Desajuste nas contas: projeções do próprio governo indicam que não haverá espaço fiscal para despesas com saúde e educação. (Foto: Ilustração)
Elaborado pelo próprio governo, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026 trouxe um alerta em suas projeções: já em 2027, primeiro ano da próxima gestão, deve faltar espaço fiscal para despesas discricionárias ou de livre manejo, incluindo os pisos da saúde e da educação e as emendas parlamentares. O cenário se agrava em 2028 e 2029, quando a margem para essas despesas deve ficar ainda menor.
O “apagão” anunciado é resultado de iniciativas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que restabeleceu mecanismos de reajuste automático de despesas que haviam sido extintos em governos anteriores. Entre eles, o aumento real do salário mínimo atrelado ao PIB (que infla despesas obrigatórias com aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais), e a vinculação, às receitas, dos gastos com saúde e educação (que imediatamente transforma aumentos de arrecadação em aumentos de despesa).
Em 2017, durante a gestão de Michel Temer (MDB), o Congresso aprovou a PEC do teto de gastos, limitando o aumento nas despesas governamentais, obrigatórias e discricionárias, à inflação dos 12 meses anteriores. Na prática, a regra congelava o Orçamento, prevendo apenas seu reajuste pela inflação.
No entanto, em 2022, a equipe de transição do governo Lula patrocinou a PEC da Transição (conhecida como “fura-teto”), com a justificativa de que a peça orçamentária enviada ao Congresso por Jair Bolsonaro (PL) inviabilizava a execução de uma série de políticas públicas a partir de 2023.
O projeto autorizou a execução de uma série de despesas fora do limite estabelecido pelo teto de gastos. Com a aprovação da PEC fura-teto e, mais tarde, das novas regras do arcabouço fiscal, os gastos do governo passaram a subir acima da inflação – o arcabouço prevê um aumento das despesas de até 2,5% ao ano. O arcabouço também restabeleceu os pisos constitucionais de gastos com saúde e educação, extintos desde a época do teto de gastos.
A questão é que, como muitos gastos sobem em ritmo bem superior a 2,5% ao ano, o governo é obrigado a cortar outras despesas para não estourar o limite. Com o passar do tempo, a margem para cortes vai ficando cada vez menor.
Ou seja, mais do que uma questão de arrecadação e possível falta de recursos, o problema do próximo governo está no limite do que poderá ser gasto com os orçamentos obrigatório e discricionário. Por isso, muitos analistas veem como inevitável uma nova mudança nas regras fiscais.
De acordo com as projeções que constam do PLDO 2026, a arrecadação vai aumentar em termos absolutos nos próximos anos, ainda que possa ter leve redução em comparação com o PIB. As estimativas são de que a receita líquida da União será de R$ 3,3 trilhões em 2027 (22,93% do PIB), R$ 3,5 trilhões em 2028 (22,65% do PIB) e R$ 3,7 trilhões em 2029 (22,34% do PIB).
A partir de 2027, no entanto, o aumento previsto nas despesas obrigatórias e nas discricionárias, somado à volta dos precatórios para o limite anual de gastos, deve levar o crescimento total das despesas para além dos 2,5% de alta permitidos pelo arcabouço fiscal. Ou seja, não haverá espaço fiscal para o governo atender a todas as demandas.
Conforme relatório publicado em dezembro pela Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado Federal, “o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias e das despesas discricionárias rígidas acaba por consumir todo o espaço fiscal disponível”.
As despesas discricionárias envolvem todo o dinheiro que o governo usa para financiar seus programas e investimentos, incluindo uma parte dos pisos da saúde e educação. Juntamente com as emendas parlamentares, esses pisos são considerados como “despesas discricionárias rígidas”, com execução obrigatória. Ou seja, ainda que pareçam de livre manejo à primeira vista, na prática não são.
Tanto a área da saúde quanto a da educação também recebem recursos dos gastos obrigatórios. A pasta da saúde ainda pode contar com uma parte do montante destinado para as emendas parlamentares – 50% das emendas individuais, por exemplo, devem ser destinadas para ações desse setor.
A estimativa do governo é de que em 2026 haverá R$ 208,3 bilhões para as despesas discricionárias. Desse valor, R$ 131,2 bilhões terão de ser destinados a emendas parlamentares e investimentos em saúde e educação, seguindo o que a legislação determina para cada um. Vão sobrar R$ 83,1 bilhões para outros investimentos.
