Os jogos da Venezuela atraíram bons públicos na recente Copa América de futebol, disputada nos Estados Unidos. Mas os torcedores não eram turistas que decidiram viajar ao exterior para acompanhar a seleção Vinotinto, forma carinhosa como a equipe nacional é conhecida no país. A legião que incentivava o goleiro Romo e os atacantes Randon e Soteldo, entre outros nomes conhecidos, era basicamente formada por venezuelanos que migraram a fim de escapar dos efeitos predatórios produzidos pela ditadura de Nicolás Maduro, no poder desde 2013.
Neste domingo (28), quando cerca de 20 milhões poderão votar, a mais elementar das dúvidas é sobre o quanto vale o princípio basilar do “quem ganha, leva”. Na Venezuela de instituições subservientes ao tacão de um ditador bufão, o intervalo de seis meses entre a proclamação do veredito das urnas e a posse do eleito tanto pode significar o salto para um futuro de volta à normalidade democrática, quanto para a radicalização de uma autocracia cada vez mais explícita.
É importante não esquecer que a outrora estável democracia venezuelana começou a ruir há 35 anos, quando os protestos conhecidos como Caracazo abalaram o governo de Carlos Andrés Pérez. Pouco depois, um coronel de discurso nacionalista chamado Hugo Chávez liderou um motim que tentou derrubar o governo. Preso em 1992, Chávez foi anistiado dois anos depois pelo presidente Rafael Caldera. No final de 1998, em meio à crise econômica, o coronel se elegeu presidente, inaugurando o chavismo, que rapidamente incorporou temas caros à esquerda nacionalista.
A reação conservadora não tardou e veio da pior forma. Em abril de 2002, um golpe liderado pela Fedecámaras, uma espécie de Fiesp local, derrubou Chávez. Rapidamente, o líder da entidade, Pedro Carmona, dissolveu o Congresso e anunciou eleições para o ano seguinte. O contragolpe foi quase que imediato. Em apenas três dias, o presidente constitucional estava de volta ao poder. Mas o saldo da aventura foi a fissura da democracia, das instituições e do tecido social.
Desde então, Chávez radicalizou, acumulou poderes e Maduro, sem o inegável carisma do antecessor, fez do país uma autocracia que se su stentou por meio de ameaças, censura, cooptação das forças armadas e eleições de cartas marcadas, desfalcadas dos opositores mais populares. Com a economia em frangalhos, a Venezuela assiste a um êxodo dramático. Estimativas internacionais apontam que mais de sete milhões de pessoas abandonaram o país nos últimos anos. Os maiores contingentes se abrigaram na Colômbia, Peru, Brasil e Estados Unidos, pela ordem.
A destruição política e econômica do país fez com que até mesmo governantes vizinhos de tendências à esquerda se afastassem do regime de Maduro. O jovem presidente chileno Gustavo Bóric é um exemplo. Mas a guinada mais saudada pela oposição venezuelana é mesmo do presidente Lula. Maior liderança contrária ao chavismo, a deputada Maria Corina Machado, reconheceu mudanças nas posições de Lula. “Acho que o presidente Lula fez declarações muito importantes e oportunas nesses últimos dias….e creio que também com relação a mim”, disse a ela.
No X, o velho twitter, Edmundo González foi na mesma linha. “Agradecemos as palavras do presidente Lula em apoio a um processo eleitoral pacífico e amplamente respeitado na Venezuela”. O fato é que Maduro e a ditadura que comanda se tornaram aliados tóxicos para qualquer político, especialmente para um governante de país democrático. Lula certamente sabe disso. Percebeu ainda no período das ameaças desferidas na direção da Guiana que o aliado de outros tempos, mais do que nunca, havia se tornado indefensável.
No caso de Lula, apoiar a redemocratização da Venezuela não apenas é a única alternativa correta, como livrará o brasileiro de uma incômoda e persistente nódoa em seu currículo de democrata. Uma retumbante vitória de Edmundo Gonzalez é tudo que Lula certamente deseja.