Reprodução/Neofeed
Se o Brasil de fato recorrer à Lei da Reciprocidade e elevar as tarifas sobre produtos americanos em resposta à taxa de 50% imposta por Donald Trump, o impacto sobre a economia brasileira pode ser ainda mais negativo, de acordo com especialistas consultados pela CNN.
Tanto economistas quanto diplomatas afirmam que o governo brasileiro está de mãos atadas e não tem ferramentas eficazes para pressionar Trump. A saída seria tentar negociar uma redução da tarifa, caso contrário o governo corre o risco de a oposição assumir o papel de negociador, no lugar do Itamaraty.
Gabriel Barros, economista-chefe da ARX, projeta que se a tarifa dos EUA ficar em 40%, sem retaliação, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro deve cair pouco menos de 0,2 ponto percentual.
Já se o Brasil retaliar com suas próprias tarifas, o impacto negativo no PIB seria de 0,3 ponto percentual e haveria pressão inflacionária provocada pelo aumento dos preços e pela volatilidade do dólar.
“Isso poderia levar o Banco Central a elevar os juros em até 0,3 ponto percentual”, diz Barros.
Ele acrescenta que, embora a retaliação possa compensar parcialmente a perda nas exportações, ela amplificaria os efeitos negativos sobre o investimento e a inflação, se revelando uma medida contraproducente.
“Seria um erro e acredito que produziria uma nova escalada nas tensões, tornando o tit for tat imprevisível”, diz o economista-chefe da ARX.
De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço, 16% de todos os produtos importados pelo Brasil vieram dos Estados Unidos entre janeiro a junho deste ano, totalizando cerca de R$ 20 bilhões.
Com o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) em 5,35% e a taxa Selic em 15%, os aumentos de preços provocados pela elevação de tarifas para produtos americanos poderiam pressionar ainda mais a inflação e os juros.
Um eventual aumento de tarifas também tende a prejudicar mais o comércio brasileiro do que o americano. Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, tanto em importações quanto em exportações. Já o Brasil é apenas o nono país que mais importa produtos americanos e o 18º país que mais exporta.
Apesar da resposta do presidente Lula, que afirmou que o tarifaço de Trump será respondido com reciprocidade, diplomatas que atuam nas embaixadas brasileiras nos EUA disseram à CNN que não acreditam em uma retaliação tarifária mais significativa.
Eles dizem que o Brasil não está em condições de suportar as consequências de elevar os custos de importações americanas.
Em entrevista ao Live CNN, o ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, Rubens Barbosa, afirmou que o governo brasileiro deveria buscar o diálogo com os americanos. Ele avalia que há um “esvaziamento do Itamaraty” e “o partidarismo e a ideologia têm contaminado a política externa”.
“Todos os países que receberam cartas de Trump estão negociando porque não existe mais regra no mercado internacional, não há alternativa. O único país que pôde se opor foi a China, que é a segunda maior economia do mundo e usou os minerais de terras raras e chips como moeda de troca”, afirma Barbosa.
“O Brasil não tem moeda de troca, então vai negociar o quê?”, questiona.
O ex-embaixador também acredita que a realocação de produtos exportados para novos mercados é uma estratégia limitada porque, em sua visão, o Brasil não é competitivo no cenário internacional.
Ele afirma que produtos como o petróleo e outras commodities poderiam ser redirecionados, mas outros, como as autopeças, não teriam a mesma possibilidade.
“Ou o Brasil estabelece canais de comunicação e inicia uma negociação comercial, ou os opositores vão pedir a redução tarifária por conta própria, Trump vai conceder e a redução tarifária vai ser feita pela oposição”, afirma Barbosa, que observa que o Brasil não tem diálogo com os EUA nem com a Casa Branca, nem com o Departamento de Estado.
Carga tributária no radar de Trump
Romero Tavares, sócio-líder de tributação internacional da PwC e doutor pela Universidade de Viena, concorda que a retaliação pode ser prejudicial e levar a uma escalada tarifária nociva às economias brasileira e americana.
“Trump quer alguma sinalização positiva, nem que seja de narrativa, para poder postergar. Nós já estamos batendo nos Estados Unidos há um bom tempo com as nossas tarifas mais altas. Agora que eles começam a revidar, talvez a gente bata de novo. Estamos em um cenário bem perigoso e bem caótico”, diz o tributarista.
A métrica mais utilizada para comparar o nível de protecionismo de diferentes países hoje é a média simples das tarifas cobradas em produtos importados, calculada pelo Banco Mundial.
O levantamento aponta que o Brasil cobra uma taxa média de 12,4% sobre importações, enquanto os EUA, antes do tarifaço, cobravam uma tarifa média de 2,7%.
“As tarifas dos Estados Unidos eram, em média, baixíssimas, as de outros países são frequentemente menos baixas e as do Brasil altíssimas. Eles sobretaxam itens específicos do Brasil, e uma negociação bilateral poderia resultar em vantagens para ambos”, afirma Tavares.
Segundo ele, recentes posicionamentos do Brasil na área tributária também não ajudam. O Brasil se apressou em adotar o Pilar 2 da OCDE, que prevê um imposto mínimo global de 15% sobre o lucro de grandes multinacionais. O mecanismo é combatido pelo governo americano e, para o tributarista, prejudica o investimento estrangeiro direto e o comércio entre os EUA e o Brasil.
Tavares argumenta ainda que o Brasil mantém uma alta carga tributária sobre lucros das empresas, na faixa de 34% a 45%, e sobre remessas, com o Imposto de Renda na fonte de 15% a 25%.
“O governo também vem propondo novos tributos sobre negócios internacionais: os 10% de IR sobre dividendos; o imbróglio do IOF, taxando da noite para o dia remessas e serviços para os EUA em 3,5%; além da ‘CIDE-remessas’ de 10%. Tudo isso está no radar do Trump. Não é de se admirar que o Brasil já estivesse sob uma investigação comercial nos termos da Seção 301 da Lei americana”, diz o tributarista.
Deu na CNN