Cresce número de brasileiros que pegam empréstimos para apostas on-line, aponta pesquisa

Há casos de apostadores contumazes que chegam a desembolsar acima de R$ 50 mil para jogar, antes de recorrerem a empréstimos | Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

 

O crescimento exponencial do mercado de apostas esportivas no Brasil pode elevar o nível de endividamento da população. Segundo uma pesquisa realizada pela fintech Klavi, 30% dos brasileiros com contas em bancos já buscaram empréstimos nos últimos 12 meses para financiar apostas em ‘bets’. Procurados, os representantes das empresas não responderam ao pedido de entrevista.

A empresa analisou o comportamento de crédito de 5 mil clientes de todo o território nacional para entender como o público gastava em sites de apostas e jogos de azar via aplicativos. A companhia usou seu banco de dados e informações obtidas por meio do Open Finance para compilar as informações de forma anônima. Ela verificou o extrato dos correntistas, separou os demais gastos e comparando com os pagamentos feitos a CNPJs vinculados a empresas de apostas.

O levantamento mostra um perfil de aposta variável por indivíduo. Dos correntistas que fizeram empréstimos para custear os jogos, o gasto médio por apostador foi de R$ 1.113,09. Porém, em alguns casos, os valores são maiores. Para 5% das pessoas que realizaram apostas, os valores gastos com as bets foram em torno de R$ 4 mil, enquanto em casos mais extremados, há casos de apostadores contumazes que chegam a desembolsar valores acima de R$ 50 mil nas apostas, antes de recorrerem aos empréstimos bancários.

De acordo com o levantamento da Klavi, 58% dos clientes que buscam crédito na praça para apostar são homens. Ao todo, 47% das pessoas têm entre 35 e 49 anos, enquanto 28% pertencem à faixa etária que vai de 26 a 34 anos. Quanto à região, a pesquisa mostra que 60% desse público está localizado no Sudeste do País; já os demais, têm uma distribuição igualitária entre os Estados.

A pesquisa mostra que 64% dos entrevistados ganham de um a três salários mínimos, ou seja, de R$ 1,4 mil a R$ 4,2 mil. Desse total, 40% deles trabalham com vínculo empregatício CLT. “As pessoas gastam com as apostas e ficam inadimplentes”, diz o CEO da Klavi. Ele alerta que as apostas não estão sendo feitas com “dinheiro que sobra”, mas sim, com a alavancagem pessoal, através de empréstimos.

Quanto aos valores do crédito solicitado, a companhia revela que a maioria busca quantias relativamente baixas, variando entre R$ 500 e R$ 4 mil. Os números indicam uma relação preocupante entre o comportamento de apostas e a necessidade de crédito, sugerindo que, para muitos, o custo do jogo pode estar diretamente relacionado à busca por auxílio financeiro.

Os jogos online foram liberados no Brasil em 2018, quando o então presidente Michel Temer assinou um decreto autorizando a operação das bets no País. De lá para cá, as casas de apostas proliferaram rapidamente, alcançando algo na casa de 2 mil empresas no mercado. Esse número deve cair consideravelmente a partir de 1º de outubro, quando as bets que não regularizaram sua situação serão proibidas de operar.

Calcula-se que o mercado de bets já movimenta R$ 100 bilhões no País, o que representa quase 1% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo projeções da Strategy & Brasil, consultoria estratégica da PwC. Isso tira dinheiro do consumo e impacta o desempenho do varejo doméstico.

BC: 15% das transações são por cartões de crédito
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, revelou que as transações de apostas online realizadas com cartões de crédito correspondem entre 10% e 15% do total movimentado pelos brasileiros nesse setor. Ele ressaltou que o método de pagamento mais utilizado atualmente é o Pix, enquanto a taxa de inadimplência no cartão de crédito se mantém estável, abaixo de 4%. Campos Neto também comentou que o uso de cartões de crédito para apostas pode ser subestimado, uma vez que transações feitas por meio de carteiras digitais não são facilmente rastreáveis.

Ele enfatizou que a responsabilidade sobre as apostas não recai sobre o Banco Central, que atua apenas como um suporte ao governo, fornecendo dados e monitorando os efeitos das apostas no endividamento da população. Um levantamento realizado pelo Banco Central indicou que, em agosto, beneficiários do Bolsa Família destinaram R$ 3 bilhões em apostas utilizando o Pix. Esse montante representa 20% do total de recursos transferidos pelo programa no mesmo mês.

Entre os 20 milhões de beneficiários, cerca de 5 milhões participaram de apostas, com um gasto médio de R$ 100 por apostador. Além disso, a pesquisa revelou que a maioria dos apostadores, cerca de 70%, são chefes de família. Essa informação levanta preocupações sobre o impacto das apostas na gestão financeira dessas famílias, especialmente em um contexto onde o endividamento pode ser um problema crescente.

Audiência pública
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), convocou audiência pública para o dia 11 de novembro para discutir a lei que regulamenta as apostas esportivas online, conhecidas como “bets”. A audiência será realizada no âmbito de ação proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) que pede a declaração de inconstitucionalidade da “Lei das Bets”, sancionada no final do ano passado.

“Diante da complexidade e da natureza interdisciplinar do tema, que envolve aspectos de neurociência, econômicos e sociais, considera-se valiosa e necessária a realização de audiência pública na presente ação direta, de sorte que esta Corte possa ser municiada de informações imprescindíveis para o deslinde do feito”, afirmou Fux no despacho, publicado nesta quinta-feira (26).

Ele convidou a participar da audiência os presidentes do BC, Roberto Campos Neto, do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), além do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outras autoridades. A CNC pediu a suspensão imediata da lei sob o argumento de que “está causando graves impactos sociais e econômicos”. Fux, contudo, decidiu não analisar o pedido de liminar e remeteu o caso para julgamento no plenário.

Ele abriu prazo de cinco dias para autoridades prestarem informações. Depois a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República terão cinco dias para se manifestar. Especialistas, entidades reguladoras, órgãos governamentais e representantes da sociedade civil podem se inscrever para participar da audiência até as 19 horas de 18 de outubro. Os requerimentos devem ser encaminhados para o endereço de e-mail adi7721@stf.jus.br.

 

Deu na Tribuna do Norte

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