Um dos opositores ao projeto é o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. Ao Estadão, ele afirmou não ser contra barrar supersalários, “inclusive de servidores da Justiça”, mas entende que “mudanças na Lei Orgânica da Magistratura (Loman) devem partir do Poder Judiciário”. O Judiciário, contudo, não enviou nesses últimos quatro anos projeto nesse sentido.
O presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), relatou a colegas ter sido procurado nos bastidores por integrantes de Cortes Superiores que sugeriram a ele “sentar em cima do projeto”. O lobby para barrar as mudanças que pode reduzir o contracheque de juízes, desembargadores e outras categorias do funcionalismo, porém, também tem sido feito à luz do dia.
No dia 18 de agosto, a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, se reuniu com Alcolumbre e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para manifestar “receio de retrocessos” com o texto vindo da Câmara. “Há um equívoco entre o que é verba indenizatória e remuneratória”, disse ela, em texto registrado no site da entidade, que reúne 14 mil associados e é uma das principais associações de juízes do País.
Procurada pelo Estadão, Renata afirmou que cabe ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentar e fiscalizar os pagamentos. “A AMB posiciona-se pela estrita observância dos ditames da Constituição Federal e das decisões do Supremo acerca das verbas indenizatórias”, disse, em nota.
Atualmente, embora exista um teto remuneratório equivalente ao salário de um ministro do Supremo, de R$ 39,2 mil, esse patamar costuma ser “fictício”, porque os vencimentos abrangem “penduricalhos”, como auxílio-livro, auxílio-moradia, auxílio-banda larga, entre outros, fazendo com que os ganhos mensais estourem o teto. São esses benefícios que serão limitados caso o projeto seja aprovado.
Em todo o País, são mais de 500 tipos de benefícios concedidos a servidores, que elevam as remunerações a patamares acima dos R$ 100 mil. Foi o que ocorreu no início do ano no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, quando um magistrado recebeu R$ 274 mil extras em indenizações e “penduricalhos”.
A proposta em discussão no Senado reduz a apenas 32 os benefícios que poderão superar o limite constitucional. As mudanças estipulam, por exemplo, que o auxílio-creche poderá ter valor de até 3% do salário máximo pago a um servidor, o que equivale a R$ 1,178 mil. Será ainda limitada a “venda” de férias a 30 dias por exercício. A medida atinge em especial magistrados e integrantes do Ministério Público que têm direito a 60 dias de férias e recebem o adicional de férias nos dois períodos.
Em ofensiva para manter ao menos parte dos “penduricalhos”, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Geraldo Francisco Pinheiro Franco, enviou ofício a Pacheco no início do mês em que pede alterações no texto aprovado pela Câmara. Na prática, as mudanças sugeridas desfiguram a ideia de dificultar pagamentos acima do teto. Ele quer, por exemplo, o aumento do auxílio-saúde de 5% para 10% do salário, a retirada do limite para o ressarcimento de diárias e a manutenção dos atuais 60 dias para o adicional de férias e para a licença-prêmio. “Longe de constituir um privilégio da magistratura ou dos servidores públicos, o direito à indenização de férias não gozadas ostenta natureza de direito social, não passível de supressão nem mesmo por emenda constitucional”, escreveu o presidente do TJ-SP.
Outra entidade que tem atuado para evitar a aprovação do texto é a Associação de Juízes Federais (Ajufe), que representa todos os magistrados federais de primeira e segunda instâncias, bem como os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo. Para o presidente da Ajufe, Eduardo André Brandão, o projeto aprovado na Câmara restringe direitos do servidor. “É importante ressaltar que benefícios como auxílio-alimentação, auxílio-creche e outras formas de compensação são comuns a todo tipo de trabalhador, não podendo o servidor público ser penalizado por recebê-lo, nem que tenha seus direitos restringidos”, disse ele.
A votação do projeto chegou a ser discutida em reunião de líderes de partidos do Senado há cerca de duas semanas, mas sem definição de quem será o relator. Integrante da CCJ, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) vê falta de vontade em fazer a proposta andar. “Muito difícil pressionar Davi Alcolumbre. Não vejo ninguém pedindo para que o assunto seja pautado”, afirmou.
Nos últimos anos, o Supremo tem agido no sentido de facilitar o “drible” no limite imposto pelo teto constitucional. Hoje presidente da Corte, Fux concedeu em 2014 decisões liminares para que o auxílio-moradia fosse estendido para todo o Judiciário. As decisões só caíram quatro anos depois, após um acordo com o governo Michel Temer, que determinou um reajuste de 16,38% no salário dos ministros do STF.
Em junho, em outra decisão que liberou o estouro do teto, o STF entendeu que funcionários de empresas públicas independentes do Distrito Federal, como o Banco Regional de Brasília e a Companhia de Saneamento Ambiental de Brasília (Caesb), não precisam respeitar a regra.
O relator do projeto na Câmara, deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), disse ter enfrentado pressões para que o texto não fosse votado. “Presidentes de tribunais de contas, de tribunais estaduais, pressão de todo tipo. Eles são poderosos”, afirmou o parlamentar.
Para Bueno, cada dia que o texto fica sem ser votado é algo negativo. “Enquanto não se vota definitivamente eles continuam. Se você olhar o Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, há um mês mais ou menos, já criou mais um auxílio adicional de R$ 12 mil. Eles continuam como se nada estivesse acontecendo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.