O Brasil teve uma queda de 8% nos assassinatos no primeiro semestre deste ano na comparação com o mesmo período de 2020.
Nos seis primeiros meses deste ano, foram registradas 21.042 mortes violentas, contra 22.838 no primeiro semestre de 2020. Ou seja, 1.796 a menos. Estão contabilizadas no número as vítimas de homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesões corporais seguidas de morte.
A queda acontece após um 2020 violento, mesmo com a pandemia do novo coronavírus. No ano passado, o país teve uma alta nos assassinatos após dois anos consecutivos de queda.
Agora, apenas seis estados contabilizam uma alta: dois do Norte (Roraima e Amazonas) e quatro do Nordeste (Maranhão, Piauí, Paraíba e Bahia).
Os dados apontam que:
- houve 21.042 assassinatos no 1º semestre, 1.796 mortes a menos que no mesmo período de 2020
- apenas 6 estados registraram uma alta nas mortes
- o Ceará teve a maior queda: -28,8%
- Roraima registrou o maior aumento nos crimes: 40,4%
O levantamento, que compila os dados mês a mês, faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O que dizem os especialistas
Para Bruno Paes Manso, do NEV-USP, o balanço da variação dos homicídios no Brasil no primeiro semestre de 2021 traz alguns motivos para comemoração e outros de preocupação.
“A queda de 8% é importante, com destaque para o estado do Ceará, que em 2020 tinha liderado o crescimento de mortes intencionais violentas. Neste semestre, foi o que mais reduziu entre as 27 unidades da federação. Houve queda em 21 estados do Brasil, enquanto seis registraram aumentos. Difícil apontar as causas no calor dos fatos, mas a força da pandemia em todo o semestre e o distanciamento social podem ter contribuído para a redução de conflitos nas ruas”, diz.
“Os motivos para o alerta vêm da região Norte. Roraima (40%) e Amazonas (36%) ficaram nos primeiros lugares entre os que mais cresceram, justamente estados onde os conflitos em áreas indígenas foram mais intensos, com suspeita de participação do crime organizado na invasão de terras.”
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que é preciso destinar esforços para a contenção da violência letal na região, que está associada à atuação de organizações criminosas que migraram do Sudeste e passaram a brigar com facções locais. “Ou seja, o problema é nacional.”
Além disso, ela chama a atenção para o arrefecimento do ritmo de queda nos últimos três meses. “Os homicídios ficaram muito elevados no 1º trimestre de 2020 por conta do motim da PM no Ceará, o que fez explodir os assassinatos no estado e aumentar o número nacional”, diz. Em maio e junho de 2020 e 2021, por exemplo, os números de crimes violentos são muito próximos.
Samira também diz que houve uma tendência de queda nos homicídios nos períodos em que o isolamento foi mais rígido.
Maior queda: Ceará
Após um ano violento, com um aumento expressivo no número de assassinatos, o Ceará figura agora como o estado com a maior queda no Brasil.
Parte dessa queda pode ser explicada justamente por um 2020 atípico, marcado pelo motim dos policiais militares em fevereiro. Durante os 13 dias da greve policial, houve 312 homicídios, uma média de 26 por dia (mais de três vezes o registrado na média).
De acordo com a socióloga Ana Letícia Lins, da Rede de Observatórios da Segurança, é importante que, após um ano “caótico”, haja uma diminuição dos indicadores no Ceará. Mas ela alerta: “A gente tem que olhar para esse número com atenção. Temos tido situações que nos remontam à situação de conflito muito intenso, com a ocorrência de chacinas, por exemplo. E chamo a atenção para o caso de Caucaia, que despontou como o município mais violento do Brasil no Anuário Brasileiro de Segurança Pública”.
Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, que teve em 2020 uma taxa de 98,6 assassinatos a cada 100 mil habitantes, a maior do país, teve duas chacinas neste ano e se mantém na cobertura policial da mídia em função das disputas de facções criminosas.
Para o sociólogo Ricardo Moura, do Laboratório de Estudos da Violência, alguns pontos ajudam a entender a mudança de cenário neste ano, como uma série de operações que prenderam chefes das facções, a repressão da comunicação entre chefias nos presídios e nas ruas e uma natural baixa após dois anos de conflito intenso promovido por elas.
Maiores altas: Roraima e Amazonas
Na contramão da maioria dos estados, Roraima e Amazonas aparecem com alta nos índices de violência. Um com 40,4% de aumento e o outro, com 35,6%.
No início do ano, por exemplo, uma série de crimes foi registrada pela polícia em Boa Vista. Em dois dias, quatro homens, sendo três venezuelanos, foram mortos a tiros.
Para a polícia, uma das explicações é a disputa de território pelo tráfico de drogas por grupos de facções rivais. Na semana passada, um trio foi preso suspeito de assassinar cinco venezuelanos por dívida de drogas com traficantes.
Para Nannibia Cabral, mestre em segurança pública, direitos humanos e cidadania e pesquisadora da Universidade Estadual de Roraima, a alta está, de fato, atrelada a uma briga por espaço. “Novas facções venezuelanas têm se instalado com o processo migratório. Essa disputa por espaço, que fomenta a rivalidade, associada muitas vezes a dívidas dos traficantes, colabora sobremaneira para um aumento do número de homicídios dolosos.”
No Amazonas, a Secretaria da Segurança Pública também credita o aumento da violência ao tráfico. Segundo a pasta, 80% dos homicídios no estado são consequência da disputa pelo mercado de drogas.
Para Messi Elmer Castro, mestre em segurança pública, cidadania e direitos humanos pela Universidade do Estado do Amazonas, o problema é que o combate aos crimes violentos não é feito da forma adequada.
“A violência urbana é um problema complexo que engloba diversos fatores para que a gente possa enfrentá-la de modo adequado”, diz. “Há, sim, uma relação muito direta com o enfrentamento das drogas ilícitas. Por isso, é importante que haja uma política sobre as drogas, que possa fazer frente ao modo de tratamento que a gente tem hoje. Enfrentando, com racionalidade, com inteligência, o problema.”
Segundo ele, a população mais vulnerável é hoje a mais impactada por essa dinâmica criminal. “As pessoas mais vulneráveis ficam à margem dos grupos organizados, que exploram esse tipo de atividade. A proposta contemporânea a respeito desse tema é que se tenha uma nova proposta de política criminal sobre as drogas ilícitas, seja no âmbito federal ou na redefinição da jurisprudência.”
Índice nacional de homicídios
A ferramenta criada pelo G1 permite o acompanhamento dos dados de vítimas de crimes violentos mês a mês no país. Estão contabilizadas as vítimas de homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Juntos, estes casos compõem os chamados crimes violentos letais e intencionais.
Jornalistas do G1 espalhados pelo país solicitam os dados, via assessoria de imprensa e via Lei de Acesso à Informação, seguindo o padrão metodológico utilizado pelo fórum no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O governo federal anunciou a criação de um sistema similar ainda na gestão do ex-ministro Sergio Moro. Mas os dados não estão tão atualizados quanto os da ferramenta do G1.
Os dados coletados mês a mês pelo G1 não incluem as mortes em decorrência de intervenção policial. Isso porque há uma dificuldade maior em obter esses dados em tempo real e de forma sistemática com os governos estaduais. O balanço fechado do ano de 2020 foi publicado em abril. Os números deste ano serão divulgados posteriormente.