só por hoje”, “Um dia de cada vez” e “Me identifico” são repetidos constantemente. É assim que acontece, diariamente, em mais de 140 países do mundo, as reuniões do Narcóticos Anônimos, grupo internacional que completou 80 anos em outubro de 2023 e tem atuação forte no Rio Grande do Norte. No Estado, são 17 grupos de reuniões, sendo oito deles em Natal.

Nas paredes de um desses grupos, o mais antigo da capital potiguar, localizado no Tirol, é possível observar quadros com as 12 tradições e os 12 conceitos de Narcóticos Anônimos. “O nosso bem-estar comum deve vir em primeiro lugar; a recuperação individual depende da unidade de NA”; “O único requisito para ser membro é o desejo de parar de usar”; “O anonimato é o alicerce espiritual de todas as nossas tradições, lembrando-nos sempre de colocar princípios acima de personalidades” são alguns dos preceitos. Um dos quadros aponta ainda para a frase: “Venho aqui para não continuar fazendo as coisas que depois de feitas não consigo conviver com elas”.

Com autorização dos membros, intitulados adictos, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE acompanhou uma reunião que contou com cerca de 10 membros. O encontro funciona da seguinte maneira: um desses integrantes é nomeado coordenador da reunião, e organiza o tempo de fala de cada membro. Durante sete minutos, o participante expõe o tempo em que está limpo e longe das drogas, relata dificuldades diárias e tem o apoio dos irmãos anônimos. A discrição é um dos pilares mais importantes, segundo eles.

Na reunião, escutando os depoimentos, é possível observar que a ideia é ouvir e ser ouvido e, principalmente, mostrar que a dificuldade passada pelo colega ao lado não é única tampouco irrelevante. “Me identifico”, por exemplo, é uma das frases repetidas. “Obrigado por sua partilha sincera e honesta. Continue voltando o segredo está na próxima!”, é a frase repetida sempre que alguém conclui seu relato.

“Quando eu não servia mais para nada, fui deixado de lado por tudo e todos”, diz um dos membros. “Não é porque eu errei que você precisa errar também”, diz outro anônimo se referindo a uma situação pessoal. “Considero o Narcóticos Anônimos minha segunda família”, aponta.

Segundo um dos membros representantes dos Narcóticos Anônimos em Natal, uma vez participante do N.A, o novo membro busca um “padrinho” ou “madrinha” entre os integrantes, que o ajuda de forma mais intensa e específica a lidar com seus problemas.

“Isso é livre, é por identificação do membro participante”, comenta. “Somos uma irmandade livre, que o integrante vem e vai na hora que quiser. Somos uma irmandade espiritual, não religiosa. O programa funciona pelo desejo da pessoa querer parar de usar. Para o N.A, droga é tudo aquilo que afeta mente e humor em nível de lucidez. A palavra Adicto significa “escravo de”. Eu falo por mim: aqui foi o único lugar que deu certo para mim, em que eu consegui me encontrar e resolver meu problema de uso abusivo de drogas”, lembra.

No RN, existem dois Comitês de Serviço de Área: o CSA Dunas (Natal, Parnamirim, Tibau do Sul e Caicó) e o CSA Potiguar (Macau e Mossoró), que abarcam os grupos. Segundo dados disponibilizados pelo N.A em seu site oficial, os 17 grupos do RN, juntos, promovem 33 reuniões semanais. Há encontros fechados e abertos a visitantes, como pais, cônjuges, filhos e amigos. A chegada em Natal e no RN remete ao final da década de 90.

O N.A não faz restrição de classe social, racial, religião, étnica e gênero. Não há taxas ou mensalidades para ser membro. O N.A não é filiado a nenhuma organização ou instituição religiosa. O grupo se mantém basicamente de doações entre os próprios membros. Não há utilização de terapeutas, espaços para internação nem clínicas.

“Nos mantemos com essa sacolinha. Não recebemos apoio governamental nenhum, vivemos apenas das nossas próprias contribuições”, reforça.

