MP de Lula pode aumentar conta dos brasileiros em mais de R$ 2 bilhões por ano| Foto: Lucas Santos/Unsplash
O governo Lula publicou em 13 de junho uma medida provisória que beneficia o grupo J&F, cujos donos são os irmãos Joesley e Wesley Batista, e que vai onerar os consumidores por 15 anos com aumento no custo da energia elétrica. O impacto pode superar R$ 2 bilhões por ano.
Isso porque a Âmbar, braço de energia do grupo, comprou no mês passado 13 usinas da Eletrobras, sendo 12 delas da Amazonas Energia que estavam com cerca de R$ 10 bilhões de dívidas. Três dias depois, o governo publicou a MP 1.232/2024 que prevê que os contratos de fornecimento das térmicas sejam convertidos em contratos de energia de reserva (CER), quel é rateado entre todos os consumidores do país. Com isso, o custo das térmicas deixa de ser arcado pela Amazonas Energia
O socorro dado ao caixa da Amazonas Energia com a MP zerou o risco da compra das usinas. A Eletrobras se livrou da inadimplência bilionária, os irmãos conseguiram uma compensação única para o negócio e a população paga a conta.
Ministro nega ter dado informação privilegiada
O ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira, negou nesta sexta-feira (12) que tenha dado informação privilegiada à Âmbar sobre a medida provisória. Segundo ele disse que as datas da venda e da MP foram “mera coincidência”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Representantes da Âmbar teriam sido recebidos 17 vezes no ministério antes da compra e da MP, de acordo com o jornal paulista. A última visita teria sido em 29 de maio – uma semana antes da medida sair -, quando o presidente da Âmbar, Marcelo Zanatta, acessou o ministério pela entrada privativa do órgão. A visita não consta na agenda do ministro.
O ministro negou ter tido reuniões formais com Zanatta fora da agenda oficial. Silveira classificou a situação como um “choro dos perdedores”, pois, segundo ele, havia mais de dez interessados nas usinas. Disse, ainda, que as regras da medida provisória já estavam prontas e publicadas no site do ministério desde fevereiro.
Além de transferir a conta para os consumidores, a MP prorrogou por 120 dias o prazo para a Amazonas Energia registrar perdas sem punição. E, no caso de “eventual intervenção administrativa instaurada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)”, poderá haver transferência do controle societário.
O ministro disse que “é uma desinformação completa, absurda e total, e beira a irresponsabilidade” dizer que os R$ 9 bilhões que estão sendo discutidos entre a Eletrobras e a Amazonas Energia serão repassados ao consumidor brasileiro.
“Nem um centavo será repassado ao consumidor, está sendo feito o contrário disso: […] passamos o custo dessas térmicas do consumidor regulado, que é o consumidor da classe média e pobre, e dividido ele para o consumidor livre, ou seja, pra grande indústria nacional”, afirmou.
Silveira disse, em entrevista a jornalistas na tarde desta sexta-feira, que “nenhum jornalista setorista o procurou para falar sobre a MP de regulação e flexibilização da Amazonas Energia”. A Gazeta do Povo entrou em contato com o Ministério na quarta-feira (10) pedindo esclarecimentos sobre o caso.
O especialista em energia e diretor-executivo da Negócios de Energia Associados (Neal), Edvaldo Santana, publicou uma postagem em seu LinkedIn em que questiona os motivos pela qual a Eletrobras venderia as usinas, se a solução, via MP, resolveria a inadimplência: “Mesmo que as UTEs (usinas termelétricas) não fossem vendidas, alguém (a Eletrobras) seria beneficiado com a MP. Aliás, a Eletrobras se livrou de um ‘primo-irmão’ indesejável, inadimplente e fez dinheiro com UTEs cujo destino, para ser carbono zero, seria o ferro-velho”, disse Santana, que também é ex-diretor da Aneel e professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Segundo ele, a MP pode ajudar a resolver a questão da dívida e trazer investimentos, contudo, não resolve o problema da Amazonas Energia de alto volume de furto de energia – que corresponde a mais de 70% da energia injetada na rede. “Como o negócio da Âmbar, do grupo J&F, é a venda de energia de suas UTEs, não tem porque a Amazonas Energia se empenhar para reduzir o furto”, diz ele, que acrescenta: “Um detalhe, até o furto de energia será subsidiado, pelo menos por um tempo”.
