Eduardo Tagliaferro (de preto) sendo conduzido para uma delegacia da Polícia Civil em São Paulo (Foto: Reprodução/Record News)
Mensagens captadas pela Polícia Federal indicam que o perito Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes, discutia com a mulher e com outro interlocutor a hipótese de que suas conversas com a equipe do magistrado tenham vazado pela polícia ou via Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
Nas mesmas mensagens, aparece ainda outra hipótese, mais grave: de que seu celular tenha sido apreendido, em maio de 2023, para uma queima de arquivo.
A suspeita de que a polícia vazou as conversas de Tagliaferro com a equipe de Moraes foi investigada pela Polícia Federal, mas descartada no relatório final. Até hoje, no entanto, é uma tese levantada pela defesa do perito na investigação de que ele é alvo no Supremo Tribunal Federal (STF).
No inquérito, PF concluiu que foi o próprio Tagliaferro quem teria vazado para a imprensa mensagens com outros auxiliares de Moraes, que mostravam como o ministro encomendava relatórios junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para remover postagens e suspender perfis nas redes sociais.
Tagliaferro chefiou, entre agosto de 2022 e maio de 2023, a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), do TSE, e produzia relatórios em que coletava críticas e ofensas a Moraes, ao Judiciário, ao processo eleitoral e às urnas eletrônicas.
Ele foi demitido por Moraes em 9 de maio de 2023, um dia após ser preso por causa de um desentendimento com a ex-mulher, em casa, em que sua arma disparou. No dia 9, seu celular foi apreendido pela Polícia Civil de São Paulo, que só o entregou quase uma semana depois, no dia 15 de maio. Em vários interrogatórios, a PF tentou descobrir por que o celular ficou apreendido, algo não esclarecido até hoje.
A delegada que atendeu à ocorrência, em Caieiras (SP), alegou à PF que a apreensão não era necessária para esclarecer o disparo da arma. A ordem de apreensão partiu de delegados da Polícia Civil de Franco da Rocha (SP), unidade diferente da que ele foi preso, em Caieiras (SP), onde residia. Celso Luiz de Oliveira, cunhado de Tagliaferro à época, foi quem entregou o celular à polícia.
Desde então, em depoimentos e nas petições da investigação, Tagliaferro e sua defesa sugerem que o vazamento de suas conversas pode ter partido da polícia. Em agosto de 2024, no início da investigação, ele negou à PF que tenha vazado as conversas para a imprensa. Questionado depois sobre quem teria divulgado o material, ele afirmou que não queria acusar ninguém, mas destacou que o “aparelho ficou com o depoente, com o compadre Celso e depois com a Policia Civil de São Paulo”.
Nas novas mensagens, captadas pela Polícia Federal e acessadas pela Gazeta do Povo, essa hipótese aparece, mas também outra: “queima de arquivo”.
Em 21 de setembro de 2024, um mês após tornar-se alvo do inquérito no STF, Tagliaferro encaminhou para sua mulher uma notícia de que a Polícia Militar havia, uma semana antes, ido à sua casa após ser acionada, numa ligação anônima, para uma ocorrência de suicídio. A própria notícia, do site Poder360, informava que os policiais encontraram Tagliaferro bem, junto com sua mãe – ou seja, seria um alarme falso.
Em seguida, Tagliaferro passou a encaminhar mensagens à sua mulher que sugerem uma armação das polícias e da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
“Quero colocar a secretaria de segurança pública de SP em xeque”, diz uma das mensagens. A outra, logo em seguida, diz: “Ora a civil apreende irregularmente um celular… ora a militar disponibiliza 8 viaturas para um crime inexistente (suicídio de pessoa viva)”. “Seria a tentativa de, por todos os lados, queimar os arquivos de um celular e o arquivo vivo de tudo que acontecia lá??”, questiona o interlocutor de Tagliaferro.
Outra mensagem, encaminhada em seguida, é de uma notícia publicada na mídia sobre o interesse da Polícia Federal, na investigação, em saber se polícia de São Paulo acessou o celular de Tagliaferro.
Esse conjunto de mensagens aparece no inquérito como “encaminhadas”, o que indica que eram de outra pessoa, e que foram compartilhadas por Tagliaferro com a mulher.
A Gazeta do Povo procurou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por meio de sua assessoria de imprensa, para tratar do assunto, mas não obteve resposta.
O que dizem os policiais que apreenderam o celular de Tagliaferro
No inquérito da PF, o delegado que mandou apreender o celular de Tagliaferro, José Luiz Antunes, afirmou que recebeu a ordem de um superior hierárquico, Aldo Galeano Júnior. “Aldo disse ao depoente que Eduardo Tagliaferro estava preso, seria conduzido à audiência de custódia e era assessor no Tribunal Superior Eleitoral, então era necessário apreender o dispositivo eletrônico dele, a fim de evitar que terceiros tivessem acesso a dados sigilosos”, diz o depoimento de Antunes à PF.