Brasil
De acordo com estudos e dados de 2021 das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), 35 milhões de pessoas de todo o mundo sofrem transtornos resultantes do uso de drogas. Os relatórios de 2021 ainda avaliam que pandemia potencializou riscos de dependência. No Brasil, quase 30 milhões de pessoas têm alguém na família que é dependente químico.

De acordo com pesquisas da Organização Mundial de Saúde (OMS), em média, 6% da população brasileira faz uso de algum tipo de droga, sendo dependente químico. Essa porcentagem caracteriza mais de 12 milhões de pessoas. No Brasil, em 2021, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 400,3 mil atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas e álcool. O número mostra um aumento de 12,4% em relação a 2020, ano com 356 mil registros

80 anos
O grupo Narcóticos Anônimos surgiu a partir do Programa de Alcoólicos Anônimos no fim dos anos 1940, com as primeiras reuniões de NA emergindo na área de Los Angeles na Califórnia, EUA. O programa foi fundado por Jimmy Kinnon (1911-1985), em 1953, um integrante de Alcoólicos Anônimos que observou a necessidade de um grupo para usuário de outras drogas além do álcool. O NA começou como uma pequena organização americana que cresceu até se tornar uma das maiores e mais antigas organizações internacionais deste tipo.

Atualmente, a organização é verdadeiramente uma irmandade mundial, multilíngue e multicultural, com mais de 70.000 reuniões semanais em 144 países. Os livros e folhetos informativos estão atualmente disponíveis em 55 línguas.

No Brasil, o N.A surgiu entre 1972 e 1978, com o nome de Toxicômanos Anônimos, e uniu-se posteriormente à irmandade mundial de NA em 1990. Hoje existem pelo menos 1.500 grupos que realizam 4.200 reuniões semanais.

“Meu projeto de vida é permanecer limpo”

Morar na rua, comer lixo e ficar irreconhecível para amigos e familiares foi o “fundo do poço” para um potiguar de 44 anos. Tendo contato com drogas lícitas e ilícitas desde a juventude, quando bebia cerveja escondido do pai, o monitor de uma clínica se viu em uma situação de praticamente ter sofrido uma overdose. Aos 40 anos, saiu de casa após uma discussão familiar e foi morar na rua, passando por situações constrangedoras. “Antes de te matar, a droga te humilha”, lembra.

“Minha adicção era justamente com relação aos meus comportamentos. Eu mentia muito, tinha contato com festas e isso começou a desencadear experiências com drogas ilícitas. Dos 18 aos 23 anos tive contato com cocaína. Cheguei a tirar rodas do meu carro para fazer ‘jogo’ e percebi que tinha algo errado”, lembra. A situação se agravou quando usou o crack, pela primeira vez.

Atualmente, está limpo há 3 anos e 5 meses, estando na irmandade há dois anos. “Se eu te mostrar a que ponto eu cheguei, você não acredita. Hoje sinceramente não tenho um paralelo de como eu vivia e como estou hoje. Hoje eu aprendi a viver com meus monstros e dificuldades e encarar a vida como ela realmente é. O uso das drogas acaba sendo um refúgio das responsabilidades”, conta.

“Contamos os dias e horas como conquistas”
A perda de um pai somada à separação de uma relação de 20 anos junto com a falência financeira, tudo isso vivido num curto espaço de tempo, foi a soma de fatores que fizeram com que uma microempresária natalense, de 52 anos, tivesse um descontrole com relação às drogas, mais precisamente com relação ao álcool.

“Isso me gerou cinco comas e um afastamento da sociedade, quando fui internada numa clinica de recuperação, que teve um percentual enorme de dificuldades, pois não havia estrutura para lidar com um adicto como eu. Meu problema foi com uma droga lícita, mas para o N.A não existe isso, tudo é droga, desde que altere humor e se precise dela para fugir da realidade. Era isso que acontecia comigo”, lembra.

Ao sair dessa clínica, procurou uma sala de Narcóticos Anônimos e se identificou com depoimentos dos companheiros. Passado esse período, conseguiu se livrar do vício e está limpa há 5 anos e 10 meses.

Deu na TN

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