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Galípolo trinca os dentes
É digna de nota a segurança demonstrada pelo presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, ao defender a política monetária em um evento organizado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso. Para quem foi chamado de “menino de ouro” pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes mesmo de ser indicado para a função, Galípolo tem provado estar à altura do desafio a despeito das pressões que aumentaram e certamente aumentarão ainda mais nos próximos meses.
Se a maioria do mercado aposta que o Banco Central (BC) manterá a taxa básica de juros em 15% até o fim deste ano, boa parte deles prevê que um ciclo de redução da Selic possa ser iniciado ainda no primeiro trimestre de 2026. No boletim Focus, a mediana das projeções estima que os juros chegarão a 12,25% ao fim do ano que vem, período que exigirá nervos de aço dos integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom).
O presidente Lula nunca escondeu a preocupação com o crescimento da economia, mas até o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passou a deixar claro seu incômodo com os juros nos últimos meses. A questão é que o afrouxamento monetário esperado para o ano que vem certamente não será suficiente para alavancar o crescimento econômico em um nível muito além das projeções atuais, de 1,5%, segundo o Relatório de Política Monetária do BC, de 1,80%, conforme o boletim Focus, de 2,2%, de acordo com o Banco Mundial, e de 2,4%, para o Ministério da Fazenda.
É importante, assim, que Galípolo tenha aproveitado o momento para dizer que uma de suas funções, como presidente do BC, é “saber dizer ‘não’” para pessoas importantes. Ele disse já saber que manter os juros em patamar restritivo por certo tempo seria mais difícil que aumentá-los. “A expressão que eu usei foi ‘a gente vai ter que trincar os dentes’. E é isso mesmo”, afirmou, ao lembrar de uma frase que havia dito em dezembro do ano passado, quando o Copom elevou os juros a 12,25% ao ano.
Os indicadores reforçam a prudência do presidente do BC. Mesmo com a Selic no nível mais elevado desde 2006, a inflação resiste a se aproximar da meta de 3%. O boletim Focus mostra que a projeção para o IPCA é de 4,80% neste ano e de 4,28% em 2026, e mesmo para horizontes mais longos, como 2027 e 2028, a previsão é de 3,90% e de 3,70%, respectivamente.
A taxa de desemprego, por sua vez, fechou o trimestre encerrado em agosto em 5,6%, menor nível da série histórica, iniciada em 2012. O resultado, no entanto, se deve mais à queda da taxa de participação no mercado de trabalho do que ao aumento da produtividade, fenômeno praticamente restrito ao agronegócio.
Não resta dúvida de que o BC tem feito sua parte para levar a inflação à meta – e, como Galípolo fez questão de destacar, ao centro da meta, e não ao seu limite superior. O problema é que o Executivo não ajuda em nada nessa tarefa – pelo contrário. A despeito dos questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo insiste em perseguir o piso da meta fiscal, em vez de seu centro, e é improvável que mude de atitude em um ano eleitoral.
Opinião do Estadão