Foto: Elpídio Junior
Após quase quatro meses de trabalhos, a CEI das Invasões na Câmara Municipal de Natal caminha para sua finalização. Assim que voltarem do recesso, em agosto, os vereadores deverão votar o relatório final, elaborado por Matheus Faustino (União).
Uma versão preliminar do relatório, obtida pelo AGORA RN, aponta indícios de crimes em ocupações de imóveis públicos e privados na capital potiguar, mas não faz qualquer pedido de indiciamento de pessoas ou entidades. A primeira versão foi distribuída nos últimos dias por Faustino aos outros quatro membros da CEI. Antes da votação final na comissão, o vereador ainda poderá mudar o texto. Procurada, a assessoria do relator disse que o texto só será publicizado após a votação final da CEI.
Instalada no dia 2 de abril, com prazo de 120 dias para conclusão, a Comissão Especial de Inquérito (CEI) foi criada na Câmara com o objetivo de investigar supostas ações ilegais praticadas por movimentos sociais de sem-teto em Natal. O foco principal recaiu sobre o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), acusado de promover invasões coordenadas a propriedades públicas e privadas.
Ao longo da CEI, os movimentos sociais alegaram que não cometem crimes e que ocuparam imóveis abandonados para protestar por moradia e forçar a aplicação do que prevê Estatuto das Cidades – que determina que imóveis devem ter função social.
Sobre as invasões a supermercados, os movimentos alegam que foram protestos por comida.
A versão preliminar do relatório apresentada por Faustino não apresenta qualquer conclusão definitiva sobre autoria de crimes ou pedidos formais para responsabilização dos envolvidos. Ao invés disso, recomenda que outros órgãos aprofundem as investigações.
Faustino, no entanto, viu crimes. “A responsabilização da conduta de invasão, neste contexto, não se configura como repressão injustificada, mas como um imperativo legal e moral para a preservação da ordem urbana, da segurança jurídica e do respeito à coletividade”, escreveu o vereador. No entanto, a única medida concreta sugerida é encaminhar o documento a outros órgãos, como o Ministério Público.
Ao longo do relatório, Faustino menciona reiteradas vezes a existência de “ações orquestradas” por lideranças de movimentos sociais para promover ocupações ilegais. Ele cita, por exemplo, que “existe de fato uma organização estratégica de movimentos sociais representados pelos seus líderes na promoção de invasões, desde a escolha dos locais até a agitação feita com militantes em busca de mais adesão aos atos”.
Em outro trecho, o relator afirma que há “indícios da possível prática de financiamento ilegal dentro de invasões” e menciona que, em determinadas ocupações, pessoas cobravam valores para garantir permanência em terrenos invadidos. “Estava-se cobrando R$ 50,00 por mês para que as pessoas tivessem aquele terreno sendo disponível para elas ocuparem”, relatou uma das testemunhas ouvidas pela comissão, segundo o documento.
Apesar das suspeitas, Matheus Faustino optou por não apontar nomes ou sugerir qualquer responsabilização direta.
Sobre os crimes, o relator cita especificamente esbulho possessório (invasão de propriedade), ameaça, constrangimento ilegal e financiamento informal de ocupações como práticas identificadas nas ações dos movimentos. Em audiência com a Polícia Civil, o delegado Marcos Vinícius afirmou que “nos 26 boletins de ocorrência que existem em relação ao tema de invasões em Natal, a maioria se trata de constrangimento ilegal e ameaça”.
Também são levantadas suspeitas de uso da estrutura de movimentos sociais em campanhas eleitorais, o que poderia configurar crime eleitoral, já que “o MLB também faz publicidade de candidatos, de maneira que até a marca do Movimento é emprestada aos candidatos”.
Grande parte do relatório é dedicada a críticas ao MLB e ao Olga Benário. O relator classificou as ocupações e invasões como “travestidas de movimentos sociais”, afirmando que as ações ferem o ordenamento jurídico e contribuem para o agravamento da vulnerabilidade social.

Em relação às ocupações promovidas por mulheres, como as do Olga Benário, o relatório destaca a insalubridade dos espaços e a presença de homens nas ocupações. “Mulheres e crianças, conforme as fotos mostradas neste relatório, expostas a situações degradantes e insalubres em nome de uma ‘luta’ feita de maneira atabalhoada e em total desconformidade com objetivos reivindicatórios de direitos”, diz um dos trechos.
O relator também sugere que há uso político das ocupações. “Vemos, portanto, muito claramente a ocorrência de uma severa subversão de ideias, onde aqueles que se dizem defender os mais pobres e os que não têm moradia, se aproveitam destes para se locupletarem e para promover interesses mesquinhos de influência e ambição eleitoral”, escreveu.
O relatório insinua relação entre o MLB e a deputada federal Natália Bonavides (PT), citando que advogados ligados à parlamentar teriam prestado apoio ao movimento. Também menciona o uso de passagens aéreas pagas pelo Governo do Estado para líderes dos movimentos, sem, contudo, apresentar qualquer prova de ilegalidade. “Passagem comprada em 04/2024 (pré-campanha), é possível perceber a limitação nas informações”, afirma o documento, destacando a falta de transparência sobre as viagens.
Apesar das insinuações, o relatório admite que “não foi possível comprovar a finalidade das viagens para além do que foi informalmente relatado pelas próprias lideranças dos movimentos”.
A única cifra apresentada no relatório aponta um suposto prejuízo de R$ 3 milhões causado ao comércio local por invasões, com base em estudo da Fecomércio. Mas não há pedido para que esse valor seja ressarcido ou que os movimentos sejam responsabilizados financeiramente. “Normalizar o absurdo é dar um cheque em branco para que esses movimentos continuem a promover prejuízos para todo o setor”, afirma o relator.
No fim, o texto recomenda apenas que os fatos sejam enviados para análise do Ministério Público Estadual, do Ministério Público de Contas e da Justiça Eleitoral, sem indicar nomes ou sugerir qualquer ação específica. Também é recomendado às secretarias municipais e aos órgãos de segurança pública que “intensifiquem a fiscalização e atuação preventiva nas áreas suscetíveis a invasões”.
O vereador Faustino também propõe, na versão preliminar do relatório, “legislação específica para fortalecer os mecanismos de proteção ao patrimônio público e privado contra invasões” e aprimoramento da política habitacional reivindicada pelos movimentos sociais.