Em 2027 a dinâmica se altera. O valor necessário para cumprir os gastos mínimos com emendas parlamentares e os pisos de saúde e educação será de R$ 133,1 bilhões. No entanto, o governo só terá espaço fiscal para gastar R$ 122,2 bilhões nessas rubricas, ou seja, R$ 10,9 bilhões a menos que o necessário. E isso sem considerar o que é necessário para financiar outros projetos e investimentos.
Esse espaço fiscal limitado é resultado da compressão imposta pelo avanço mais forte de outros gastos, os obrigatórios (com Previdência, salários e outros, como os precatórios). Uma vez que os obrigatórios avançam muito, o governo se vê obrigado a reduzir as demais despesas para não estourar o limite do arcabouço fiscal, que permite aumento global de até 2,5% acima da inflação.
A situação se agrava em 2028, quando o governo terá espaço fiscal para somente R$ 59,5 bilhões, ante R$ 146,9 bilhões necessários – por lei – para as despesas discricionárias rígidas. Ou seja, vão faltar cerca de R$ 87,3 bilhões para cumprir a legislação que determina tais gastos.
Nada que não possa ser ainda mais agravado em 2029. Naquele ano, o governo vai dispor de apenas R$ 8,9 bilhões, em espaço fiscal, do total de R$ 163,1 bilhões que terá de destinar a emendas, saúde e educação, ou seja, somente 5,45% do total. A diferença é de R$ 154,3 bilhões.
Projeções da IFI alertam para possível apagão fiscal já em 2026
As projeções da IFI indicam cenário ainda mais complicado que o esboçado no PLDO 2026. Nos cenários base e otimista da IFI, a insuficiência de margem fiscal ocorrerá apenas em 2027, como já prevê o PLDO. Nas projeções pessimistas, porém, o apagão nas contas públicas pode ocorrer já em 2026.
De acordo com o cenário mais pessimista, o governo precisaria de ter mais R$ 29,4 bilhões de margem no próximo ano para dar conta das discricionárias rígidas, e de R$ 128,2 bilhões em 2027 – uma diferença de mais de R$ 100 bilhões em relação ao que o governo projeta.
O documento ainda traz a avaliação que a volta do pagamento de precatórios dentro dos limites de despesa (e das metas fiscais) em 2027 irá pressionar a sustentabilidade do arcabouço fiscal.
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Haddad afirma não ter em vista mudanças de rota na política fiscal
Mesmo diante do “apagão” anunciado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não considera fazer modificações na política fiscal do governo. No dia 8, o ministro apresentou os resultados do governo para representantes da agência Moody’s.
Haddad diz ter mostrado o cenário que ele acredita que se repetirá nos próximos anos, “com o cumprimento da meta pelo segundo ano consecutivo, na forma do arcabouço fiscal”.
Ao afirmar que houve surpresa em relação ao resultado do ano passado. Haddad complementou afirmando que havia apresentado “o plano de voo do que está acontecendo” e sugerido que “não tem, no horizonte, nenhuma mudança de rota em relação aos objetivos da política fiscal”.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, já admite que há a necessidade de ajustes estruturais, mas disse que as soluções só devem ser discutidas depois das eleições de 2026, quando o governo precisará “enfrentar essas questões e colocar dinheiro nos cofres públicos, para fazer políticas necessárias ou rediscutir os parâmetros do arcabouço [fiscal]”.
As projeções da IFI e as que constam do PLDO 2026, porém, indicam que o Orçamento de 2027 ficará inviabilizado, pois as despesas obrigatórias e as despesas discricionárias rígidas já seriam superiores ao limite de despesas estabelecido no Novo Arcabouço Fiscal.
Considerando que o Orçamento de 2027 precisa ser enviado antes das eleições de 2026, a única maneira de evitar o descumprimento das regras fiscais vigentes seria alterar o arcabouço ou apresentar um orçamento fictício, com despesas obrigatórias subestimadas, visando ao cumprimento mínimo dos limites legais.
Oposição se manifesta contra inação do governo
Em abril, quando o PLDO 2026 foi divulgado, o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) afirmou que o governo estava “jogando para debaixo do tapete a realidade das contas públicas e transferindo a bomba para o próximo mandato”. “Isso não é responsabilidade fiscal, é má gestão disfarçada de otimismo”, disse.
No início de maio, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça e líder da Minoria na Câmara, deputada Carol de Toni (PL-SC), ao criticar o aumento de cadeiras na Câmara, afirmou que os gastos públicos dispararam.
“O déficit fiscal atinge patamares jamais vistos. A própria ministra do Planejamento admitiu: se não enfrentarmos esse rombo, em 2027 não haverá recursos nem para as despesas básicas do país”, afirmou.
Resta saber qual será a resposta do governo, se solução fictícia, alteração no arcabouço fiscal ou ajuste nos gastos.