Foto: Ricardo Stuckert/PR
Enquanto reforça discurso de soberania nacional frente ao tarifaço imposto por Donald Trump ao Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai mudar o perfil da sua agenda no segundo semestre deste ano. No Palácio do Planalto, a orientação é que ele passe o máximo de tempo possível no país e reduza apenas ao essencial os roteiros internacionais.
A estratégia, que já havia sido delineada antes da sobretaxa de 50% imposta pelo presidente americano, ganhou tração após o anúncio e será colocada na rua a partir de agora. Entre quinta e sexta-feira, Lula percorrerá três estados. Hoje, participará do Congresso Nacional da UNE na Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia. Ao discursar ao lado de ministros e parlamentares de esquerda, reforçará o atual mote do governo, de que o “Brasil é dos brasileiros” e reforçará a importância de taxar os mais ricos para investir na educação.
Em todas as falas públicas em eventos desde que o governo passou a tratar da questão da justiça tributária, Lula reforçou essa retórica, agora endossado pelo discurso de soberania nacional, após o acirramento do embate entre o governo brasileiro e o de Donald Trump. O tom polarizado contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado do líder americano, também integra a estratégia. Petistas avaliam que Lula é “imbatível” na rua e no palanque, especialmente quando está no “modo campanha”.
Depois de falar para os estudantes, Lula embarcará para Juazeiro (BA) para entregas do Novo PAC e do programa Agora Tem Especialistas, estratégia do governo para ampliar a popularidade de Lula na área da saúde. O presidente anunciará a ampliação de turnos de atendimento em policlínicas, ambulatórios e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e parcerias com clínicas privadas.
No dia seguinte, irá ao Ceará para visitar obras de infraestrutura, entre as quais a da Ferrovia Transnordestina. A obra tem conclusão próxima de 70%, recebeu recursos de R$ 3,6 bilhões no final do ano passado e é uma das apostas para ser uma marca de grande porte do Novo PAC. Nas próximas semanas, há previsão de Lula ir ao Piauí para visitar obras de rodovias federais e investimentos em educação de tempo integral.
Desde o final do primeiro semestre, aliados vinham defendendo que Lula concentrasse mais agendas no Brasil do que no exterior. Na época, a ponderação era feita pela percepção de que com as sucessivas crises enfrentadas pelo governo nos meses iniciais de 2025, como Pix, escândalo do INSS e IOF, Lula precisava se concentrar pessoalmente nos temas domésticos e reduzir as investidas internacionais.
Agora, com o embate colocado com o presidente americano e a chance de o governo reforçar o discurso nacionalista, o Planalto vê a chance de reposicionar os esforços de agendas presidenciais para compromissos que mostrem Lula rodando o país. O entorno de Lula quer reforçar a imagem de um presidente “que cuida do país” e está preocupado com o bem-estar dos brasileiros, frente ao acirramento com o ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado do presidente americano. A estratégia do governo é colar a pecha de “traidores da economia nacional” à família Bolsonaro, enquanto tenta explorar as entregas da gestão petista pelo país.
Dentro dessa estratégia, o entorno lulista vê no presidente o melhor “garoto propaganda do governo”, além disso apontam que cada viagem presidencial gera movimento político de deputados, prefeitos e vereadores e sensação de que o governo está “acontecendo”.
Ao longo do terceiro mandato, Lula já visitou 34 países. Apenas em 2025, foi ao Uruguai duas vezes, Japão, Vietnã, Honduras, Vaticano, Rússia, China, França, Mônaco, Canadá e Argentina. Lula também usou esses roteiros para se aproximar dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Ambos integraram a comitiva do petista ao Japão, Vietnã e no funeral do Papa Francisco ao Vaticano, enquanto Alcolumbre também acompanhou Lula à China.
A real necessidade de roteiros para a Rússia, de Vladimir Putin, onde participou dos 80 anos do Dia da Vitória, que marcou o fim da Segunda Guerra, e para a França, a convite do presidente francês, Emmanuel Macron, foi questionada por aliados próximos. Auxiliares, em contraponto, afirmam que todas as viagens de Lula trazem dividendos econômicos e de política externa ao Brasil e que cabe ao próprio governo, em especial ao Itamaraty, divulgar os ganhos de cada viagem.
Ao se concentrar mais na agenda doméstica Lula deverá ir no segundo semestre apenas a encontros que forem considerados imprescindíveis. Na próxima segunda-feira, 21, Lula irá ao Chile para um evento de defesa da democracia. No Palácio de La Moneda, sede da presidência chilena, Lula estará ao lado de Gabriel Boric, do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, do presidente colombiano, Gustavo Petro, e do uruguaio Yamandú Orsi para a “Reunião de Alto Nível Democracia Sempre”.
Em setembro, o petista irá a Nova York, nos Estados Unidos, discursar na abertura da Assembleia-Geral da ONU. Também estão no radar uma possível viagem à cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), na Malásia, em outubro, como convidado especial, e à cúpula do G20 na África do Sul, no final de novembro.
Deu no O Globo