Aldo Galeano, por sua vez, deu à PF uma versão diferente: de que a apreensão se deu por causa do envolvimento de um policial civil na prisão de Tagliaferro – no caso, um escrivão, amigo do perito, que estava em sua casa quando sua arma disparou.
“Ciente de que a ocorrência envolvia um servidor da Polícia Civil e que a Seccional de Franco da Rocha tem, entre outras atribuições, a apuração de infrações disciplinares, o depoente teve interesse no aparelho celular de Eduardo Tagliaferro, que poderia esclarecer o envolvimento daquele servidor”, diz o depoimento de Aldo Galeano.
O escrivão que registrou a apreensão do celular, Emanuel Motta da Rosa, disse à PF que o aparelho ficou guardado num armário da delegacia de Franco da Rocha durante todo o período da apreensão, entre 9 e 15 de maio de 2023, quando foi devolvido a Tagliaferro.
“Foi informado ao depoente que Eduardo era um assessor no Tribunal Superior Eleitoral, portanto havia a necessidade de apreender o aparelho celular dele”, diz seu depoimento à PF. “Quando recebeu o aparelho, já estava desligado. Colocou o aparelho dentro de um saco plástico e lacrou”, afirmou Motta no interrogatório.
Outro detalhe chamou a atenção da PF. Ao devolver o celular a Tagliaferro, Motta registrou no termo de restituição que, a partir da entrega, o perito “se torna responsável pelos dados contidos no aparelho assim como as consequências de indevida divulgação de dados eventualmente sigilosos”.
O escrivão foi questionado sobre o motivo desse enunciado no documento, incomum. “O depoente afirma que fez constar por iniciativa própria esta expressão, não recebeu ordem de ninguém. Afirma que o fez em razão de saber que Eduardo Tagliaferro não era mais servidor do TSE, que havia sido exonerado em edição extra do Diário Oficial do dia 09.05.2023, além de Eduardo demonstrar estar contrariado com a situação e declarado que possuía os dados ali contidos”.
“Questionado se houve a intenção em preservar a Polícia Civil quanto à divulgação dos dados contidos no aparelho celular de Eduardo, afirma com veemência que não, pois o aparelho ficou intacto durante todo o período que esteve sob a custódia do órgão de segurança. O objetivo, segundo o depoente, foi alertar Eduardo que a responsabilidade era dele, a partir daquele momento e, sobretudo, por ele ter dito que possuía os dados do dispositivo eletrônico”, afirmou ainda o escrivão em seu depoimento.
A PF verificou que não houve extração e perícia dos dados do celular de Tagliaferro nos sistemas oficiais da Polícia Civil de São Paulo, e por isso descartou a hipótese de que a corporação teria vazado as conversas de Tagliaferro com Airton Vieira e Marco Antonio Vargas, juízes auxiliares de Moraes, na época em que trabalhou no TSE.
No último dia 9 de abril, Moraes, como relator do inquérito sobre Tagliaferro, rejeitou um pedido da defesa para que a PF questionasse novamente o delegado José Luiz Antunes, “para responder se o aparelho foi ou não entregue a ele aberto (desbloqueado)”, “se ele repassou o aparelho aberto a mais alguém” e se o procedimento de apreensão foi regular.
O ministro negou o pedido, sob o argumento de que “a atividade investigativa não é pautada pela Defesa, mas pela autoridade policial, a quem cabe conduzi-la, determinando as diligências pertinentes à completa elucidação dos fatos investigados”.
Outras mensagens indicam que Tagliaferro tinha medo de Moraes e intenção de deixar o país
Além dessas mensagens, reveladas com exclusividade pela Gazeta do Povo, outras indicam que o perito tinha medo do que Moraes poderia fazer com ele. Demonstrou temor em ser preso ou até morto caso revelasse informações sobre seu período como assessor do ministro no TSE. Em conversas com a esposa, entre março e novembro de 2024, ele expressou vontade de expor tudo o que sabia, criticando duramente Moraes e mencionando preocupação com a família.
Os diálogos extraídos de seu celular foram divulgados publicamente pela PF, apesar de conterem conteúdo privado. Sua defesa afirma que ele não cogita deixar o país, nega irregularidades e critica o uso das mensagens fora de contexto.
Outras mensagens revelam que Tagliaferro chegou a discutir com o jornalista Oswaldo Eustáquio medidas para deixar o Brasil. Eustáquio está na Espanha. Em uma videochamada, os dois debateram possibilidades de o perito deixar o Brasil, em meio à investigação do STF. Durante o diálogo, Eustáquio oferece ajuda para que Tagliaferro se mantenha fora do país, enquanto o ex-assessor de Moraes demonstra preocupação, mais uma vez, com o sustento da família.
Parte das conversas, antes públicas em uma pasta da PF, foi removida da internet após questionamento da imprensa. Tagliaferro foi indiciado por violação de sigilo funcional, e o caso aguarda decisão da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Deu na Gazeta do Povo