Os últimos fatos políticos demonstram que o governo Lula atravessa séria crise política.
Entre tantos acontecimentos, se sobressaem o fiasco da reunião dos presidentes da América do Sul e a aprovação, ontem à noite, do projeto de lei que restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nova Constituição federal.
Segundo o texto, que contraria a orientação do governo, para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, deverá ser comprovado objetivamente que elas, na data de promulgação da Constituição, eram ao mesmo tempo habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.
Dessa forma, se a comunidade indígena não ocupava determinado território antes desse marco temporal, independentemente da causa, a terra não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada.
Na reunião com os presidentes da América do Sul, Lula “pisou na bola”.
Usou o evento para promover Nicolás Maduro, recebendo críticas do seu próprio governo.
Até os líderes sul-americanos protestaram, como o uruguaio Luís Lacalle Pou, que estranhou o encontro bilateral antecipado e o endosso de Lula de que a crise democrática na Venezuela é “narrativa”:
“É tapar o sol com a mão”, disse Pou.
O presidente foi admoestado até pelo notório esquerdista Gabriel Boric, presidente do Chile, que afirmou: “Não se pode varrer para debaixo do tapete ou fazer vista grossa sobre princípios importantes. Respeitosamente, discordo do que Lula disse ontem. Não é uma narrativa, é uma realidade, é séria e tive a oportunidade de ver-la nos olhos e na dor de centenas de milhares de venezuelanos que vivem na nossa pátria e que exigem uma posição firme e clara”, afirmou Boric, cobrando respeito aos direitos humanos, independentemente da linha política do governante.
Os gestos políticos do presidente revelam a sua intenção de acenar à esquerda, sobretudo ao enaltecer Maduro, que é defendido por líderes do PT, mas lido de diferentes formas por políticos de partidos mais próximos do centro.
Partidos aliados fora da esquerda veem consequências —como acirramento da polarização e maior dificuldade do governo no Congresso.
Lula precisa convencer-se. de que a maioria parlamentar é de centro direita, mesmo participando do seu governo.
Exigirá da parte dele arte política e nunca sobressaltos como os que vêm ocorrendo.
Se persistir, pagará preço caríssimo.
O mais grave é a previsão de continuidade da crise do governo no Congresso.
Logo mais, o governo tentará mais uma vez aprovar a MP (medida provisória) . que trata da ampliação dos Ministérios.
Há o risco de ela ser derrubada, diante da pressão de parlamentares por mudanças na relação do governo com o Congresso.
Se isso ocorrer, desaparecerão 17 ministérios recém-criados.
Só Deus sabe o que acontecerá na administração federal.
A única coisa que se sabe é a gravidade do momento político, que exige bom senso, equilíbrio de parte a parte – governo e oposição.
Dr Ney Lopes de Souza é advogado, professor titular da UFRN e ex-deputado federal