O bloqueio do Bolsa Família de 1,2 milhão beneficiários do programa neste mês de abril resultou em longas filas e tumulto nos postos de atendimento das prefeituras, criando uma espécie de corrida pelo recadastramento nas principais cidades do país.
A suspensão é resultado de uma ofensiva do governo federal contra possíveis fraudes entre beneficiários cadastrados como famílias unipessoais -compostas por uma única pessoa- no sistema de pagamento do benefício federal, mas que, na realidade, moram junto com outras pessoas.
O objetivo do Ministério do Desenvolvimento Social é combater fraudes, verificando possíveis inconsistências na composição familiar dos beneficiários. Estão na mira os cadastros realizados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) no segundo semestre de 2022.
Segundo o ministério, em março, a entrada de cadastros unipessoais foi 66% menor do que a média verificada em 2022, quando chegaram a entrar quase 500 mil cadastros unipessoais em um único mês.
Para reaver a renda, o cidadão tem prazo de até 60 dias para provar que realmente mora sozinho e tem direito ao benefício. Caso contrário, a partir de julho, o Bolsa Família será cancelado.
Em Salvador, uma fila com cerca de 50 beneficiários de famílias unipessoais tomava as calçadas do entorno da sede da Secretaria Municipal de Promoção Social e Combate à Pobreza, no bairro do Comércio, na manhã desta quarta-feira (19).
Dentre os beneficiários que tiveram o Bolsa Família bloqueado estava a auxiliar administrativa Selma Maria da Silva, 57 anos. Ela afirma que se cadastrou no programa em agosto do ano passado e que não houve nenhuma mudança na sua estrutura familiar desde então.
“Vou repetir as mesmas informações que dei no ano passado. Estou na necessidade, desempregada desde 2020, e o benefício ajuda a me manter”, afirma.
Também estava na fila o ambulante José Nascimento dos Santos, que trabalha vendendo água e picolé nas ruas do centro de Salvador. Ele recebe R$ 600 do programa há cerca de um ano e diz que mora sozinho.
A situação é semelhante em outras capitais. Em Fortaleza, a prefeitura informou que haverá reforço nas esquipes de atendimento para suprir o repentino aumento de demanda.
Ao todo, 160,5 mil beneficiários tiveram o benefício bloqueado para averiguação na capital cearense. A prefeitura mantém 44 pontos de atualização de Cadastro Único com 157 funcionários para atender ao público diariamente.
O Rio de Janeiro também teve relatos de filas maiores do que as habituais em parte dos Cras (Centro de Referência em Assistência Social) nesta semana. Conforme a Secretaria Municipal de Assistência Social, a busca por atendimento mais do que dobrou nas unidades mais procuradas.
Na quarta, a maior demanda estava concentrada nos bairros Santa Cruz, Bangu, Bonsucesso e Penha. A secretaria afirma que implementa ações desde o início do mês para “otimizar o atendimento”, incluindo reforço no número de funcionários e horários estendidos.
Em Recife, a prefeitura informou que, até o momento, não registrou aumento significativo pela procura por atendimento referente ao cadastro do Bolsa Família e que não houve registro de filas nas unidades especializadas.
Na Central do CadÚnico, a demanda é espontânea e não é preciso agendamento. Contudo, nos Cras o atendimento deve ser agendado previamente, por meio da plataforma Conecta Recife.
Diretora de relação institucional e internacional da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Loureiro Carvalho afirma que a estrutura e mão de obra dos Cras não está pronta para lidar com o volume de atendimento previsto, ainda que o bloqueio fosse esperado.
Ela ainda destaca que não se trata exatamente de um recadastramento, mas que o beneficiário é convocado a comparecer ao Cras para assinar um termo de responsabilidade para confirmar que mora sozinho.
“Os órgãos de controle estão cobrando uma explicação de porque houve um crescimento desse tipo de família [unipessoal], ao invés da composição das famílias tradicionais que compunham o Bolsa Família”, diz a diretora.
Em grupos em uma rede social, beneficiários relatam que, às vésperas do saque, encontram a mensagem no aplicativo informando sobre o bloqueio.
Uma beneficiária que pediu para não ser identificada disse que foi convocada e precisou ir duas vezes ao Cras para fazer a atualização do cadastro. Como viu que os dados não haviam mudado no aplicativo, ela decidiu voltar à unidade e pedir um comprovante para poder ir à Justiça caso seu benefício seja cancelado.
Anderson Delgado, 34, compareceu duas vezes ao Cras para regularizar sua situação. Em março, ele conta que seguiu o procedimento, assinou o termo de responsabilidade e conseguiu retirar o benefício referente àquele mês.
No entanto, nesta semana diz que recebeu o aviso pelo aplicativo do Bolsa Família informando que deveria comparecer para regularizar sua situação.
“A segunda vez que fui no Cras, eles disseram que não era viável fazer o recadastramento, porque fazia menos de um mês e que era só aguardar até junho para ver o que ia ser feito. Eu tenho dinheiro de abril para receber e não sei o que eu devo fazer”, diz o beneficiário.
A Prefeitura de São Paulo informou, em nota, que faz a revalidação de famílias com cadastro unipessoal desde novembro de 2022, de acordo com as recomendações do governo federal. Os atendimentos das unidades paulistas são realizados mediante agendamento, mas há a possibilidade de encaixe na agenda caso haja vaga por não comparecimento.
O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome foi procurado pela reportagem para uma manifestação nesta quinta-feira (20).
A pasta informou que a solicitação estava com as áreas técnicas responsáveis, mas não retornou com um posicionamento até a publicação desta reportagem.
Principal programa social dos governos do PT, o Bolsa Família foi reformulado e o novo valor, de no mínimo R$ 600 por pessoa, começou a ser pago em março. O programa substituiu o Auxílio Brasil, criado no governo Bolsonaro também em substituição o antigo Bolsa Família, com alterações como pagamento de valor extra por filhos menores que estão na escola.
Deu no Folha Press