Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Eleito com a promessa de ampliar a transparência no governo, o presidente Lula acumula no terceiro mandato episódios nos quais foi imposto algum tipo de barreira para o acesso a informações públicas. Das agendas de compromissos de ministros a documentos relacionados a repasses de dinheiro para estados e municípios, o Executivo tem adotado interpretações da lei para manter dados sob sigilo. Em alguns casos, porém, recuou após recomendações jurídicas.
Em maio, o Ministério da Gestão (MGI) voltou atrás de restringir o acesso a um conjunto de 16 milhões de documentos relativos a prestações de contas de convênios no sistema TransfereGov — plataforma que centraliza dados sobre transferências de recursos públicos. O MGI alegou que os arquivos podiam conter dados pessoais e, por isso, deveriam ser protegidos para que não houvesse descumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A decisão de liberar esse acervo foi tomada após o GLOBO revelar que a Advocacia Geral da União (AGU) tinha entendimento diferente sobre a necessidade de sigilo desses documentos. Procurada, a pasta disse que, após consulta ao órgão jurídico, “foi pactuado o retorno do download de documentos anexos aos contratos e convênios registrados no Transferegov”.
A Secretaria de Comunicação da Presidência afirma que o governo tem “compromisso com a transparência dos atos desta gestão e na administração dos recursos públicos, em consonância com a legislação vigente”.
Desde abril, compromissos públicos da primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, são divulgados, seguindo recomendação da AGU. A norma determina a divulgação de participantes de reuniões, despesas pagas com recursos públicos e viagens oficiais. O entendimento anterior era que, por Janja não exercer função pública, os dados não estariam sujeitos à Lei de Acesso à Informação (LAI).
Mas mesmo obrigados a divulgar suas agendas, integrantes do governo já chegaram a omitir seus compromissos públicos. Pelas normas da Controladoria-Geral da União (CGU), os titulares das pastas têm até uma semana para incluir em um sistema específico as reuniões e eventos dos quais participaram.
Em 2022, quando ainda era candidato, Lula criticou sigilos impostos por seu antecessor, Jair Bolsonaro, e prometeu dar mais transparência à gestão. Na prática, porém, o governo manteve sob sigilo uma série de informações da sua gestão, como despesas com o helicóptero presidencial e com alimentação no Palácio da Alvorada, e até ampliou o uso do sigilo de 100 anos.
Prática recorrente
Entre janeiro de 2023 e 20 de dezembro de 2024, foram 3.210 negativas a pedidos via LAI com base em suposta proteção de dados pessoais, o que, na prática, representa a imposição do sigilo centenário. Houve alta de 8,4% em relação ao mesmo período da gestão Bolsonaro.
A respeito do sigilo de 100 anos, a CGU disse que editou, em setembro de 2024, dois novos enunciados sobre o tema. Um deles determina que o prazo de restrição seja presumidamente de 15 anos, caso não haja indicação expressa de outro prazo. “Cada órgão público é responsável pelo tratamento das informações sob sua guarda, devendo equilibrar a divulgação de dados de interesse coletivo com a proteção dos dados pessoais”, acrescentou.
Professor da FGV, Gregory Michener afirma que a falta de transparência em relação ao governo é algo enraizado no Estado brasileiro:
“O Brasil está ficando mais paroquial e a falta de transparência é reflexo disso. O presidente Lula, enfraquecido no Legislativo, está refém das forças da opacidade”.
Gerente de programas da Transparência Internacional, Renato Morgado avalia que ainda há falhas relevantes no acesso a informações de interesse público, embora tenha havido avanços recentes:
“A persistência de lacunas evidencia a necessidade de aprimoramento contínuo das políticas e práticas”.
Deu no O Globo