Ministros do STF vão além do ativismo e ampliam atuação na política de bastidores

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem intensificado sua atuação nos bastidores da política, expandindo sua influência direta sobre Congresso e Executivo e ultrapassando a esfera do ativismo judicial exercido por meio de decisões formais. A mais recente investida é contra o projeto de lei que propõe anistia aos participantes dos atos de 8 de janeiro de 2023.
A movimentação de ministros da Corte tem incluído jantares, encontros reservados, negociações informais e recados via imprensa para evitar a votação da proposta, que já conta com apoio formal de mais de 257 deputados.
No fim de março, segundo diversos veículos, o ministro Alexandre de Moraes promoveu um jantar em seu apartamento em Brasília com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, além de ministros do STF e membros da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Polícia Federal (PF). Foi após esse jantar que Hugo Motta deixou de defender a anistia como uma prioridade.
Na semana passada, segundo jornalistas que ostentam linha direta por WhatsApp com ministros, alguns dos magistrados classificaram como absurda uma fala da ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT-PR), que havia dado sinais de abertura à discussão sobre redução de penas dos presos do 8 de janeiro no Congresso. A pressão funcionou: no dia seguinte, Gleisi se retratou publicamente, afirmando que sua fala foi “mal colocada” e que qualquer revisão de penas cabe exclusivamente ao judiciário.

Em recados “em reserva” a jornalistas, ministros também têm antecipado o que poderão fazer caso a anistia seja aprovada no Congresso, como forma de pressionar parlamentares. Um deles já sinalizou via WhatsApp a uma colunista que a anistia seria considerada inconstitucional. “Se é inafiançável e imprescritível, o regime é o mesmo do terrorismo, crime hediondo etc. Ou seja, também não pode graça (perdão) nem anistia”, afirmou.
Pedro Moreira, doutor em Filosofia do Direito pela Universidad Autónoma de Madrid, classifica essa relação entre ministros e jornalistas como “vergonhosa”. “São intrigas palacianas, coisas pequenas, fofocas, recadinhos. É realmente algo que está muito abaixo do nível que se exigiria de uma Corte. Veja: como ministros podem pretender decidir questões tão importantes com legitimidade se têm um comportamento como esse, colocando-se como fiadores de intrigas?”, questiona.
Ele também critica os jornalistas que se prestam ao papel de intermediários dos recados, tratando ministros como “fonte autorizada e inquestionável”. “O jornalista vira uma espécie de porta-voz do regime, um jornalista oficialista. Será que isso é ser jornalista?”
Um caso recente reforça esse diagnóstico: no dia 10 de abril, a comentarista Eliane Cantanhêde revelou ao vivo na Globo News que recebeu de “um ministro do Supremo” uma sugestão de pergunta retórica a ser feita a parlamentares defensores da anistia, com analogia sobre a invasão de uma casa.

“Um ministro do Supremo sugeriu que eu fizesse uma pergunta para os parlamentares que defendem a anistia: ‘se invadissem a sua casa, jogassem rojões, paus e barras de ferro em seus funcionários, destruíssem os seus móveis e quisessem que o vizinho tomasse o poder e passasse a comandar a sua família e a sua residência, você pediria anistia?’. E ele complementa a pergunta: ‘mas contra o país e a democracia tudo bem?’. Achei essa pergunta muito interessante para fazer para os deputados”, afirmou a jornalista.
Doze dias depois, na última terça-feira (22), o ministro Alexandre de Moraes reproduziu quase exatamente a mesma metáfora ao votar pela aceitação da denúncia contra Filipe Martins. A coincidência no conteúdo deixa praticamente evidente que foi Moraes quem usou a jornalista como porta-voz informal.
A atuação de ministros do STF em relação ao 8 de janeiro não é um caso isolado. Ela segue uma dinâmica que tem se tornado cada vez mais escancarada ao longo dos últimos anos, com magistrados participando ativamente da vida política do Brasil. Isso aconteceu, por exemplo:

• Em 2021, quando ministros trabalharam junto ao Congresso para barrar a proposta do voto impresso;
Em 2023, quando o STF tirou da manga uma discussão sobre um dispositivo do Marco Civil da Internet para pressionar o Congresso a regular as redes sociais. O assunto perdeu tração após a Câmara rejeitar um projeto de lei nesse sentido, mas pode ser retomado a qualquer momento;
•Em 2024, quando ministros do Supremo participaram de reuniões com representantes dos Três Poderes para tentar mediar o impasse sobre as emendas parlamentares, uma disputa que envolvia o controle sobre verbas federais.

Deu na Gazeta do Povo

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