Foto: Wagner Santana/Reuters
Os hotéis de Belém se recusam, há dois meses, a prestar informações ao Ministério da Justiça sobre os preços exorbitantes praticados para a COP30, a conferência sobre clima da ONU (Organização das Nações Unidas) marcada para novembro na capital paraense.
Em documentos aos quais a Folha teve acesso, pelo menos dez empresas do setor não responderam, ao menos em parte, os questionamentos feitos pela Senacon, a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, no processo administrativo que apura possíveis irregularidades nas diárias oferecidas para o período do evento.
Nas respostas, há redes hoteleiras concorrentes que apresentam argumentações praticamente idênticas —e não informam nada.
Em outro caso, um hotel de luxo construído especialmente para a COP (que contou com R$ 20 milhões de uma linha de crédito especial oferecida pelo governo federal) usou o próprio evento e a falta de capacidade da cidade —que o hotel supostamente deveria ajudar a sanar— para justificar diárias de R$ 15 mil, na média.
Procurada, a ABIH (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis) afirmou, por meio do seu presidente no estado, Antonio Santiago, que “certamente [as empresas] estão aplicando uma lei antiga: oferta e procura”.
A infraestrutura de Belém vem sendo questionada desde que a cidade foi escolhida para sediar a COP30 e nas últimas semanas o preço da hospedagem tornou-se o epicentro de uma crise.
Como revelou a Folha, países do mundo inteiro, ricos e em desenvolvimento, assinaram uma carta pressionando o governo de Luiz Inácio Lula da Silva a mudar ao menos parte da conferência para outra cidade.
No documento, os negociadores dizem que “se a COP inteira for mesmo acontecer” na cidade, parâmetros mínimos logísticos devem ser atendidos —condições que devem ser respeitadas “seja em Belém ou em outro lugar”.
Antes, a agência Reuters mostrou que a UNFCCC (o braço de clima da ONU) realizou uma reunião de emergência para tratar do tema.
O presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, vem afirmando que os responsáveis pela atual crise são os preços praticados pelo setor hoteleiro, mas que não há nenhuma possibilidade de uma mudança na sede do evento.
“Acredito que talvez os hotéis não estejam se dando conta da crise que eles estão provocando”, disse em uma ocasião.
“A COP vai ser em Belém, o encontro de chefes de Estado vai ser em Belém e não há nenhum plano B”, afirmou, em outra.
Desde junho a Senacon questiona empresas que atuam em Belém sobre os valores praticados para a COP —há registro de preços 1.000% mais altos que a média comum.
Entre as solicitações feitas pela Senacon aos hotéis estão informações sobre as diárias praticadas normalmente e durante a COP30, e uma justificativa para eventual alteração.
Nos documentos aos quais a Folha teve acesso, o principal argumento para não explicar os valores praticados é que seus contratos e sua política de preço são protegidos por confidencialidade.
Uma das apostas dos organizadores da COP30 para solucionar o problema de déficit de leitos em Belém foi a transformação em hospedagem do antigo prédio da Receita Federal —que pegou fogo em 2012 e desde então, estava inutilizado.
O governo do Pará cedeu a construção para a rede Tivoli criar no local um hotel cinco estrelas, com previsão de investimento de R$ 20 milhões por meio de crédito especial concedido pelo Fundo Gestor do Turismo (ligado ao Ministério do Turismo), via Banpará (o banco do estado do Pará).
Segundo a própria resposta da empresa à Senacon, a diária média para o período do evento está em R$ 15 mil —a suíte presidencial sai por R$ 206 mil.
Em um primeiro momento, a Tivoli afirma que não há como se falar em aumento de preço, uma vez que a rede iniciará suas operações às vésperas da COP.
Depois, afirma porém que o valor se justifica porque “a cidade de Belém não dispõe atualmente de capacidade hoteleira compatível com a magnitude” do evento —que foi justamente o motivo pelo qual foi viabilizado o investimento para a construção do hotel.
E finalmente, decide não explicar a política de preços praticada porque “a divulgação pública de negociações específicas pode comprometer princípios legais”.
Deu na Folha de S.Paulo