Ministério Público, Tribunal de Contas e deputados pedem explicações
Os deputados Evair Vieira de Melo (PP-ES) e Cabo Gilberto Silva (PL/PB) protocolaram equerimentos cobrando explicações do ministro sobre a medida provisória e em que circunstâncias esse contrato foi firmado. Um deles solicita ao Tribunal de Contas da União (TCU) a investigação de indícios de favorecimento indevido na compra realizada pela Âmbar.
O Ministério Público junto ao TCU também pediu a avaliação da MP 1.232/2024 para investigar se a mesma estaria beneficiando indevidamente a Âmbar. Na quinta-feira, eles emitiram um requerimento para investigar esta compra e e uma realizada por outra da empresa do grupo J&F .
A averiguação faz parte de uma solicitação dos deputados para pedir suspensão em caráter cautelar de um outro acordo entre o governo e a Âmbar, feito em 2021, para avaliar irregularidade “supostamente lesivo ao interesse público”.
A Âmbar deveria ter construído quatro usinas termoelétricas quando o país passava pela crise hídrica, mas não entregou no prazo. Em vez de o contrato ser reincidido e ser cobrada uma multa de R$ 6 bilhões de multa, a empresa manteve o acordo e será punida por apenas R$ 1,1 bilhão, segundo a revista piauí.
Não é de hoje que acontece um movimento mais próximo dos irmãos com o atual governo. Joesley e Wesley Batista são donos da J&F, controladora da Âmbar e do frigorífico JBS. Em 2020, o Ministério Público Federal denunciou ambos por esquema de corrupção.
Venda de usinas para grupo dos irmãos Batista e MP ocorreu em menos de uma semana
Em 7 de junho, Silveira, enviou a MP 1.232/2024 para a presidência sob a justificativa de proteger a concessionária do Amazonas da “severa situação econômico-financeira”.
Segundo a MP, “[a empresa] dentro de pouco tempo, deixará de contar com flexibilizações previstas no contrato de concessão e na legislação que viabilizaram o processo de licitação, o que agravará ainda mais as suas dificuldades”.
“A proposta possibilita a troca de controle societário conjuntamente com medidas que assegurem a sustentabilidade econômico-financeira do serviço de distribuição de energia elétrica, com o menor impacto tarifário para os consumidores, destaca a medida.
Três dias depois (10 de junho), a Eletrobras publicou fato relevante anunciado a venda das usinas para a Âmbar, pelo valor de R$ 4,7 bilhões. “O resultado do processo possibilitou à companhia maximizar a valoração de seus ativos com adequada alocação de risco, eliminando imediatamente os impactos da inadimplência relacionados aos contratos de venda de energia”, diz o documento.
Em 12 de junho, o vice-presidente Geraldo Alckmin, ocupando interinamente a Presidência da República por motivo de viagem de Lula, assinou a medida provisória. Ela foi publicada no dia seguinte no Diário Oficial da União (DOU).
Ministério de Minas e Energia afirma que não houve interferência no contrato
Sobre o caso de compra das usinas pela Âmbar Energia e a medida provisória, o MME informou que as negociações entre empresas do setor são realizadas dentro de contratos privados e que o ministério não teve qualquer interferência ou mesmo conhecimento das condições do acordo.
Acrescentou que os problemas de caixa da Amazonas Energia demandavam medidas para qualquer cenário, fosse caducidade, intervenção ou troca de controle.
Segundo o ministro, parte do problema da concessão da empresa de energia começou em 2018. Em julho do ano passado, a Aneel comunicou o ministério sobre a insustentabilidade da concessão, o que levou a pasta a criar um grupo de trabalho para encontrar uma solução. Em novembro, a agência recomendou a caducidade da concessão.
“Importante pontuar que a análise empreendida para a situação da concessão da distribuição indicou cenários preocupantes com relação à concessão, incluindo a necessidade de a União ter que indenizar a atual concessionária na ordem de R$ 2,7 bilhões, caso fosse levado a cabo um processo de caducidade”, respondeu o MME à Gazeta do Povo, por nota.
O MME ressaltou que acordo com a Âmbar foi conduzido a partir das manifestações favoráveis do TCU e da procuradoria do Ministério Público, além e análise favorável da Aneel e da Advocacia Geral da União (AGU).
Deu na Gazeta do Povo